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“A periferia é uma junção de urbano e interior”, diz Geovany Hércules

Finalista do Prêmio Jabuti 2022, autor e comediante concorre na categoria juvenil com livro inspirado em adolescência vivida no Grajaú

Por Humberto Abdo
17 nov 2022, 20h00

Após se mudar do Rio Grande do Norte com os pais quando tinha apenas 4 anos, Geovany Hércules, 30, viveu boa parte da juventude no Jardim Prainha, bairro do Grajaú que até hoje serve de inspiração para seus contos e romances — além de render piadas, pois o autor e cineasta ainda dedica tempo à carreira de comediante em apresentações de stand-up.

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Entre os palcos e os livros, ele é um dos finalistas do Prêmio Jabuti (cujos vencedores serão anunciados em 24 de novembro) pelo título SP Graja Trip, que retrata o cotidiano de jovens da periferia, e já prepara novas publicações para 2023.

O que nasceu primeiro na sua trajetória: a escrita ou a comédia?

Primeiro a escrita. Eu fiz faculdade de cinema, mas não curti tanto o set de filmagem e todo esse trabalho de produção me frustrou. Vi que não conseguiria gravar todas as ideias que surgem na minha cabeça. Comecei a escrever os primeiros contos durante a graduação, no início sinopses de roteiro e depois histórias sem a preocupação com o audiovisual, só explorando a imaginação e publicando em um blog. O primeiro livro foi uma compilação disso, mas só vendia para a família e os amigos.

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Como foi a surpresa de estar na lista do Jabuti?

Não esperava, foi a própria editora (SM Edições) que enviou a obra. Tomara que mais pessoas acabem lendo o livro, pois fura nossas bolhas e, se não fossem os prêmios, eu ainda estaria vendendo as cópias para meus conhecidos. Só tento não ficar tão deslumbrado porque as contas ainda chegam.

Antes de ser finalista do Jabuti, o romance também venceu o Prêmio Barco a Vapor 2021 e rendeu um prêmio de 40000 reais. Como escolheu gastar esse valor?

Eu tentei guardar, mas não deu certo, não! Comprei coisas de casa, um valorzinho ainda mantenho guardado e estou sobrevivendo com frilas como assistente de colorista. Também usufruí por prazer, comprei uns cogumelos e uns livros (risos).

E os personagens foram baseados em amigos e familiares seus?

É aquela bagunça, eu pego o que já existe e dou uma nova abordagem. Tem elementos autobiográficos, mas não é necessariamente sobre minha vida. Nos meus primeiros textos, eu já falava muito da quebrada, mas sobre personagens comuns: os maconheiros, os trabalhadores da periferia e o dia a dia de tudo o que eu vivia. Foi minha primeira tentativa de escrever um romance, um livro maior, e eu nem considerava ele infantojuvenil porque os personagens são adolescentes, mas o contexto tem uma linguagem adulta e sem pudor.

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Quais histórias você conta no livro?

Eu falo do cotidiano dos jovens, relacionamentos, a entrada na universidade, o baile funk. Tem a personagem de uma mãe com câncer… Tento mostrar que a periferia tem suas especificidades, mas é um lugar comum com pessoas comuns e toda pessoa ama, se relaciona, trabalha, se diverte, se revolta com algo.

Você sente falta de morar lá?

Eu gostava de viver na quebrada e hoje só estou no Centro de São Paulo para facilitar a locomoção, por questão de trabalho. Ainda frequento bastante e dou as caras pelo menos umas duas vezes por mês. Algumas pessoas transitam entre Grajaú e Centro, mas quem é da periferia sente a desigualdade ao andar em um shopping num bairro nobre, pois não achamos aquilo familiar, não parece ser um lugar feito para nós.

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Qual é o maior problema e o maior prazer de morar no Grajaú?

O maior problema é a distância! Eu estudei lá na Bresser, Zona Leste, e tinha que fazer todas as baldeações em horário de pico. Mas o maior prazer… É essa relação de fraternidade. É esquisito estar no Centro, parece que moro em um lugar onde só durmo e não conheço ninguém. O vizinho da minha porta pode ser o Jeffrey Dahmer (serial killer retratado em série da Netflix) e eu não tenho como saber (risos). E a periferia é essa grande junção entre urbano e interior.

O audiovisual costuma errar ao retratar esses locais?

Quando o cinema vai falar da periferia, é com olhar sobre a criminalidade e tráfico de drogas. Existe isso, mas a gente vive apesar disso. A gente também se diverte, confraterniza. Entre a classe média, a molecada fuma maconha e isso é visto como uma experiência lúdica (risos). Na periferia, surge com a imagem da biqueira e um cara armado.

“Grajaú é um lugar comum com pessoas comuns que amam, se relacionam, trabalham, se divertem e se revoltam”

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Para quem não conhece o Grajaú e quer conhecer, quais lugares você indica?

Tem que ir numa biqueira! Não, mentira (risos). Tem o Centro Cultural Grajaú, com eventos e exposições, a Praça do Lago Azul e fizeram um parque linear ao redor da Represa Billings, tudo repleto de grafites. E tem o Pagode da 27, uma galera que se organiza para fazer um pagode na rua.

Como acha que o Grajaú se transformou nos últimos anos?

Ali urbanizou bastante, meu bairro antigamente não tinha pavimentação, era só barro. E antes tinha muitos problemas com água, às vezes a água da rua não chegava com força suficiente para encher sua caixa de água ou, dependendo de certo horário, precisávamos ir até um vizinho que morasse próximo à represa.

Seu próximo livro, Desventuras de Schrödinger, vai acompanhar dois amigos maconheiros que se encontram perdidos na vida aos 30 anos e tentam resgatar um gato roubado por “playboys” de Moema. Qual parte dessa história toda é autobiográfica?

(Risos) Tem muita coisa, mas esse é mais distante de mim, é um personagem mais fracassado, que mora sozinho e é meio desmantelado. Algo bastante inspirado nas comédias de erros, com personagens frustrados.

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Como é se dividir entre escritor e comediante de stand-up?

Comecei a me interessar pela técnica da comédia para usar na escrita e sempre gostei dela em filmes, só que a universidade de cinema é muito fresca, muito cult. Eu tinha esse lugar do cult, mas também tinha um gosto pela bagaceira e pelo trash. A grande mentira que contam é que fazer stand-up envolve escrever seu material, mas é só metade do caminho. Depois tem que se descobrir no palco e saber como chamar a atenção das pessoas. É uma das coisas mais difíceis que já fiz, mas recompensadora, porque cinema precisa de muita gente e é estressante, enquanto o livro é você sozinho e demora. A piada é instantânea

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Publicado em VEJA São Paulo de 23 de novembro de 2022, edição nº 2816

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