Festas sem endereço fixo conquistam paulistanos; confira boas opções
As baladas itinerantes ameaçam mercado de clubes e movimentam a noite paulistana com novos modelos de folia
Há casas noturnas paulistanas que seguem firmes e cultivam público fiel. Entretanto, elas vêm perdendo terreno nos últimos anos — dizem até que os clubes estão em falta no mercado. Ameaçam o universo das pistas fixas as festas itinerantes. Quanto mais inusitada a locação, mais atrativa parece ficar a folia. No topo de prédios charmosos pouco explorados, em galpões que sediaram antigas fábricas, em estacionamentos, pelas ruas… Assim ganharam força endereços como a Fabriketa, no Brás, antes Moinho Matarazzo, fundado em 1900, de pegada industrial e clima de lugar abandonado. Ainda que o espaço escolhido seja um clube mais consolidado, vale a migração constante para não cair na mesmice.
O público parece também gostar de ser surpreendido ao saber para onde deve ir, já com o ingresso comprado, poucas horas antes do evento. Com mais liberdade (não se vê nessas atrações, por exemplo, o datado hábito de barrar pessoas na porta), os selos apostam na diversidade do público, na politização dos projetos e na pluralidade de trilha sonora. Algumas marcas cresceram tanto que desembarcaram também em outros estados e países, mas seguem ocupando a metrópole com sons e tribos os mais variados.
Alta-roda no centro
Querer, neste caso, não é poder. Nas festas armadas por Zé Neto, que transita entre o mercado financeiro e a produção de eventos, entram só aqueles escolhidos pelo anfitrião, bem relacionado na alta sociedade paulistana. Não há divulgação, e o endereço é revelado apenas uma hora antes. “Chegam a ficar 300 pessoas na porta. Já me ofereceram 4 000 reais pelo ingresso, mas não funciona assim”, explica o rapaz, de 28 anos. Os interessados em participar dos eventos, com bebida liberada e sem camarotes (viva!), costumam desembolsar a partir de 200 reais, as moças, ou 350 reais, os rapazes. Às vezes, porém, o preço atinge os 1 000 reais. Além disso, para o organizador, não existe o conceito de “vipar”, ou seja, deixar alguns convidados entrar de graça, sejam eles quem forem.
Os tíquetes são vendidos por links individuais, para não haver perigo de aparecerem “infiltrados”. As comemorações, que se fortaleceram no ano passado, ocuparam casas alugadas e o centro da cidade. Em junho, o Baile do Zé, para cerca de 1300 pessoas, tomou a Praça Ramos de Azevedo, vizinha ao Teatro Municipal. “Quero que as pessoas explorem essa região muito esquecida”, afirma Zé, que, na ocasião, fez um acordo com a prefeitura para renovar a Fonte dos Desejos. Em outubro, foi a vez de a Sé balançar com disco e house. “Limpamos a praça inteira e, em conjunto com uma organização, oferecemos comida e agasalhos aos mora- dores de rua.” O próximo baile, um dos dez eventos do empresário previstos para 2020, sendo um deles no Rio, está marcado para 8 de fevereiro — com o local ainda mantido em segredo, é claro.
Cantoria e banho de espuma
Não é qualquer marca que chega aos fartos números da folia paulistana Pilantragi. Lançada em 2012, ela segue firme no cenário e esgota ingressos por aí. Acumula mais de 750 edições e participações em outros projetos, aqui e no exterior. Para não cair na mesmice, a colorida farra faz residências em lugares diversos (como Mundo Pensante e Estúdio Bixiga), organiza festivais e bola temas e cenários especiais. Neste domingo (19), por exemplo, haverá folia com banho de espuma na área externa da Casa das Caldeiras, na Água Branca — entretanto, fique ligado: os tíquetes já acabaram. “Vamos de réveillon em Caraíva, na Bahia, até ocupação na Brasilândia”, afirma o DJ Rodrigo Bento. