Falta de água causa impactos ecológicos no entorno do Cantareira
Começa a retirada do volume morto do sistema e surgem novos problemas
Na última quinta (15), o nível do Sistema Cantareira era de 8,2% quando o governador Geraldo Alckmin inaugurou o processo de captação do chamado volume morto, a reserva que fica no fundo das represas e que deve começar a chegar às torneiras paulistanas no domingo (18).
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Serão sugados cerca de 182 bilhões dos 400 bilhões de litros disponíveis, o que garante o abastecimento da Grande São Paulo pelo menos até novembro. Até lá, espera-se, terá se iniciado a temporada de precipitações. Caso os temporais venham na média histórica, o volume pode voltar, no fim do próximo verão, ao nível ideal para as necessidades da população. Como não foram feitos investimentos adequados ao longo das últimas décadas na infraestrutura da área hídrica, estamos todos agora nas mãos de São Pedro.
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A possibilidade de as torneiras secarem não é a única grave consequência da lenta agonia do Cantareira. Quem frequenta a região vê de perto a proporção que o problema atingiu. O agricultor Antônio Valentim Dante, de 41 anos, lembra que, em 2010, decidiu apanhar os próprios peixes para o almoço quando os jornais noticiaram o excesso de chuva que fez com que transbordassem as represas Atibainha e Jaguari-Jacareí, na divisa de São Paulo com Minas Gerais.
Morador da minúscula Pedra Bela, perto dali, ele aproveitava a abundância dos cardumes para rodar 40 quilômetros de moto, jogar os anzóis e garantir a refeição da família. Hoje, a viagem não tem valido a pena. “Nunca mais vi uma tilápia”, lamentava, no início da tarde de quarta (14). A pouca água que agora forma o Sistema Cantareira — proveniente das represas Cachoeira e Paiva Castro, além de Atibainha e Jaguari-Jacareí — entra em contraste com a terra avermelhada dos paredões que ficaram à vista com a queda do nível do reservatório.
Os moradoresdas belas casas dos arredores dos mananciais têm feito, desde o agravamento da crise hídrica, extensões sucessivas nas rampas que levam os barcos de seu quintal direto para a margem. Alguns dos primeiros puxadinhos já não são mais suficientes para conduzir as embarcações até o rio. “O pessoal desistiu de vir e meu movimento caiu 70%”, conta o guia particular de pesca Valdir Nogueira Silva, o Braguinha, que atua há 25 anos na área.
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A falta de peixe é apenas um dos sintomas da seca que atinge o complexo. “Com menos volume, aumenta a concentração de detritos e a água fica com baixo teor de oxigênio, o que mata as espécies e seu alimento”, explica Dejanira Franceschi de Angelis, professora do Instituto de Biociências da Unesp de Rio Claro. “É um ciclo que pode levar mais de vinte anos para se estabilizar novamente.” A ausência de chuvas também é uma ameaça à rica vegetação do entorno.
O biólogo Gregorio Ceccantini, doutor em botânica pela USP, diz que árvores típicas da região, como tapiás, quaresmeiras e angicos, compõem uma floresta semidecidual, ou seja, preparada para enfrentar períodos de estiagem.“Mas, se o déficit hídrico é prolongado, elas adormecem e param de crescer.”
O mesmo acontece com a fauna terrestre. “Capivaras e antas procuram outros locais”, completa o especialista. Além das questões ambientais, a situação começa a provocar impacto econômico. Em Guarulhos, por exemplo, a fábrica de motores Cummins reservou 63 000 reais mensais de seu orçamento para gastos com caminhões-pipa. “Também estamos fazendo obras que permitirão o reúso de água”, explica o gerente operacional Eric Leister. A ideia é evitar prejuízos semelhantes aos que sofreu a Rhodia, indústria química em Paulínia, que teve de parar a produção por duas semanas em fevereiro por causa da baixa vazão do Rio Atibaia, parte de outro sistema aquático. Na capital, empresas como o Shopping Pátio Paulista planejam a construção de poços artesianos a fim de depender menos da Sabesp.
Próximos passos
O quadro mais provável da crise hídrica neste ano
› Maio
No domingo (18), chega às torneiras paulistanas parte da água do volume morto do Sistema Cantareira, cujo processo de bombeamento foi inaugurado na quinta (15)
› Julho
A reserva útil (sem contar o volume morto) chega a zero entre 15 e 30 de julho
› Outubro
Recomeça a temporada de chuvas
› Novembro
Acaba o volume morto, mas os reservatórios devem ficar cheios novamente
› Dezembro
Se a temporada, que vai até março, tiver a média histórica de precipitações, o sistema voltará ao nível adequado para o abastecimento
Fonte: Sabesp