As adequações da capital para as Olimpíadas
Prestes a receber partidas de futebol, turistas e delegações, a cidade faz mudanças na área de transportes e intensifica o esquema de segurança
As férias da professora Bruna Carvalho no litoral paulista neste mês foram interrompidas antes do previsto. Com o voo de volta para Goiânia marcado para 6h10 de quarta (20), ela resolveu fechar o guarda-sol no Guarujá, arrumar as malas e chegar a Congonhas às 18 horas da véspera, mais de doze horas antes de o avião decolar. Por causa disso, teve de enfrentar a fria madrugada paulistana, com temperaturas em torno dos 9 graus, dormindo embaixo de uma escada rolante do aeroporto.
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A atitude aparentemente tresloucada foi motivada pelo medo de encarar as filas intermináveis que se registraram no terminal desde segunda (18), quando entrou em vigor uma nova determinação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) endurecendo a revista de bagagens nos embarques domésticos no país.
A goiana Bruna enfrentou duas horas de espera entre o check-in no balcão da empresa aérea Gol, a passagem pelo raio X e a entrada na aeronave. “Se eu soubesse que seria assim, teria voltado para casa de ônibus”, diz. Esse não foi um caso isolado. Receosos de encarar o tumulto, centenas de passageiros apareceram com horas de antecedência e se esparramaram pelo piso quadriculado do aeroporto. A falta de informações e as falhas de atendimento aumentavam o caos, enfurecendo usuários e provocando discussões. Essa situação só começou a ficar mais tranquila a partir de quinta (21).
O novo procedimento da Anac, adotado apenas duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos do Rio, é um prenúncio de outras medidas que órgãos públicos vão adotar na capital ao longo do próximo mês. Apesar de não ser a sede oficial da competição, São Paulo abrigará dez partidas de futebol no estádio do Corinthians, em Itaquera (veja um roteiro de atrações olímpicas no fim da reportagem).
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A natural movimentação de turistas estrangeiros por aqui causa preocupação aos responsáveis pela área de segurança. Há dois anos, na Copa do Mundo, o receio se concentrava principalmente na possibilidade de ocorrência de manifestações políticas ou de singela troca de tapas entre torcedores rivais beberrões. Em uma Olimpíada, com a circulação de delegações de 206 países, a situação torna-se bem mais delicada. Agora, a preparação contra atentados terroristas norteia o esquema da Polícia Militar e do Exército. Esse planejamento, formulado ao longo dos últimos dois anos, foi endurecido repentinamente por causa do recente ataque que deixou mais de oitenta mortos em Nice, na França.
Os preparativos incluem simulações de sequestro de avião e de explosões em lugares com grande concentração de público. Na madrugada de quarta (20), o Exército levou 100 homens à Estação Paraíso do metrô para uma encenação de atentado a bomba, com soldados na pele de terroristas e vítimas. Durante duas horas, projéteis não letais e bombas de fumaça, para emular o efeito de granadas, foram disparados e lançados nas plataformas. Na contenção, os agentes utilizaram fuzis, metralhadoras e equipamentos com visão noturna. “O lugar é um alvo em potencial”, explica o coronel Carlos Alberto Pimentel. “Estamos prontos para ameaças do tipo.”
A Polícia Militar prepara-se para executar uma operação de abrangência inédita. Nos dias de partida em Itaquera, o reforço será de 8 000 policiais militares, o que vai mais do que dobrar o efetivo de um dia normal. Trata-se do maior contingente utilizado até hoje na capital. Desse total, 4 300 agentes estarão espalhados por pontos estratégicos, como estações de trem e metrô, aeroportos, hotéis das delegações e pontos de interesse como a Avenida Paulista.
