Artista que “furtou” moeda de museu mostra ação pela 1ª vez no Brasil
Ilê Sartuzi abre individual no MAC com documentos inéditos que revelam reação do Museu Britânico a sua performance

Era 18 de junho de 2024 quando Ilê Sartuzi, 29, entrou na sala do Museu Britânico, em Londres, onde ficam objetos que podem ser manipulados por visitantes, com uma intenção: trocar uma moeda de prata de 1645, cunhada durante a Guerra Civil Inglesa, por uma réplica. Feito o truque de prestidigitação, com a moeda real em mãos, depositou o objeto na caixa de doações da instituição. Toda a ação foi capturada por três câmeras e integra a instalação Sleight of Hand (em mágica, os truques feitos com as mãos), exibida pela primeira vez no Brasil a partir deste sábado (15), na individual Truque, no Museu de Arte Contemporânea (MAC), curada por Marcela Vieira.

A escolha do Museu Britânico não foi por acaso. “É um desses museus universais, que tentam contar a história da humanidade a partir do próprio acervo. Mas quem dá a eles esse direito? O pior é que, para isso, eles se valem de uma série de objetos roubados, de diferentes períodos coloniais. Essa questão superproblemática torna a instituição um lugar certeiro para trazer esse tipo de debate”, explica o artista.
A ação de Ilê reacende o debate sobre roubo de tesouros históricos durante a colonização. Em julho do ano passado, o Brasil conseguiu repatriar um manto tupinambá levado para o Museu da Dinamarca em 1644, hoje sob guarda do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, vinculado à UFRJ.

O professor doutor Ferdinando Martins acompanhou o caso do “furto” da moeda e planeja uma aula sobre o assunto para seus alunos de pós-graduação na Escola de Comunicações e Artes da USP. “A gente chama de performance porque não tem um nome melhor, mas o que artistas como o Ilê estão fazendo é levar a arte para um lugar que não cabe mais nas instituições tradicionais. Esse momento é tão inovador quanto foi o Renascimento”, acredita, citando outras obras provocadoras, como a banana colada na parede, do artista italiano Maurizio Cattelan, que fez barulho no final de 2024 ao ser vendida por 6,2 milhões de dólares em um leilão da Sotheby’s, em Nova York.
Ilê, paulista de Santos e formado pela USP, exibiu Sleight of Hand pela primeira vez como parte de seu projeto de mestrado em artes na Goldsmiths, da Universidade de Londres, com uma videoinstalação em dois canais com filmagens do roubo, documentos que mostram como foi planejado e duas réplicas da moeda. A preparação durou mais de um ano, incluiu mais de vinte visitas ao museu e diversos ensaios. O vencedor do prêmio Pipa também foi auxiliado por um advogado para garantir que a performance não ultrapassasse a barreira do ilícito.

“Estava disposto, principalmente, a ser deportado”, afirma. Após tomar conhecimento da ação de Ilê, apenas com a abertura da instalação na Goldsmiths, em 11 de julho de 2024, quase um mês após o ocorrido, o British Museum entrou em contato com o artista acusando-o de não ter devolvido a moeda real, mas, sim, uma cópia. Mensagens foram trocadas entre a instituição e o artista para esclarecer o fato e serão expostas pela primeira vez em Truque, bem como imagens das câmeras de segurança do dia do “furto”, documentos internos do museu sobre Ilê e fotografias do processo.
Para o advogado especializado em artes Evaristo Martins de Azevedo, a ação de Ilê está calcada no direito às artes. “O furto inexistiu não apenas porque ele não o consu mou, mas porque aquilo não era um furto, mas sim uma performance”, explica. “Legalmente, o trabalho não se configura como crime, mas ele flerta com esse limite e, em última instância, está tentando pensar justamente quais são as fronteiras da lei e a quem ela está protegendo”, conclui o artista.
Completa a mostra a série de instalações Proposições para Sistemas de Segurança de Museus (2023), em que Sartuzi explora a teatralidade de seu trabalho ao animar objetos típicos da estrutura de museus, como interruptores e alarmes. ■
MAC USP. Avenida Pedro Álvares Cabral, 1301, Ibirapuera, ☎2648 0254 → Ter. a dom., 10h/21h. Grátis. Até 15/6.
Publicado em VEJA São Paulo de 14 de março de 2025, edição nº 2935.