Nova trilha: geração de talentos muda a cena musical da cidade
Com sons que variam do rock à MPB, eles estão em ascensão e divulgam seus trabalhos de graça na internet
De tempos em tempos, aparecem safras de artistas que mudam a cara da programação musical da metrópole. Foi assim nos anos 80, com o movimento independente de Arrigo Barnabé, o Grupo Rumo e outros nomes que tocaram no extinto Teatro Lira Paulistana, em Pinheiros. Mais tarde vieram bandas como Os Mulheres Negras e Luni. A leva dos anos 2000 trouxe Tulipa Ruiz, Marcelo Jeneci, Céu, Emicida e Criolo.
Agora, uma nova fornada de talentos está ocupando, aos poucos, os espaços da cidade. Eles ainda não atraem multidões, mas sempre se apresentam diante de plateias cheias em casas de pequeno e médio porte. Investimentos milionários de grandes gravadoras? Pode esquecer. A galera faz uso maciço da internet para divulgar seus trabalhos.
São artistas em ascensão, como a cantora baiana Xênia França, vocalista do grupo alternativo Aláfia, que está lançando carreira-solo, e outros mais consolidados, entre eles o trio O Terno, autor da faixa Ai, Ai, Como Eu Me Iludo, parte da trilha sonora da temporada paulistana de Malhação.
E o que essa turma toca? Os sons mais diversos possíveis. De rock pauleira a MPB misturada com música eletrônica, vale tudo. “A cena de hoje vai beber da originalidade, assim como ocorria em décadas passadas”, afirma Maurício Pereira, integrante dos Mulheres Negras ao lado de André Abujamra.
Filho de Pereira, Tim Bernardes faz parte do grupo de rock O Terno junto com Guilherme d’Almeida e Biel Basile, mandando ver uma trilha sonora das boas com referências aos anos 60 e 70. Em 2012, ainda com o baterista Victor Chaves no lugar de Basile, a banda gravou o álbum 66 em apenas duas tardes. “Não podíamos errar nem perder tempo”, lembra D’Almeida.
Eles gastaram 3 000 reais para produzir o clipe da faixa-título e publicaram o vídeo no YouTube (a marca de visualizações já passa de 950 000). A trupe ganhou ainda mais visibilidade com uma apresentação em 2015 no Lollapalooza no mesmo palco e dia do The Smashing Pumpkins e uma participação em agosto no festival Brasil Summerfest, no Lincoln Center, em Nova York.
Com o lançamento do terceiro disco, Melhor do que Parece, o power trio deixou definitivamente para trás o rótulo de “aposta” e adquiriu status de sucesso consolidado, com cachê na casa dos 25 000 reais. Em agosto, quando anunciou uma noite no Sesc Pinheiros para o lançamento do vinil, o grupo viu os 1 010 ingressos a 40 reais se esgotar em menos de uma hora.
“É muito legal estar com tantas pessoas cantando junto a sua música, essa catarse coletiva é compensadora”, comemora Bernardes, que partiu neste ano para uma carreira-solo em paralelo.
Ainda na esfera do rock, mas numa pegada bem mais pesada, a banda potiguar Far From Alaska, radicada em São Paulo desde 2014, conquistou em pouco tempo um lugar de destaque na cena. O quinteto tem na linha de frente duas garotas, Emmily Barreto e Cris Botarelli, e se formou na seletiva do Planeta Terra Festival, em 2012, no Jockey.
A estratégia para divulgação foi pôr as faixas de graça na internet. No aplicativo Spotify, por exemplo, a mais ouvida é Relentless Game, uma parceria com a banda Scalene, de Brasília, reproduzida 3,2 milhões de vezes. Esse número alto de execuções até gera um repasse — mas não dá para viver disso. “A rentabilidade chega a 2 000 dólares por mês”, conta Thiago Endrigo, sócio da Elemess, responsável pela gestão da carreira do Far.
“Até um ano e meio atrás, eram centavinhos”, lembra, com bom humor. A popularidade on-line deu gás a um projeto de financiamento coletivo que arrecadou 68 700 reais para a realização do segundo disco, Unlikely, produzido por Sylvia Massy, responsável por álbuns de estrelas internacionais como Johnny Cash e Red Hot Chili Peppers.
