Detalhes exclusivos do Templo de Salomão, nova sede da Igreja Universal
O bispo Edir Macedo investiu 685 milhões de reais e comprou quarenta imóveis no Brás para pôr de pé a igreja que terá capacidade para 10 000 pessoas e área construída quatro vezes maior que a do Santuário de Aparecida
Em 1977, o pastor Edir Macedo começou sua carreira de pregador em cima de um coreto no subúrbio do Rio de Janeiro. Só algum tempo depois conseguiu dinheiro suficiente para alugar o primeiro imóvel da Universal do Reino de Deus, um ponto vago deixado por uma funerária, com capacidade para apenas 100 pessoas. Passadas quase quatro décadas desde esse início modesto, o autointitulado bispo, dono de uma fortuna pessoal estimada em 1,1 bilhão de dólares, segundo a revista americana Forbes, controla a maior igreja evangélica neopentecostal do país, com 6 500 endereços no Brasil (1 010 dos quais no Estado de São Paulo e 246 na capital), além de outros negócios, a exemplo da TV Record e de uma participação de 49% no Banco Renner. O grande símbolo desse crescimento vem sendo erguido desde 2010 em um trecho da Avenida Celso Garcia, no Brás. Trata-se do Templo de Salomão, concebido nos mínimos detalhes para ser um novo cartão-postal religioso.
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Estima-se que a obra tenha consumido 685 milhões de reais em investimentos. Ela possui 100 000 metros quadrados de área construída e é quatro vezes maior que o Santuário Nacional de Aparecida, que perderá nesse quesito o posto de maior espaço religioso do país para a nova sede da Universal. Os detalhes de acabamento do templo incluem cadeiras trazidas da Espanha para acomodar um público de 10 000 pessoas, mármore rosa italiano e oliveiras importadas de Israel, sem falar da tecnologia embutida. Entre outras engenhocas, o local terá uma esteira rolante destinada a carregar o dízimo dos fiéis do altar direto para uma sala-cofre, um telão de mais de 20 metros de comprimento e 10 000 lâmpadas de LED instaladas no teto do salão principal, que tem pé-direito de 18 metros. Quando estiverem funcionando, as luzes formarão desenhos variados, como estrelas. De tão potentes, elas conseguirão iluminar a Bíblia de cada um dos visitantes. As paredes são decoradas por imensas menorás, candelabros de sete braços comuns em sinagogas.
O projeto, que já contou com cerca de 1 800 operários no auge da construção, encontra-se em fase de acabamento. A área construída tem espaço ainda para mais de cinquenta apartamentos, que serão ocupados por pastores, incluindo o que foi preparado para ser anova residência de Edir Macedo. O bispo fez no ano passado a promessa de só cortar a barba quando tudo estiver pronto, em 31 de julho, data em que ocorrerá a festa de inauguração com a presença da presidente Dilma Rousseff, do seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, do governador Geraldo Alckmin e do prefeito Fernando Haddad, entre outras autoridades. Até lá, a política é manter o maior segredo possível. Nos últimos meses, funcionários da Universal circulavam pelo local usando capacete com o logo da igreja, a fim de fiscalizar qualquer tentativa de vazamento de informações. Os mais de cinquenta fornecedores de materiais e serviços da construção assinaram um contrato de confidencialidade. Nele consta que o acordo seria rompido em caso de divulgação de detalhes do interior do projeto. “Conheço gente que postou foto numa rede social e foi demitida”, conta um dos empresários envolvidos no trabalho. Apesar de todos os cuidados, alguns registros acabaram circulando, como os reproduzidos nesta reportagem.
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Na vasta relação de particularidades suntuosas da igreja, nada supera o altar. Ele tem o formato da Arca da Aliança, descrita na Bíblia como o local em que orei Davi guardou os Dez Mandamentos no primeiro Templo de Salomão, construído no século XI a.C., em Jerusalém. Edir Macedo mandou revestir toda a estrutura da peça com folhas de ouro. Ao fundo, há um batistério com uma piscina na qual os convertidos poderão entrar vestidos de branco e, então, passar a comungar na cartilha da Universal. Acima, foram instalados 100 metros quadrados de vitrais dourados. Quem estiver na plateia terá a sensação de admirar uma caixa de ouro aberta. Todo o ritual será transmitido por dois telões trazidos da Bélgica, presos nas paredes ao lado do palco.
Ao criar o prédio no Brás, Edir Macedo não pensou em agradar apenas a seu público cativo. De olho nos turistas de religiões variadas, o complexo contempla um museu do Velho Testamento, batizado de Memorial. O local terá um telão, auditório e doze colunas para explicar a origem das doze tribos de Israel. Um jardim com oliveiras importadas de Israel relembra o Monte das Oliveiras, onde Jesus passou sua última noite na Terra antes de ser crucificado.
