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“Descobrimos que nosso filho tinha uma irmã e a adotamos também”

Tiago e Paulo, que hoje fazem sucesso nas redes sociais, viajaram para o Ceará para adotar Davi, onde acabaram conhecendo sua outra filha, Sara

Por Tiago Pessoa, 41, em depoimento a Júlia Rodrigues
Atualizado em 22 jul 2022, 17h00 - Publicado em 22 jul 2022, 06h00
Paulo, um homem branco, magro, de barba e cabelos grisalhos, e Tiago, um homem branco, magro e de barba e cabelos pretos, posam com seus dois filhos sentados na sala de casa. Tiago segura um cachorrinho e Sara, uma menina de longos cabelos cacheados, no colo. Paulo segura Davi, um menino negro, de cabelos crespos e escuros. Todos sorriem para a foto
A família em sua casa, em Santana: adoção (Rogério Pallatta/Veja SP)
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“Nasci em Salvador, mas me mudei para são Paulo em 2010. Na época, Paulo, que é do Paraná, estava morando em Campinas e também queria vir para cá. um amigo em comum nos apresentou para que dividíssemos apartamento. Nosso primeiro contato foi por MSN — olha só como somos velhos! —, no qual um atualizava o outro sobre a procura por colegas de quarto. Com o tempo, fomos morar com outras pessoas e paramos de nos falar. No domingo de carnaval de 2011, vi que ele estava on-line. Naquela altura, eu nem sabia mais quem era Paulo Tardivo e puxei conversa para descobrir. Trocamos número de telefone, combinamos de nos encontrar na Augusta, mas fechei a janela e acabei perdendo a conversa. Deixei para lá e fui curtir com meus amigos. De madrugada, fomos a uma boate na Frei Caneca. Na fila para pagar as comandas, vi um menino muito lindo. Sem saber que era ele, ficamos e trocamos contato — de novo.

Só fomos descobrir que éramos colegas do MSN quando eu o identifiquei pela foto do Facebook. Acho que se a gente tivesse se encontrado na augusta no carnaval para tomar uma cerveja não teria rolado nada. Já que ambos somos atores, no nosso segundo encontro fomos assistir a uma peça no Teatro Augusta. Eu ainda era um pouco inseguro com o fato de ser gay. Cheguei e vi o Paulo todo ‘pra frente’, com All Star rosa, e eu usando camiseta Polo e sapatênis. Achei, por um tempo, que não ia dar certo. Mas deu. Começamos a namorar quinze dias depois do primeiro contato em pessoa. O casamento aconteceu depois de seis meses, bem ‘à brasileira’: juntamos os trapos e fomos morar juntos.

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Desde o início do namoro nós conversávamos sobre ter filhos — e falo isso sem exagero, pois recentemente encontrei uma carta lá de 2011 em que o Paulo já escrevia sobre a possibilidade de expandirmos nossa família. Sempre quis ser pai e, quando me entendi homem gay, achei que nunca realizaria esse sonho. Não havia referências sobre casais gays com filhos naquela época. Essa vontade mútua só começou a ser planejada em 2017, depois que sentimos estar financeiramente e psicologicamente estáveis para a paternidade.

Iniciamos o processo de adoção e, como nosso cadastro era nacional, viajamos para Itapipoca, no interior do Ceará, para conhecer o Davi, que tinha 3 meses. Quando chegamos lá, descobrimos que ele tinha uma irmã de 5 anos. Nosso primeiro pensamento foi que teríamos de ir embora sozinhos, pois não havíamos nos preparado para cuidar de duas crianças — nosso cadastro, inclusive, era para um filho apenas. Pouco tempo depois, a Sara chegou da escola. Naquele turbilhão de sentimentos, olhei para o Paulo, ele me olhou, e percebemos que aquela também era nossa filha. Pensei: ‘Bota água no feijão que agora não somos mais três, somos quatro!’.

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Tiago e Paulo com os meninos no avião
Viagem para São Paulo com os meninos: vinda para casa (Arquivo Pessoal/Divulgação)

A partir daí começou uma batalha judicial. Imagine dois homens vindos de São Paulo para adotar duas crianças em uma cidade pequena no interior do Ceará, a três horas de Fortaleza. Foi o primeiro caso de dupla paternidade de lá. Viramos notícia na cidade. Nossa sorte foi a entrada de um juiz consciente das novas formações familiares e livre de preconceitos, que autorizou a guarda.

Claro que, antes da viagem a São Paulo, passamos meses no abrigo convivendo com as crianças. É um processo muito burocrático e necessário, tudo é pensado para minimizar o risco de dar errado e haver devolução, o que é muito comum. Gradualmente fomos nos aproximando, com brincadeiras em conjunto e passeios supervisionados por funcionários do abrigo. Como o Davi ainda era um bebê, a adaptação foi mais fácil do que com a Sara, uma criança que já possuía uma vivência e carregava, inclusive, alguns traumas da genitora. Certo dia, a psicóloga nos avisou de que não poderíamos visitá-los, para ver se eles sentiriam falta. Passamos o dia desesperados no hotel. Quando voltamos, ela nos disse que a Sara havia ficado quase o dia todo no portão esperando por nós. Isso era um ótimo sinal.

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+“A paixão pela moda nos uniu há quase trinta anos”

Do cadastro até chegarmos com os meninos em casa foram dois anos e dois meses. Para eles é absolutamente natural terem dois pais. Recentemente, Sara nos contou que um colega de classe perguntou se nós éramos gays. Ela respondeu que sim. O amiguinho disse que achava muito legal e que queria nos conhecer. Nossa filha respondeu que nos apresentaria quando fôssemos buscá-la na escola. É assim, muito simples.

Momento com Davi no abrigo: luta na justiça
Momento com Davi no abrigo: luta na justiça (Arquivo Pessoal/Divulgação)
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Nossas redes sociais (@familiapessoatardivo), que hoje acumulam milhares de seguidores e são um de nossos trabalhos, nunca foram planejadas. Podemos dizer que já damos aula de teatro para as crianças em casa e, em 2020, a Sara disse que queria fazer vídeos. Paulo ficou com receio, mas criei um perfil em meu nome para brincar com ela. O terceiro vídeo viralizou e não paramos mais. Nosso objetivo é mostrar às pessoas, principalmente a partir do humor, que nossa família é igual à de todo mundo, com perrengues e, claro, muito amor.”

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Publicado em VEJA São Paulo de 27 de julho de 2022, edição nº 2799

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