O sucesso mexe com a turma, mas não subiu à cabeça. “Ainda ficamos impressionados quando podemos fazer um som com alguma banda que ouvíamos na adolescência, como foi com o CPM 22”, diz o guitarrista Rafael Brasil. Ambos participaram do Sampa Music Festival, em 2016.
Eles juram que não têm a ambição de se apresentar só para estádios de futebol lotados. “Podem nos chamar para fazer show em festa, churrasco e funeral, tanto faz, gostamos mesmo é de tocar”, brinca a parceira de banda Cris.
Para esses artistas, uma notícia muito bem-vinda foi a inauguração de pelo menos cinco casas de espetáculos de pequeno e médio portes, para até 1 000 espectadores. A multiplicação de palcos ampliou as possibilidades dos músicos, que antes ficavam concentrados na rede Sesc.
Na abertura da Casa Natura Musical, em Pinheiros, em maio, a baiana Xênia França, que transita com facilidade do hip-hop à MPB, foi convidada para integrar a seleção feminina da noite, ao lado de Maria Bethânia e da sócia do empreendimento Vanessa da Mata.
A presença dos novatos entre as figuronas carimbadas tem dado resultado na bilheteria. Os ingressos para a apresentação ali do pernambucano Johnny Hooker se esgotaram com dez dias de antecedência. Já Paulo Miklos e Mart’nália, por exemplo, não atingiram a capacidade máxima da plateia.
“Buscamos uma pessoa com capacidade criativa e de misturar diferentes ritmos”, enumera Fernanda Paiva, gerente de marketing institucional da Natura. A marca mantém há doze anos o projeto Natura Musical. Cerca de 1 500 artistas se inscrevem anualmente para tentar financiamento. Até o fim de 2017, 5,6 milhões de reais devem ser destinados para trinta projetos.
Pôr a mão na massa em múltiplas funções é fundamental para alavancar a carreira. “Hoje em dia, todos precisam fazer a parte executiva, jurídica e o marketing, sem contar a dedicação artística”, afirma o produtor musical Daniel Ganjaman.
Responsável por trabalhos de Criolo, Nação Zumbi e Mano Brown, Ganjaman foi abordado durante uma turnê no interior pela banda de MPB alternativa As Bahias e a Cozinha Mineira. As vocalistas travestis Raquel Virgínia e Assucena Assucena mais o guitarrista Rafael Acerbi sonhavam com o dedo do profissional no novo disco, Bixa, com show de estreia marcado para 20 de outubro na Audio, na Água Branca.
Ele topou. “Os músicos são ótimos, e me impressionou a presença de palco delas”, elogia. No álbum anterior, Mulher, de 2015, o trio conquistou a crítica pela habilidade de misturar jazz, MPB, xote e rap em apresentações teatrais, ambientadas num cenário de cabaré.
Apesar de as referências serem múltiplas, há uma inspiração que prevalece. “Somos ‘galcostinianas’ ”, diz Raquel, referindo-se à paixão pela cantora baiana. As letras engajadas que discutem questões atuais de gênero impulsionaram participações na televisão, como no programa Amor & Sexo, com apresentação de Fernanda Lima, na Globo.
Em setembro do ano passado, a banda gravou o single Para Costurar o Mundo, com participação de Ney Matogrosso. Para a produção de Bixa, eles limparam todas as economias, que, somadas aos 40 000 reais da verba liberada pelo Programa de Apoio à Cultura (Proac), bancaram a investida. “Estamos bem endividados, mas felizes com o resultado”, afirma Raquel.
A curto prazo, para essa turma talentosa, a meta é rentabilizar o prestígio e conseguir bancar-se com a música. Mas há os que não descartam sonhos maiores. “Não temos problema em chegar até o mainstream e, sei lá, ser os Beatles”, brinca Basile, do Terno. “O importante é a gente fazer aquilo em que acredita.”
Ouvidos abertos
Outros nomes para acompanhar de perto
Mestrinho. Sanfoneiro de mão-cheia, o rapaz de 29 anos já tocou com Elba Ramalho, Gilberto Gil e Ivete Sangalo.
