Gabriel Mascaro: “Ganhamos o Oscar e confirmamos nossa força”
Diretor recifense lança 'O Último Azul', destaque do cinema neste ano, pré-selecionado para concorrer a uma vaga ao Oscar 2026

Uma das apostas do cinema nacional neste ano é O Último Azul, de Gabriel Mascaro, que estreia nesta semana. O filme venceu o Urso de Prata, em Berlim, em fevereiro, e está entre os pré-selecionados da Academia Brasileira de Cinema para concorrer a uma vaga no Oscar 2026.
Com Denise Weinberg e Rodrigo Santoro, o longa se passa em um Brasil distópico, onde idosos são forçados a viver isolados em colônias habitacionais. A história foca em Tereza, 77, moradora de uma cidade na Amazônia, que se nega ao exílio e sai em busca de realizar seu último desejo.
“Em vez de um filme sobre a finitude da vida, é sobre o presente, sobre essa idosa que pulsa, quer viver”, comenta o diretor.
Recifense, 41 anos, Mascaro formou-se em comunicação social na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e trilhou uma carreira de sucesso com perspectivas contemporâneas e irreverentes sobre corpo, poder e sociedade.
Seu primeiro projeto audiovisual foi o documentário KFZ-1348 (2008), codirigido com Marcelo Pedroso, que analisa a elite brasileira. Boi Neon (2015), premiado pelo júri no Festival de Veneza, o fez deslanchar. Outro destaque, Divino Amor (2019), foi lançado em Sundance.
Paralelamente, dedicou se às artes visuais, com trabalhos expostos na Bienal de São Paulo e até no MoMA, em Nova York. Em entrevista à Vejinha, ele compartilha as expectativas para o cinema neste ano.
Como surgiu a ideia do filme?
Foi um projeto que começou de maneira muito natural assim. Eu morei numa casa com muita gente, avô, avó, tio, tia. Cresci com essas pessoas e o envelhecimento fazia parte da vida da casa. Quando meu avô morreu, me inspirou muito a maneira como minha avó ressignificou a morte: ela começou a pintar, foi muito especial ver esse reflorescimento da vida aos 80 anos. A partir desse gatilho pessoal, começo a pensar sobre o corpo idoso. A Tereza veio a partir desse olhar para minha avó, de um lugar de afeto, de potência.
Nas suas palavras, sobre o que é o filme?
Em vez de ser um filme sobre a finitude da vida ou sobre a nostalgia do que passou, sobre passado e memória, é um filme sobre o presente. Sobre essa personagem idosa que deseja, pulsa, quer viver e realizar um sonho.
Como chegou ao elenco?
Quando eu escrevo o roteiro, não penso em um elenco, porque se não desse certo, seria frustrante. Quando comecei a fazer os convites, encontrei a maravilhosa Denise, que materializa essa ternura com toda a sua complexidade. O Santoro sinalizou interesse em trabalhar comigo depois de assistir Boi Neon, e eu também sou um grande admirador dele. Vi Bicho de Sete Cabeças (2000) no Cine-PE em Recife, então acompanhei o acontecimento inicial da carreira dele.
Teve algum momento mais emocionante na trajetória até agora?
Ganhar o Urso de Prata, de um júri presidido por Todd Haynes, foi maravilhoso. A gente saiu de lá vendido para 65 países e mais de 50 festivais. É muito bonito ver um filme com a cara do Brasil conectado com o mundo todo, com uma mensagem universal. Fizemos um lançamento em São Paulo com as influenciadoras Avós da Razão e foi muito bacana poder escutar as impressões dela sobre o filme e sobre ser idosa no Brasil.
Você teve uma experiência com o Vídeo nas Aldeias (projeto dedicado ao fortalecimento do cinema indígena). Como ela contribuiu para filmar a Amazônia?
A Amazônia é quase um personagem à parte no filme, com toda a sua complexidade. Ele começa com uma linha de produção de carne de jacaré, que já gera um estranhamento. Para mim, foi muito natural escrever pensando na Amazônia. Logo quando eu me formei, fui trabalhar no Vídeo nas Aldeias, dando curso de formação. Foi muito legal ajudar a formar essa primeira geração de realizadores indígenas. Quando eu comecei a escrever, voltei às memórias desse momento de trabalho, para retratar uma Amazônia potente. E também foi lindo fazer esse encontro do cinema pernambucano com o cinema do Norte, trabalhamos com mais de 20 atores e atrizes da Amazônia.
“O Brasil precisa fortalecer a pluralidade cultural, porque o cinema brasileiro é o cinema da diversidade”
Gabriel Mascaro
Como acompanha a produção cultural indígena hoje em dia?
É muito muito interessante ver a produção se amadurecendo. O Brasil passou por um momento em que a política pública entendeu que a força do Brasil está na diversidade. Estamos vendo a força do cinema brasileiro se confirmando. Temos dois filmes pernambucanos nos festivais (o outro é O Agente Secreto, de Kléber Mendonça Filho). Vemos cada vez mais projetos descentralizados no Brasil. Nesse lugar, surge com muita força o cinema indígena.
Como se sente com o destaque do cinema pernambucano neste ano?
É um ano muito especial, que seguramente marca a retomada da relação com o espectador. Ainda Estou Aqui (2024) devolveu um pouco a torcida do Brasil pelo cinema. E no ano em que conseguimos o Oscar, confirmamos a nossa força, com prêmios nos festivais de Berlim e de Cannes (O Agente Secreto foi reconhecido com os prêmios de melhor direção e ator na França).
Acha que a produção audiovisual deixou de se concentrar no eixo Rio-SP?
Há uma descentralização histórica de recursos para pessoas desenvolverem uma cinematografia em outras regiões. Eu sou da primeira geração de Pernambuco que não precisou sair do estado e ir ao Sudeste para fazer cinema. Poder morar em Pernambuco e desenvolver uma cinematografia pernambucana é muito legal. O Brasil precisa fortalecer a pluralidade cultural, porque o cinema brasileiro é o cinema da diversidade.
A nível pessoal, pensa sobre o envelhecimento de que modo?
Escrever sobre um personagem ecoa muito do que a gente sente. Todo mundo quer ser livre, todo mundo busca liberdade e autonomia. O filme me impactou porque foi uma forma de lidar e entender a velhice. Lembro que a equipe chorou em alguns momentos da filmagem.
Em O Último Azul e Boi Neon, os personagens questionam limites sociais identitários. Isso também vem de uma experiência pessoal?
Nos dois filmes, os corpos são muito abertos à experimentação. São corpos que não necessariamente têm consciência de suas identidades. Eles flertam com a cultura queer. Foi muito bacana refletir sobre os desvios dessa heteronormatividade. São personagens abertos a experimentar a vida, o que é muito importante para mim.
Publicado em VEJA São Paulo de 29 de agosto de 2025, edição nº 2959