Le Plat du Jour é companhia referência em espetáculos infantis
Alexandra Golik e Carla Candiotto são as responsáveis por versões bem-humoradas de Peter Pan e Alice no País das Maravilhas, entre outros clássicos
Uma das mais prestigiadas companhias de teatro infantil da cidade nasceu do fracasso de uma peça adulta. No fim de 1998, as produtoras, escritoras e atrizes Alexandra Golik e Carla Candiotto encerraram melancolicamente uma temporada de três meses de As Filhas de Lear, versão cômica para o Rei Lear, de Shakespeare. A crítica elogiou, mas o público não embarcou na história. Na sala Paschoal Carlos Magno, do Teatro Sérgio Cardoso, com capacidade para 140 lugares, havia apenas cerca de trinta pessoas numa das últimas apresentações. Em uma conversa no camarim, ainda tirando a maquiagem, as parceiras começaram a discutir um novo rumo para a carreira de sua companhia, batizada de Le Plat du Jour (o prato do dia, em francês). O trabalho paralelo realizado por elas na Doutores da Alegria, ONG especializada em apresentações de peças e esquetes divertidos para crianças em hospitais, serviu de inspiração. “Por que não investimos em coisas para a garotada?”, perguntou Alexandra. Dias depois, Carla já tinha em mãos um levantamento completo com o número de peças em cartaz na capital e o perfil das montagens — hoje são cerca de sessenta. “A qualidade da maioria era muito ruim”, lembra ela.
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A primeira produção dessa nova fase da dupla estreou em 2001. Era uma versão pouco convencional de Chapeuzinho Vermelho, na qual Carla e Alexandra, usando técnicas de clown, mímica, dança e malabarismo, entre outras, se revezavam no palco na pele dos personagens. No fim daquele ano, elas receberam o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte. Prevista para durar dois meses, a temporada acabou sendo esticada até 2003. Os projetos seguintes levaram a mesma assinatura criativa e irreverente, com igual sucesso. Em Os Três Porquinhos, encenada pela primeira vez em 2003, por exemplo, o enredo se passa em um açougue e os donos, Pipo e Pepe, depois de receberem uma encomenda de carne suína de um freguês, partem para o sítio da tia Porpeta, onde vivem os animais.
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“As meninas do Le Plat”, como são chamadas por muitos no meio, calculam ter reunido uma plateia de 50.000 pessoas em 2012, entre apresentações em teatros, unidades do Sesc e escolas particulares como o Colégio Santo Américo, no Morumbi, e o Renascença, em Santa Cecília. Isso representa aproximadamente 1.000 espectadores por semana no período. É uma média que supera a de montagens concorridas como a atual de Os Saltimbancos, que se encontra em cartaz no Teatro Folha desde 2008 e atrai por semana cerca de 600 pessoas. “Carla e Alexandra criaram uma nova forma de entreter a garotada”, diz Dib Carneiro Neto, dramaturgo e crítico de teatro infantil. Segundo ele, até meados dos anos 90 o mercado era dominado por montagens de clássicos que imitavam os filmes da Disney, inclusive na trilha sonora e no figurino. “Pareciam coisas de festas para crianças, quase amadoras”, lembra Carneiro. “O Le Plat mostrou que era possível fazer isso de um jeito diferente. Foi uma das melhores coisas que surgiram no cenário nos últimos anos.” Mônica Rodrigues da Costa, crítica de teatro infantil da Folha de S.Paulo, é outra entusiasta do trabalho da dupla. “Da estreia até hoje, elas se mantiveram em um mesmo patamar de qualidade e excelência”, afirma.
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A temporada 2013 da companhia, que conta atualmente com dezesseis integrantes, será uma das mais movimentadas. Até 24 de março, o grupo está em cartaz com Alice no País das Maravilhas no Teatro Alfa. Enquanto isso, o Sesc Santo Amaro exibe uma retrospectiva de suas montagens, com espetáculos sempre aos domingos. A programação termina no dia 24 de fevereiro. Outro investimento importante será a produção de um texto inédito, Rapunzel, no segundo semestre, ainda sem data definida para a estreia. As artistas não começaram a escrever o roteiro, mas já discutem algumas ideias. Assim, a torre onde a protagonista está presa com suas tranças enormes deve ser feita de cogumelos coloridos de ponta-cabeça, inspirada num dos trabalhos do conceituado artista plástico e arquiteto austríaco Friedensreich Hundertwasser. “A linguagem que desenvolvemos foi baseada no moderno teatro infantil da Europa”, conta Carla. “Adaptamos as encenações para o público brasileiro e imprimimos nelas nossa marca.”
