Alejandro Brugués: “Os zumbis somos todos nós”
Diretor fala sobre “Juan dos Mortos”, filme cubano de mortos-vivos em cartaz
O diretor Alejandro Brugués, 36 anos, viveu ainda na infância duas experiências que marcariam profundamente a sua relação com o cinema. Aos três anos, o menino de Buenos Aires se mudou para Cuba. E, aos oito, assistiu ao filme de terror Evil Dead – A Morte do Demônio, de Sam Raimi. Juan dos Mortos, seu segundo longa-metragem, mescla essas duas lembranças: trata-se da primeira comédia de zumbis filmada em solo cubano.
Bem recebido nos festivais de Chicago, Miami e Rio, o filme está em cartaz na cidade.
Com forte tom de sátira social, a coprodução entre Cuba e Espanha se inspira no legado do diretor George A. Romero (de A Noite dos Mortos-Vivos) para narrar a batalha de dois amigos quarentões, desocupados, contra uma invasão de mortos-vivos na ilha. O governo cubano culpa os norte-americanos pelos ataques. Mas, quando a crise se torna insustentável, a dupla de malandros (interpretada por Alexis Diaz de Villegas e Jorge Molina) resolve lucrar com o desastre, criando uma empresa para aniquilar os monstros.
De Cuba, Brugués falou à VEJA SÃO PAULO no ano passado, sobre o apelo dos filmes de zumbis e as dificuldades de fazer cinema de gênero na América Latina.
VEJA SÃO PAULO – Juan dos Mortos usa a comédia e o horror para falar sobre a sociedade cubana. No início do projeto, a intenção já era combinar entretenimento e política?
ALEJANDRO BRUGUÉS – O horror e a comédia são gêneros que permitem a discussão sobre temas sociais. Quando juntos, o casamento é perfeito. Sou fã de filmes de zumbis, então gosto de ver cenas sanguinolentas, que mostram a violência de uma forma inventiva. Acima de tudo, a ideia era fazer um longa do gênero que eu sempre quis ver. Como cineasta, o que mais me atrai nesse tipo de fita é o subtexto. E o humor. A maioria dos filmes de zumbis é profundamente cômica.
VEJA SÃO PAULO – Em seu filme, aparecem referências a “clássicos” de zumbis, como A Noite dos Mortos-Vivos (1968) e a comédias recentes, a exemplo de Todo Mundo Quase Morto (2004). A ideia era conectar ideias novas e antigas?
ALEJANDRO BRUGUÉS – Muita gente encontra no filme referências que não eram intencionais. Não entendo a razão, mas encontram. Me falaram até que a fita lembra um videogame que nunca joguei. Mas, no caso dos longas-metragens que você citou, sim, é intencional. E há várias outras, então, recomendo que o espectador siga procurando.
VEJA SÃO PAULO – Recentemente, foi produzido um filme no Haiti chamado Os Amores de um Zumbi, que também usa elementos do cinema de horror para lidar com temas como imobilidade social e alienação. Existe um quê universal nos filmes de zumbis?
ALEJANDRO BRUGUÉS – Isso acontece porque os zumbis somos todos nós. Nesse ponto, os filmes do gênero são diferentes de qualquer outra história de monstros, creio eu. E é por isso que podemos usá-los para falar sobre uma série de temas que nos dizem respeito.
VEJA SÃO PAULO – Quais foram as dificuldades que o senhor encontrou enquanto produzia um filme de zumbis em Cuba, um país sem tradição em cinema de horror?
ALEJANDRO BRUGUÉS – Foi um pouco complicado, mas apenas porque nunca ninguém havia feito algo parecido aqui antes. É um desafio fazer filmes de gênero na América Latina porque todo o dinheiro vai para outros tipos de produções. É algo estúpido, mas acredito que isso vá mudar no futuro. Estamos fazendo ótimos longas de gênero, que o público quer ver.
VEJA SÃO PAULO – Juan dos Mortos retrata a realidade cubana por um viés crítico, mas nunca totalmente negativo. O personagem principal resiste no país, apesar de todos os problemas. O filme reflete a forma como o senhor lida com Cuba?
ALEJANDRO BRUGUÉS – Acredito que ser crítico não tem uma relação direta com ser negativo ou positivo. Acredito que devemos mudar uma série de coisas (no país). Ao mesmo tempo, acredito que devemos ser positivos porque, se agirmos de uma forma diferente, ficaremos loucos. Então, a resposta à pergunta é sim: a forma como levo a vida tem muito a ver com o que você vê no filme.
VEJA SÃO PAULO – No Brasil, não são exibidos muitos longas cubanos contemporâneos. Quais são os desafios que os cineastas da ilha enfrentam hoje para produzir novos projetos?
ALEJANDRO BRUGUÉS – Não sei exatamente… Os filmes que quero fazer, como Juan, não são longas cubanos típicos. Então acabo enfrentando outros tipos de desafios. Mas, como de costume, o maior problema é encontrar dinheiro. As coproduções com outros países são algumas das poucas formas que encontramos para fazer filmes, mas não facilitam muito o processo. Ainda temos de continuar procurando maneiras de permitir que as fitas sejam feitas.
VEJA SÃO PAULO – Depois de dirigir um filme de zumbis em Cuba, o que fazer em seguida para surpreender o público?
ALEJANDRO BRUGUÉS – Não sei. Ainda estou tentando descobrir. Mas, quando faço um filme, nunca penso se isso vai surpreender o público. Sempre penso em como entretê-lo. E em continuar brincando, como se fosse uma criança.
Veja trailer do filme:
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