Painéis gigantes em laterais de prédios multiplicam-se pela capital
Nas últimas duas semanas, onze novas obras chegaram à paisagem da metrópole

Quem passa pelo centro da cidade no endereço citado pelo cantor Criolo na música Freguês da Meia-Noite (“Em pleno Largo do Arouche / Em frente ao Mercado das Flores / Há um restaurante francês”) pode observar uma imagem estilizada do artista em uma fênix gigante, no prédio de número 370. O grafite de 40 metros de altura e 17 de largura, que ficou pronto no fim de outubro após doze dias de trabalho, é assinado pelo paulistano Speto e pelo italiano Never 2501.
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Tornou-se um entre os onze painéis de mesmo porte que chegaram à paisagem da metrópole nas últimas duas semanas, somando-se aos oito já existentes e a outro que está prestes a ser concluído (uma homenagem ao piloto Ayrton Senna, feita por Eduardo Kobra, na Rua da Consolação). A tendência se espalha para além dos nossos limites. Em Guarulhos, na Grande São Paulo, um painel de 35 metros está em fase de finalização.

O propósito desses autores é transformar as laterais sem janelas de prédios (as chamadas empenas cegas, em geral desgastadas) em suporte para a arte de rua. Em outubro, o festival O.bra, o maior evento do país dedicado à modalidade, inaugurou nove desses trabalhos. Cada um dos dezoito participantes do projeto precisou de cerca de 300 litros de tinta, uma plataforma elevatória e quase duas semanas para completar a missão. Com trabalhos de porte em locais como Berlim, na Alemanha, Paulo Cesar Silva, o Speto, nunca havia feito algo do tipo em São Paulo. “Queremos ajudar as pessoas a suportara rotina maçante da cidade”, filosofa.
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Conseguir autorização junto à prefeitura é fichinha perto das outras etapas para a realização dos murais. Primeiro, é necessário obter o aval dos moradores do edifício. Isso por vezes significa participar de reuniões de condomínio e ter intermináveis conversas com síndicos e moradores relutantes. Marina Bortoluzzi, criadora do O.bra, bateu à porta de quarenta endereços para chegar às nove empenas finais. “Demoramos seis meses nesse processo”, conta.

Inês Pomiecinski, síndica do espigão do Arouche, nunca pensou em cobrar um centavo sequer pela concessão da parede ao festival, como acontece em alguns lugares. “É um presente aos condôminos e um conforto para os olhos de qualquer pessoa”, acredita.
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A produção do evento foi totalmente bancada por empresas: cada obra custou cerca de 160 000 reais. O grafiteiro argentino Tec (que se recusa a divulgar o nome) não teve a mesma sorte: depois de procurar patrocinadores por três anos, preferiu vender seu carro por 20 000 reais a fim de custear seu desenho de 64 metros de altura, ao lado do Minhocão. “Precisava fazer algo que desse conta da grandiosidade de SãoPaulo”, explica.

Antes de ir a campo com suas latinhas de tinta, enfrentou outro problema: precisou consultar sete empresas de seguro até encontrar uma que aceitasse vender-lhe uma apólice. Não à toa: Tec passaria cerca de oito horas por dia em cima de um balancim (espécie de andaime suspenso). “Na hora do trabalho, sentia medo e tive vertigens quando cheguei ao 10° andar”, relata. Hoje, ele toma café nas alturas e traz convidados para assistir ao pôr do sol.
Para Binho Ribeiro, que pintou uma carpa colorida em um prédio próximo ao Viaduto Santa Ifigênia, a disseminaçãodos paredões é um reflexo tardio da Lei Cidade Limpa, de 2007. Graças a ela, os muralistas não concorrem mais com as peças de publicidade que costumavam preencher os espaços. “Esses telões estão dando novo status ao grafite”, afirma. De quebra, também ajudam a colorir um pouco o cinza da metrópole.