Embora sejam da mesma geração profissional (Carla tem 49 anos e Alexandra, 48), as duas se conheceram por acaso no início da década de 90 em Paris, na escola de Philippe Gaulier, mestre no desenvolvimento de técnicas de clown. Alexandra sonhava em ser atriz desde os 13 anos, quando participava de peças na Escola Vera Cruz, em Pinheiros. Paulista de Jundiaí, Carla formou-se em educação física e jogou vôlei profissionalmente no Guarani de Campinas e no São Paulo, chegando à seleção estadual. Aos 20 anos, largou o esporte e foi estudar inglês em Londres. Na temporada europeia, descobriu a vocação artística em uma viagem à Itália, ao encontrar os irmãos do avô, que eram músicos. Depois de fazer alguns cursos de teatro, conheceu a fama de Gaulier e trabalhou durante seis meses como monitora de crianças num navio para guardar dinheiro e poder estudar com ele na França.
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Ao iniciar o sonhado curso, aproximou-se da única brasileira que estava na turma: Alexandra. A amizade surgida ali entre as duas deu origem a conversas durante as quais esboçavam os planos de fundar o Le Plat du Jour. A empresa começou suas atividades em 1992. Desde então, soma no currículo dezessete montagens, entre as quais sete para a plateia infantil, parte do trabalho da dupla que se tornou mais reconhecida pela crítica e pelo público. Durante muito tempo, Carla e Alexandra cuidavam das produções, reescreviam as histórias e protagonizavam as principais personagens no palco. Além da pesada rotina e do acúmulo de funções, o temperamento forte de ambas ajudou a tornar o ambiente mais estressante ao longo do tempo, com discussões constantes. “As duas são de Escorpião, nasceram praticamente no mesmo dia, e trabalhar com elas é explosivo, em todos os sentidos”, interpreta a atriz Helena Cerello, há quatro anos na trupe. “São geniais, mas com uma personalidade bem forte.” Em meados de 2010, tiveram uma briga que quase abalou a parceria. A situação acabou sendo contornada com um acordo: a partir daquele momento, elas passariam a se concentrar mais nas funções dos bastidores, abrindo espaço para que cada uma pudesse se dedicar a outros projetos fora do Le Plat. “Brigamos muito, é verdade, mas sempre por ideias, pensando em melhorar nossas peças”, pondera Alexandra. “Precisávamos dar mesmo uma respirada para fazer outras coisas, sem deixar de dirigir a companhia”, complementa Carla.
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Alexandra, que é proprietária de um teatro desde 2001, O Viradalata, em Perdizes, resolveu realizar uma reforma para ampliar o espaço em 2010, com um orçamento de 6 milhões de reais. Ele será reinaugurado neste semestre com três peças: duas infantis e uma adulta. Carla, por sua vez, dirigiu nos últimos anos algumas premiadas montagens para crianças, como Histórias por Telefone, A Volta ao Mundo em 80 Dias, Sem Concerto, Jucazécaju e Penélope — A Repórter Cor-de-Rosa. Em 2012, estreou na televisão fazendo parte do elenco do programa de humor Saturday Night Live, na Rede TV!. Fora dos palcos, gosta de passar o tempo com o marido, o ator de teatro Rodrigo Matheus, e o filho, de 8 anos. A família mora em uma casa no bairro da Lapa. Alexandra divide uma residência em Higienópolis com dois vira-latas, Phillip e Neguinha. Apaixonada pelos animais, comprou um sítio em Itapecerica da Serra para cuidar de outros 26 cães. “A garotada nos procura sempre depois dos espetáculos e muitos pais vivem nos escrevendo para falar das montagens, que eles curtem quase tanto quanto os filhos”, orgulha-se Carla. Apesar das rusgas do passado, elas prometem seguir firme no trabalho que vem encantando as crianças da cidade nos últimos anos.