Marina Abramovic abre a temporada de grandes exposições
Obras de Kandinsky, Picasso e Miró também chegam à cidade neste ano
As grandes mostras de arte vêm batendo recordes sucessivos de público na cidade. No começo do ano, a Pinacoteca registrou o maior movimento de sua história com a exposição Ron Mueck: mais de 400 000 visitantes. O evento foi superado pela mostra de Salvador Dalí, que, entre outubro e janeiro, atraiu cerca de 540 000 pessoas ao Instituto Tomie Ohtake. Se depender do calendário 2015, os números superlativos vão continuar. Só no primeiro semestre, quatro exposições no padrão blockbuster estão programadas na metrópole. A primeira, com estreia na próxima terça (10) no Sesc Pompeia, é dedicada à artista sérvia Marina Abramovic, alçada a celebridade após levar uma multidão ao MoMA de Nova York, em 2010, com sua performance A Artista Está Presente, na qual passava horas olhando para pessoas da plateia.
A partir do fim deste mês, o Centro Cultural Banco do Brasil apresenta obras de Pablo Picasso (1881-1973) e de outros modernistas espanhóis. Em julho, o mesmo local será tomado pelas telas de um dos precursores do abstracionismo, Wassily Kandinsky (1866-1944). Em maio, mais de 100 trabalhos do catalão Joan Miró (1893-1983) poderão ser apreciados no Tomie Ohtake, na maior retrospectiva do pintor já feita por aqui.
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Uma programação desse porte evidencia que faz parte do passado a época em que São Paulo estava relegada à periferia do circuito internacional das artes. Nesses tempos, fora raríssimas exceções, só aportavam por aqui desenhos e gravuras de menor valor. Uma combinação de crise econômica e mudança de comportamento favoreceu essa transformação. Quando emprestam uma obra ou exportam uma mostra montada, os museus cobram uma taxa, uma espécie de aluguel.
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Com a Europa em crise, o Brasil virou um mercado interessante para esse tipo de negócio. “Quando quis trazer Dalí pela primeira vez, em 2009, precisei de diversos documentos atestando que não havia risco de roubo e que as obras estariam bem cuidadas. Ainda assim, a exposição não saiu”, lembra o arquiteto Ricardo Ohtake, diretor do instituto que leva o nome de sua mãe. “Agora, somos procurados pelos parceiros de fora.” Depois do evento dedicado a Miró, o lugar tem programado outro projeto com enorme apelo de público. Trata-se de uma mostra, em setembro, da mexicana Frida Kahlo, cuja monocelha e estilo exuberante conquistaram uma popularidade que extrapola o mundo das artes.
Um dos efeitos curiosos dessa era das exposições pop é a proliferação de selfies nas salas. Para facilitarem a vida do público, os organizadores preocupam-se em montar ambientes sob medida para a brincadeira. Em Picasso e a Modernidade Espanhola, por exemplo, haverá uma instalação logo na entrada para ser exaustivamente fotografada e compartilhada nas redes sociais. “Mostras desse porte levam pessoas ao museu pela primeira vez”, acredita Maria Ignez Mantovani, diretora da Expomus, responsável pelo evento. Além do espaço para os autorretratos, haverá um dedicado à pintura inspirada na Guerra Civil Espanhola, a Guernica, composto de uma tela digital interativa que permitirá ao público explorar seus detalhes.
O evento do CCBB demandou um investimento de 8 milhões de reais e uma operação de guerra nos bastidores. O esforço de produção inclui sigilo das datas de transporte, feito em três carregamentos para diminuir os riscos e acompanhado todo o tempo por um representante do museu, e acordos com Infraero e Receita Federal para garantir a liberação das peças. Conseguir brecha na agenda de obras e artistas tão concorridos exige também esforço pessoal. Um dos produtores culturais mais ativos do mercado paulistano, Marcello Dantas passa metade do ano viajando. “Minha agenda fica tomada por visitas a ateliês e encontros com curadores”, afirma. Para uma mostra no CCBB, ele convenceu o chinês Song Dong a fazer uma maquete da cidade de São Paulo com doces. Ela foi devorada em segundos pelo público, em setembro do ano passado. Agora, prepara para a Oca, no Ibirapuera, O Invento, que vai apresentar em 100 obras como as invenções transformaram nossa vida. A maioria das peças são instalações ou objetos, incluindo a guitarra que Andy Warhol fez para a banda Velvet Underground, em forma de banana.