A obsessão pelos detalhes fez com que o bispo também importasse de Israel todas as pedras que revestiriam a obra. Foram mais de 40 000 metros quadrados de material trazido de Hebron, a antiga capital do reino de Davi. Trata-se do mesmo revestimento do Muro das Lamentações. O material da Universal teve um acabamento mais lapidado e menos poroso. Funcionários da obra fizeram suas orações ajoelhados e com as mãos encostadas na parede. É possível que o local se transforme em uma espécie de muro das lamentações paulistano. O segurança do trabalho Márcio Kohler, de 47 anos, está na construção da igreja do Brás desde 2011. Nesse período, conta ter encontrado nódulos no intestino. “Num primeiro momento fiquei apreensivo, mas passei a meditar nas promessas de Deus”, diz ele, a respeito da suspeita de câncer. Trabalhar na igreja o teria ajudado a se curar sem precisar passar por cirurgia.
Entre o projeto e a conclusão da obra, mais de 2 000 plantas de engenharia foram desenhadas. Para ganhar espaço suficiente para a execução do negócio, a Universal comprou cerca de quarenta imóveis e terrenos no quarteirão da Avenida Celso Garcia. No começo, pagava uma ninharia (a região é decadente e cheia de sobrados caindo aos pedaços). Mas o interesse da turma de Edir Macedo inflacionou o mercado. No mês passado, por exemplo, a igreja precisou desembolsar 1,7 milhão de reais por um sobrado de 220 metros quadrados que abrigava um salão de beleza. “Fazia mais de quatro anos que estavam querendo comprar meu espaço”, lembra o ex-proprietário Braulino Pereira.
O sonho do momento da Universal é pôr abaixo o Edifício Vidago, na Avenida Celso Garcia, que esconde boa parte da visão do templo para quem passa pela via. A igreja já conseguiu comprar trinta dos quarenta apartamentos do prédio. No começo, pagava 90 000 reais por unidade. Hoje, as negociações não começam por menos de 2 milhões, o milagre da valorização. Pastores ocupam esses imóveis adquiridos. Como estão em maioria, decidiram trocar o síndico e querem agora instalar um elevador novo (o último foi trocado há apenas cinco meses). “Eles planejam deixar o condomínio caro para tirar quem ainda restou”, acusa o comerciante Rivaldo Cunha de Moraes, dono do apartamento de número 65 há 31 anos. “Eu vivo sob terror psicológico.” Em março de 2011, segundo ele, cinco vizinhos que não haviam aceitado vender seu imóvel acordaram com um saco de pano vermelho na porta. Dentro de cada um havia uma galinha preta morta. Na ocasião, os moradores fizeram um boletim de ocorrência no 12º DP, no Pari. Como não conseguiu demolir o prédio, a Universal faz neste momento uma grande reforma para deixá-lo mais bonito para a inauguração da nova sede.
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Oficialmente, a Universal diz que a verba para o projeto veio das contribuições dos fiéis, entre elas o dízimo. Nos últimos anos, durante os cultos, os pastores afirmavam aos seguidores que todos eram donos do espaço. Por isso, colaborações seriam necessárias. Foram vendidos camisetas, canetas, canecas e outros utensílios para arrecadar dinheiro. “Deixei meu apartamento na região da Avenida Paulista para morar aqui no Brás, de frente para a construção, e vê-la ser levantada tijolo por tijolo”, conta Nadir Nunes, que trabalha com eventos. Ela comprou diversos objetos para ajudar, além de já ter garantido um passe que lhe dará acesso ao templo antes da inauguração oficial — pastores de algumas unidades da Universal têm distribuído vale-entradas aos fiéis mais assíduos, que poderão começar a romaria ao lugar a partir de 20 de julho. “Essa igreja vai trazer muitos turistas para o Brás.” Pensando nisso, a comerciante Fátima Hajar pretende vender seu apartamento de dois dormitórios com vista privilegiada para a nova igreja. “Vou pedir 800 000 reais”, planeja.
O tamanho do projeto tem atraído críticas das alas mais tradicionais de evangélicos. “Para nós, aquilo não tem nenhuma referência espiritual”, afirma Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo. Ele acredita que a obra vai fortalecer os devotos da Universal, pois todos ajudaram na construção e ficarão assim mais unificados. Malafaia ressalta, no entanto, o risco de ocorrer algo que para os evangélicos é condenável: a adoração. “O povo vai querer ir lá e tocar a pedra vinda de Israel, mas a crendice não faz parte dos evangélicos. Não adoramos lugares nem pessoas.” Para o professor Rodrigo Franklin de Sousa, especialista em história e arqueologia bíblica do Mackenzie, o gigantismo do empreendimento tem a função principal de atrair fiéis pelo sonho do sucesso. “Por ser grande e ostensivo, passa o recado de ascensão social e profissional”, diz. Sousa lembra que a estratégia de construir templos enormes existe há séculos entre os católicos e muçulmanos. “No caso do cristianismo e do islamismo, porém, o paraíso se dá depois da morte. Para a Universal, a felicidade e a riqueza espiritual e material ocorrem aqui na terra. Daí ser grande, para provar essa tese.”