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“A vacina não é a bala de prata”, diz ex-presidente da Anvisa

Médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto afirma que imunização requer manutenção de medidas protetivas e diz que o governador João Doria “amoleceu”

Por Sérgio Quintella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
23 abr 2021, 06h00
Gonzalo Vecina Neto, de pé e braços cruzados, em um escritório olhando para câmera com cara séria
Vecina, em sua residência na capital paulista: escola, sim; igreja, não (Alexandre Battibugli/Veja SP)
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O governador João Doria flexibilizou as medidas de restrição no momento em que o contágio parou de crescer exponencialmente, mas que ainda se encontra em níveis altíssimos. A pressão econômica prevaleceu sobre a dos leitos de hospitais?

Sem dúvida que houve amolecimento do governador. Vamos pagar mais caro por essa história. É ruim que tenha acontecido. Precisava ter continuado por pelo menos mais uma semana. De agora até quando estivermos vacinados, vamos viver entradas e saídas de fases. Viveremos regime de ioiô nos próximos anos. Não tem muita saída.

As igrejas também deveriam permanecer fechadas?

Acho que é um desserviço de controle da pandemia existir cultos presenciais. As reuniões nas igrejas pentecostais possuem presenças físicas mais importantes. Na Igreja Católica e nas reformistas mais modernas, como a Batista, onde a presença não é tão importante, as reuniões deveriam ser feitas em casa. Mas deu chance de fazerem presenciais, querem logo fazer. Não acho que a abertura tenha a ver com o dízimo, é coisa da fé mesmo.

O mesmo pensamento vale para as escolas, que criam protocolos, como tapete sanitizante e controle da temperatura?

Tapete é uma bobagem. O que importa é o distanciamento. Os alunos menores não vão para a escola para aprender densidade, tabelas. Eles vão para aprender a conviver. Temos de fazer o possível para ter aulas, mas tem de dar algumas seguranças. A vacinação de professores é importante para que possam ser protegidos, mas não dá para zerar riscos.

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Quando o senhor acha que o Brasil conseguirá vacinar toda a população com mais de 18 anos?

Se as compras do (Eduardo) Pazuello (ex-ministro da Saúde) chegarem, minha previsão é novembro. Serão 100 milhões de doses da Pfizer, 38 milhões da Janssen e 10 milhões da Oxford/AstraZeneca, via consórcio Covax Facility. Se elas não chegarem, minha previsão é até o primeiro semestre do ano que vem, isso se Butantan e Fiocruz cumprirem o cronograma.

O senhor acredita que o Brasil terá logística suficiente para transportar e armazenar as vacinas da Pfizer, que requerem armazenamento a até 80 graus negativos?

Não há a necessidade de freezer, com gelo-seco é possível manter o congelamento. Sabemos o que é gelo-seco, mas não tem fábrica em qualquer esquina. Quando a vacina vier, terá de haver um esquema de distribuição bem arquitetado. Podem determinar, por exemplo, que a vacina fique nos grandes centros, que têm mais condições de manusear o gelo.

Casos de efeitos adversos em vacinas como a de Oxford, que pode causar trombose, têm feito pessoas preferirem a CoronaVac. Tem até paciente pedindo receita do imunizante do Butantan ao médico, o que não é aceito nos postos. Na Europa, a Johnson&Johnson também apura casos de formação de coágulos, e quando o imunizante chegar por aqui a discussão deve ser a mesma. Esses receios são justificáveis?

A existência de eventos adversos é uma das coisas esperadas em medicamentos novos. Quando se faz estudos de fase 3, a expectativa é ver essas coisas, mas os casos de trombose não puderam ser observados em testes com 1 milhão ou 2 milhões de pessoas. Quando usam a vacina em 30 milhões, 40 milhões de pessoas, os casos aparecem. Mas são em número muito baixo em relação à expectativa de eventos trombóticos de quem fuma ou toma pílula anticoncepcional. A vacinação não deve ser suspensa.

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Mas e Alemanha e Dinamarca, que suspenderam a vacinação com fármaco da AstraZeneca?

Suspenderam porque têm alternativa. Aqui nós não temos. A vacina da Pfizer também pode ter problemas. Algumas pessoas podem ter choque anafilático. Mas é só tomar em condições de controle para que possa haver um atendimento.

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“Estamos valorizando muito os negacionistas. Na hora do vamos ver, todo mundo vai tomar a vacina”

Casos como esses, relatados no exterior, potencializam os movimentos antivacina, que perseguem a medicina há mais de um século.

Sim, é mais problemático. Estamos valorizando muito os negacionistas. Eu gosto de contar o exemplo de Serrana (em São Paulo, que passou por um teste de vacinação em massa). Feita a proposta, sabe quantas pessoas foram se vacinar? 98% da população elegível. Ou seja, cadê os negacionistas? Na hora do vamos ver, todo mundo foi tomar a vacina.

Mas muita gente no país tomou a primeira e não foi tomar a segunda dose. Qual o risco?

A pessoa não está vacinada se não tomar a segunda dose. Tem efeito tomar só a primeira? Tem, mas é insuficiente. A vacina só é válida com a dose de reforço. Mas os serviços de saúde deveriam ir atrás dessas pessoas.

Outro problema é tomar as duas doses e achar que pode relaxar. Nas entrevistas de idosos na TV, muitos falam que vão poder ver os netos. Pode ou não pode?

Não pode ver os netos. A vacina não é a bala de prata. Enquanto todos não estiverem vacinados, não houver cobertura, a população não está protegida. As crianças, apesar de pegarem pouco (Covid), também pegam e também morrem. Precisamos vaciná-las, mas primeiro precisamos ver se as vacinas são seguras em jovens.

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Quando esse momento pode chegar?

Imagino que até o fim do primeiro semestre do ano que vem.

Por que o Instituto Butantan aposta em uma segunda vacina, a ButanVac? A CoronaVac pode não ser eficaz contra as novas cepas?

É importante que continuem estudando novas vacinas por causa do aparecimento de resistência. Até o momento, a informação que temos é que as três variantes são suscetíveis a respostas por parte de vacinas. Tem uma delas, que é mais dura na queda, que é a sul-africana em relação à AstraZeneca.

Por onde a CPI da Pandemia, no Senado, deveria começar?

Nessa ordem: por que estamos usando medicamentos que não deveriam ser utilizados? Por que faltou oxigênio em Manaus? Por que não compraram vacinas que poderiam ter sido entregues em janeiro? Por que falta kit intubação? Por que não fizemos distanciamento social?

Essa última questão também diz respeito a estados e municípios. Aqui em São Paulo deveria ter havido lockdown?

Sim, mas não houve vontade política. Ficamos remediando, vai para cá, vai para lá. Prefeito antecipa feriado, mas o governo estadual é contra. Lockdown não é uma palavra, é um conjunto de ações. Conversa com entidades, suspende transportes, cria alternativas de transportes para trabalhadores essenciais, cria modelo de testagem, distribui cestas básicas e cartões de alimentação. Araraquara teve essa coragem.

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Publicado em VEJA São Paulo de 28 de abril de 2021, edição nº 2735

 

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