Mas o centro nevrálgico do esquema será mesmo o entorno da Arena Corinthians. Quem costuma frequentar jogos no Brasil vai identificar elementos comuns, como a cavalaria e o Batalhão de Choque. A novidade será a presença de atiradores de elite da PM, os chamados snipers, posicionados dentro e fora do estádio com armas capazes de mirar e atirar a uma distância de mais de 300 metros. “Atos terroristas vêm sendo executados de maneira simples nos últimos tempos, por isso a atenção estará voltada para qualquer pessoa que demonstre atitude suspeita”, diz o major Iron Sérgio da Silva, comandante interino do Batalhão de Operações Especiais de São Paulo.
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Outro reforço virá de integrantes do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) da PM, equipados para desarmar bombas, e soldados da Marinha, que terão a função de auxiliar na descontaminação dos torcedores em caso de ataque químico.
A corporação utilizará equipamentos que fazem parte do legado deixado pela Copa. Um deles é o Centro Integrado de Comando e Controle, um caminhão com sistema de monitoramento aéreo e plataforma de observação elevada. O Ministério da Justiça destinou 12,5 milhões de reais ao governo paulista para a compra de aparelhos de raio X, scanners, entre outros equipamentos, que serão enviados a presídios depois dos Jogos. Parte do aparato estará nas ruas neste domingo (24), durante a passagem do revezamento da tocha olímpica pela capital. Nas últimas duas semanas, ela desfilou por 47 municípios do estado, o que movimentou mais de 20 000 PMs.
Não bastasse a segurança ostensiva, uma rede de inteligência será acionada em São Paulo nos próximos dias. De olho no que tem ocorrido em países considerados vulneráveis, o comando da PM ampliou o efetivo dessa área e fiscalizará com mais atenção os pontos turísticos, usuais alvos em atos violentos no exterior. Cerca de 3 000 agentes à paisana vão se infiltrar em locais de grande circulação de público e alimentar uma estrutura de informação conectada com agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), da Polícia Federal e com policiais de outros estados.
Agências internacionais, como as americanas CIA e FBI, disponibilizaram equipes para auxiliar nas operações na cidade. “No que diz respeito a terrorismo, a maior preocupação é com os chamados ‘lobos solitários’, que agem de forma individual”, diz o consultor em segurança Hugo Tisaka, da empresa NSA Brasil.
O sinal de alerta soou na quinta (21), quando a Polícia Federal deflagrou a operação Hashtag e prendeu dez brasileiros suspeitos de ligação com o Estado Islâmico e de planejamento de atentados durante os Jogos. Foram expedidos dezenove mandados de busca e apreensão em dez estados — quatro deles em São Paulo. As investigações foram realizadas por integrantes da Divisão Antiterrorismo do órgão, que monitorou redes sociais. Eles participavam de um grupo virtual chamado Defensores da Sharia e estariam trocando informações sobre a compra de armas para agir no Brasil e no exterior.
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Na noite da última terça, 19, uma maleta abandonada chamou a atenção de pessoas que circulavam na Alameda Ministro Rocha Azevedo, a um quarteirão da Avenida Paulista e do Consulado da França, motivando ligações ao telefone 190. A área foi isolada e uma equipe do Gate tratou de verificar o conteúdo por meio de um robô. No fim, não passou de um lapso de algum vendedor distraído: no interior havia só amostras de tapetes e pedaços de tecido.
Outra estrutura envolve o setor de saúde, que terá reforço de pessoal e procedimentos especiais. Ao todo, 100 médicos e 200 enfermeiros da rede estadual estarão de prontidão no entorno da Arena Corinthians. O destaque do esquema fica com duas tendas infláveis importadas da República Checa que poderão ser montadas às pressas (em menos de dois minutos) para se transformar em hospital.
Com capacidade para tratar até dez vítimas graves simultaneamente, esses espaços contam com um centro de descontaminação contra armas químicas. O equipamento será operado pelo Grupo de Resgate e Atenção às Urgências e Emergências (Grau), a tropa de elite da área no estado. O órgão atuará com trinta profissionais dentro do estádio. “A estrutura é maior que a utilizada na Copa”, diz Cecília Damasceno, coordenadora do Plano de Contingência da Secretaria Estadual de Saúde.
