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“O teatro é uma arma contra a morte”, diz Maria Ribeiro

A atriz carioca, que estreia peça com texto baseado em livro da amiga Fernanda Young (1970-2019), fala sobre o luto, novos projetos e eleições

Por Saulo Yassuda Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
29 abr 2022, 06h00
Maria Ribeiro é uma mulher em seus 40 e poucos anos. É branca, magra, de cabelos pretos e lisos amarrados em um coque. Usa batom vermelho e blusa cinza. Posa do peito para cima em um fundo branco
A artista pronta para Pós-F: “Sou superfeminista e sou machista, claro, sou fruto do meu tempo” (Bob Wolfenson/Divulgação)
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Impactada pelas palavras de Pós-F: para Além do Masculino e Feminino (Leya, 2018, R$ 32,44, 128 págs.), o primeiro livro de não ficção da escritora e roteirista Fernanda Young (1970-2019), Maria Ribeiro, 46 anos, decidiu montar um monólogo com a obra. Foi assim que a atriz, diretora de cinema e escritora carioca — ela é colunista de VEJA RIO, também publicada pela Editora Abril — ficou amiga da mulher que admirava, morta cedo, aos 49 anos.

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Depois de uma versão online, a peça ganha o palco do Teatro Porto, no centro, nesta sexta (29). É uma oportunidade de Maria retornar a São Paulo, cidade onde afirma que gostaria de viver, e rever a plateia presencialmente, antes de partir para os projetos que tem em mente. Leia, abaixo, trechos da entrevista.

Qual a sensação de incorporar uma amiga no palco?

Sempre achei a Fernanda uma personagem muito interessante. Ela tinha a obra dela e tinha uma certa obra em sua existência, na forma de se vestir, nas tatuagens, no cabelo, em usar o corpo como meio de expressão. Quando ela morreu, a gente (Maria e a diretora Mika Lins) ficou sem saber o que fazer, se levava o projeto adiante. Eu não estava mais pensando nisso. Mas, antes da morte, a gente já tinha contrato do projeto com a Porto (empresa que administra o teatro), e, menos de um ano depois da morte, lá pra junho de 2020, a Porto Seguro nos procurou com a possibilidade de fazer o espetáculo remotamente. Ficamos em dúvida. Decidimos ver o que o Alexandre (Machado, marido de Fernanda) achava, e ele disse: “Vão em frente”. Fazer a peça é uma maneira excelente de não sentir falta da Fernanda. Convivo com ela loucamente. O teatro tem isto: é uma arma contra a morte.

O que você e Fernanda tinham de parecido e de diferente?

Ela é autêntica e muito o.k. em ser única — e eu também banco minhas ideias. Talvez um pouco menos, talvez me acovarde um pouco. Mas acho que sou bem corajosa em dizer as coisas que eu digo, doa a quem doer, pode ser que perca seguidores e patrocínio, mas eu sou um fruto do mundo de hoje, estou aqui em 2022 no país de Bolsonaro. Me posicionei pra caramba e a Fernanda também. E acho que a gente tem em comum um certo não se encaixar. Ela é escritora, mais que eu — hoje já me considero escritora, já escrevi três livros —, e eu adoro moda. E normalmente, nesses universos, você não pode ser convidado pras duas festas — você será julgado em uma delas. Espera-se que, no mundo dos escritores, você não seja tão vaidosa ou que sua vaidade não esteja nesse lugar da foto com carão. E eu gosto disso, de capa de revista, essa coisa exibicionista. E tem a maternidade, somos as duas grandes mães. Digo isso sem falsa modéstia. E somos muito diferentes. Fernanda tinha uma coisa mais belicosa que eu, talvez tenha precisado lutar mais pra ser como era, veio de uma família muito conservadora. Foi rompendo mais coisas para se assumir como queria.

Como começou o projeto da peça?

Eu li o livro, peguei o WhatsApp da Fernanda com amigos em comum e mandei uma mensagem. Disse que queria montar um monólogo. O livro teve muito impacto sobre mim. A Fernanda toca em assuntos sensíveis, se dizendo feminista e machista. Num momento em que as mulheres se diziam boas e puras, a Fernanda falava: “Não é bem assim”. Isso me interessava. A gente falava: “Beleza, somos feministas pra caramba, estamos aprendendo a nos livrar da forma com a qual fomos criadas, mas ainda tem muitas questões, não viramos santas da noite para o dia”. Eu sou superfeminista e sou machista, claro, sou fruto do meu tempo, eu nasci no agora. Meus filhos talvez sejam 100% feministas, se é que isso existe, mas estamos em desconstrução.

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Pós-F estreou como um projeto on-line em 2020. Foi muito difícil transpor o espetáculo para o presencial?

Não. Fazíamos ao vivo todos os dias, no mesmo teatro vazio, com cinco câmeras. A gente vai manter algumas imagens e a nova versão de certa forma se comunica com a de 2020. Mas sou atriz de plateia, gosto de conversar com as pessoas. E a Fernanda era uma comunicadora — a peça é em primeira pessoa. Estou felicíssima. Gente viva se mexendo é uma “tecnologia” que não se tem igual.

Você disse em entrevista que deixou de ser ateia ao interpretar a Giovana, em Desalma, do Globoplay…

Deixei de ser ateia para fazer a personagem. Você tem de entender o universo dela. Tive de reorganizar meus códigos. De fato, hoje, acho as religiões bonitas. (Hesita) Dependendo. Se não tira dinheiro das pessoas. Também tem isso. (Retoma) É bonito quase como cultura. Acho que, quando se morre, acaba. Mas acho muito bonita a fé, é uma maneira melhor de viver. Agora em todos esses desfiles das escolas de samba, todos falavam de orixá, olha que coisa maravilhosa. A gente mora no Brasil e não entende de orixá. Eu quero entender.

Em 2018, você dirigiu o documentário Outubro, que mostrava tensões e manifestações uma semana antes da eleição de 2018 que levou Jair Bolsonaro à Presidência. Vai ter um novo Outubro neste ano?

Estou me programando para isso, para fazer Outubro 2. (A eleição) É a coisa mais importante que a gente vive. A saga tem de terminar em Outubro 2, porque não tem mais pro coração. Eu e o Loiro Cunha, que dirigiu comigo, queremos fazer a mesma coisa: dez dias antes da eleição, vamos acompanhar as movimentações em São Paulo.

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Tem lugares prediletos na cidade?

Sou louca por São Paulo. Gosto mais de São Paulo que do Rio. Tenho muita vontade de morar na cidade. Tenho mais alma de paulistana do que de carioca, não sou da praia. Sou louca por Higienópolis, poderia passar minha vida passeando por lá. Talvez tenha um dos conjuntos modernistas mais importantes do mundo. Sou louca por aqueles prédios. E gosto do centro. A peça fica no Bom Retiro, Campos Elíseos. O Bom Retiro, eu acho uma delícia. E tem a questão da cracolândia, que é muito barra-pesada…

Você tem múltiplas tarefas. Como administra tantas funções?

Agora, pela primeira vez, estou me organizando para dar um tempo. Parando a peça, escreverei meu primeiro romance. Assinei com a Companhia das Letras. Isso exige um certo foco. Com a vida de artista no Brasil, você dificilmente consegue uma estabilidade de poder parar, estudar. Se aparecer uma novela, você vai fazer. Se aparece um filme, também. A gente tem de estar aberto ao que a vida oferece.

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Publicado em VEJA São Paulo de 4 de maio de 2022, edição nº 2787

 

 

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