Rael. Conhecido na cena hiphop, lançou no ano passado o álbum Coisas do Meu Imaginário, com referências de MPB e soul.
Rincon Sapiência. Após quinze anos de carreira no rap paulistano, lançou o primeiro (e elogiado) disco de estúdio, Galanga Livre.
Tássia Reis. Voz feminina no reduto do rap, a moça mistura jazz e R&B em levadas envolventes.
Trio roqueiro
Formado por Tim Bernardes, Guilherme d’Almeida e Biel Basile, O Terno subiu ao palco do Sesc Pinheiros em agosto para lançar o vinil Melhor do que Parece, o terceiro álbum da banda. Os 1 010 ingressos se esgotaram em menos de uma hora. O sucesso da turma de composições roqueiras com uma pegada do psicodelismo dos anos 60 e 70 começou em 2012, quando os três lançaram o clipe 66 no YouTube. A plateia que os acompanha é eclética. “Podemos tocar num palco chique e lindo como o do Auditório Ibirapuera ou até no Lolla que não vamos ter problema”, afirma o baterista Basile.
O vozeirão que dividiu o palco com Bethânia
Xênia França se mudou da Bahia para São Paulo para tentar a vida de modelo, em 2004. “Fiz alguns trabalhos, mas não fluía”, diz. Da infância, quando integrava uma fanfarra em Camaçari, veio a inspiração para buscar a música. O negócio virou uma carreira em 2011, ao começar a cantar com o Aláfia, grupo alternativo de MPB e rap. Seu vozeirão garantiu um convite para participar da inauguração da Casa Natura Musical com Maria Bethânia e Vanessa da Mata. Ela ainda é vocalista do Aláfia, mas, no fim do mês, lança carreira-solo, com o disco Xenia. “Canto de hip-hop a MPB.”
MPB em performances extravagantes
A banda As Bahias e a Cozinha Mineira, formada por Raquel Virgínia, Assucena Assucena e Rafael Acerbi, lançou em 2015 o CD Mulher. Com referências a Gal Costa, as faixas mostravam levadas de rap, soul e até xote. Desde o ano passado, o trio já fez 120 apresentações. O estilo performático das vocalistas travestis chamou a atenção do tarimbado produtor Daniel Ganjaman. Ao lado de Marcelo Cabral, ele cuidou do novo Bixa, de canções mais dançantes, que está disponível no aplicativo Spotify desde 1º de setembro. No dia 20 de outubro ocorrerá o show de lançamento do álbum, na Audio, na Água Branca.
Parceria com até sessenta artistas
Na adolescência, Iara Rennó chegou a romper com a música, o “negócio” da família. Filha do compositor Carlos Rennó e da cantora Alzira E. (de Espíndola), decidiu estudar teatro. Em 2001, uniu-se a outras cantoras, como Anelis Assumpção, na banda DonaZica. Após passar um tempo com o conjunto, lançou em 2008 a Macunaíma Ópera Tupi, parceria com sessenta artistas no Teatro Oficina, na Bela Vista, além do álbum da obra. Em 2016, pôs no mercado dois álbuns de uma só tacada: Arco e Flecha, com faixas inspiradas na música eletrônica. “Minhas influências vão de Billie Holiday a Madonna”, conta.
Pauleira potiguar
Os cinco músicos vieram do Rio Grande do Norte para São Paulo em 2014, tocam rock pesado e batizaram a banda de Far From Alaska. E não é que essa mistura exótica está dando certo? O quinteto surgiu para o público em 2012, quando venceu uma seletiva para participar do Planeta Terra Festival, realizado no Jockey Club. “Eu não sabia nem segurar direito no microfone”, diverte-se a vocalista Emmily Barreto. No ano passado, Shirley Manson, vocalista do grupo americano Garbage, fez questão de chamar a turma para a abertura de seu show, lotado, no Tropical Butantã. Para a gravação de seu mais recente trabalho, Unlikely, a banda teve a produção de Sylvia Massy, que já trabalhou com Johnny Cash e Red Hot Chili Peppers. O lançamento está programado para o dia 28 no Sesc Pompeia. As entradas começam a ser vendidas on-line na terça 19, e é preciso ser rápido, já que a procura costuma ser grande.