Entre as 22 nações que escolheram a capital e cidades próximas para se hospedar e treinar durante os Jogos estão França, Israel e Iraque. Os três países inspiram especial cuidado. Há algumas semanas, os quartos de hotéis que abrigarão delegações passaram por uma varredura em busca de objetos suspeitos, e funcionários recém-contratados foram investigados. Alguns desses locais são o Radisson Blu, reservado para a delegação da China, e o Staybridge Suites, para a de Israel, ambos no Itaim.
Cinco clubes daqui vão ser anfitriões dessa turma. A maior mobilização será no Pinheiros, com mais de 400 chineses de catorze modalidades. O comitê olímpico do país asiático proibiu a divulgação de qualquer atividade por ali. A piscina e a pista de atletismo da Hebraica, no Jardim Paulistano, são o endereço atual de japoneses e israelenses. Na tarde da última quarta, 20, dois PMs armados com fuzis montavam guarda na entrada principal do clube, durante treino da seleção de natação de Israel.
O Centro de Práticas Esportivas da Universidade de São Paulo (Cepeusp) vai abrigar 115 atletas de China, França, Rússia e Itália. O equipamento mais usado será a pista de atletismo, onde estão previstos treinamentos de franceses e italianos. Chineses e russos aproveitarão os 2 000 metros de extensão da raia olímpica para praticar canoagem.
Os órgãos públicos anunciaram esquemas especiais também em outras áreas para o período olímpico, como a de transporte. A exemplo do que ocorreu durante a Copa do Mundo, em 2014, a CPTM vai pôr em funcionamento uma linha expressa entre as estações Luz e Itaquera nos dias de jogos na Arena Corinthians. O percurso será realizado sem parada, em menos de vinte minutos. Os torcedores vindos de Cumbica terão à disposição uma linha especial de ônibus. Eles irão direto ao estádio, com ar-condicionado, poltronas reclináveis e wi-fi, por 45,50 reais. Quem quiser gastar menos (5,55 reais) pode pegar os veículos convencionais da Linha 257, que liga o Terminal 2 de Cumbica à Estação Tatuapé do metrô.
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Até o momento, 183 000 ingressos foram vendidos para as partidas em São Paulo, cerca de 60% do total disponível. Com 105 000 leitos e 43 000 apartamentos, a capital tem espaço mais do que suficiente para comportar esse público. Especialistas do setor hoteleiro preveem um movimento de 30 milhões de reais no mês de agosto. O montante é semelhante ao arrecadado em um fim de semana do GP Brasil de Fórmula 1, normalmente sediado por aqui em novembro. “A diferença é que o público do automobilismo costuma gastar mais em outros setores paralelos, como a gastronomia”, afirma o presidente da sede paulistana da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis, Bruno Omori.
Para se adequar à leva de estrangeiros que deve desembarcar por aqui, algumas iniciativas bilíngues estão sendo postas em prática na cidade. O Metrô, por exemplo, implantará avisos sonoros em inglês nas estações e plataformas nos dias de partida, para orientar o público que vai em direção ao estádio. Além de receber visitantes, a capital vai exportar turistas. Dados da Skyscanner, empresa de busca de viagens, revelam que os paulistanos representarão praticamente metade do total de brasileiros que assistirão aos Jogos no Rio.
O TAMANHO DO EVENTO POR AQUI
Alguns números relacionados à competição na capital
1 200 atletas, de um total de 10 000, ficarão hospedados na metrópole
12,5 milhões de reais bancaram a compra de equipamentos de segurança
30 milhões de reais é o faturamento esperado pela rede hoteleira paulistana
8 000 policiais militares serão destacados para atuar especificamente nos jogos
183 000 ingressos foram vendidos para os confrontos na Arena Corinthians
100 médicos estarão de prontidão para casos de emergência em Itaquera