Danilo Miranda, diretor do Sesc, também precisou trabalhar duro para trazer Marina Abramovic, de 68 anos, para cá. Em 2013, foi a Nova York e jantou na casa da artista antes de fechar o projeto dela em São Paulo. Pela primeira vez no mundo, o método desenvolvido pela sérvia será amplamente aplicado. Quinhentas pessoas por dia poderão experimentar um circuito de duas horas e meia, em que exercícios desse método serão praticados. As atividades envolvem ficar sentado em silêncio, olhar profundamente nos olhos de outros visitantes e contar grãos de arroz ou feijão, todos pequenos desafios de introspecção. Instalações vão reproduzir algumas de suas performances mais famosas, e o público poderá conhecer trabalhos da época em que ela punha o próprio corpo em risco — e muitas vezes terminava machucada — nos vídeos que fazem uma retrospectiva de sua carreira. Marina só fará a interação com a plateia durante a condução de oito palestras, e as performances ficarão por conta de artistas brasileiros que foram treinados por ela em um sítio no interior de São Paulo e estarão constantemente em cartaz no espaço.
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A melhora nas dependências dos espaços expositivos foi outro fator determinante para que esses trabalhos raros chegassem aqui. Quando quis produzir Virada Russa, em 2009, Rodolfo de Athayde, da produtora Arte A, teve de contratar uma empresa americana para inspecionar o CCBB. Fizeram-se algumas reformas para garantir que fossem mantidos níveis ideais de temperatura e umidade das salas, que todos os ambientes de exibição das obras fossem filmados e que uma brigada de incêndio e a polícia estivessem a postos, caso algo ocorresse com os trabalhos de Chagal e Malevich. A relação com os museus russos foi tão boa que Kandinsky: Tudo Começa num Ponto, com inauguração prevista para julho, traz peças que nunca haviam deixado seu país de origem.
Uma ótima chance para o público brasileiro entrar em contato com uma fase menos conhecida do artista, quando deixa as telas figurativas para investir no abstracionismo, estilo do qual foi precursor. A única parte da equação que não consegue ser solucionada pelas instituições da capital é o tempo nas filas. Depois de ver seu público esperar por quatro horas para entrar na exposição de Yayoi Kusama, o Instituto Tomie Ohtake passou a distribuir senhas com horário marcado de visitação. Ainda assim, visitantes ansiosos começavam a se enfileirar antes de o espaço abrir. Com o know-how adquirido com Impressionismo, em 2012 (325 000 pessoas, recorde na época), o CCBB instalou grades para garantir que a ordem de entrada fosse respeitada e colocou funcionários para entreter o público, mas não conseguiu diminuir o tempo de espera do lado de fora. Ou seja, só resta ao paulistano ter paciência para encarar a inevitável demora.
O QUE VEM POR AÍ
Serão dois núcleos principais. O primeiro é uma retrospectiva de sua carreira, que, além de apresentar vídeos de trabalhos realizados desde a década de 70, trará instalações com projetos famosos, como A Artista Está Presente, que levou 850 000 pessoas ao MoMA, em Nova York. O espaço também terá alguns de seus objetos transitórios, grandes peças de cristal com as quais o público poderá interagir. O outro é dedicado ao método artístico que ela desenvolveu. Quinhentas pessoas poderão experimentar alguns desses exercícios diariamente, em um circuito com duas horas e meia de duração. Marina só aparece para o público em oito palestras.
› Por que ir: é a primeira vez que o Método Marina Abramovic é experimentado pelo público em larga escala.
Metade das noventa obras vindas do museu espanhol Reina Sofía é de autoria do mestre cubista Pablo Picasso (1881-1973), dez das quais são telas. O restante pertence a outros artistas modernos espanhóis, como Juan Gris e Salvador Dalí. Uma sala especial será dedicada ao painel Guernica, que contará com uma tela interativa em que o público poderá ver como a obra-prima foi produzida.
› Por que ir: é a primeira vez que tantos desenhos preparatórios de Guernica deixam a Espanha. O conjunto ainda conta com obras importantes como Mulher Sentada Apoiada sobre os Cotovelos (1939), uma das mais significativas de sua série de telas femininas.
A mostra traz mais de 100 obras, vindas de oito museus de diferentes países, que ilustram a trajetória de um dos precursores do abstracionismo desde o tempo em que Wassily Kandinsky (1866-1944) se dedicava à arte figurativa. Para apresentá-lo, também serão exibidos trabalhos de artistas conterrâneos que o influenciaram e objetos que faziam parte de seu cotidiano, como trajes camponeses e utensílios xamânicos, que colecionava.
Por que ir: será possível ver obras que nunca haviam saído da Rússia e que mostram a transição do estilo do artista para o abstracionismo, que o consagrou.
A partir de maio, o Instituto Tomie Ohtake exibe mais de100 obras vindas de coleções particulares e da Fundació Joan Miró, de Barcelona. São quarenta telas, 22 esculturas, vinte desenhos e 25 gravuras, muitas delas produzidas entre as décadas de 60 e 70 e nas quais aparecem suas características— mulheres, pássaros e constelações estilizadas. Será a primeira vez que a instituição cobrará entrada.
› Por que ir: é a maior exposição dedicada ao artista catalão já realizada no país, e contará com obras relevantes, bastante conhecidas do público.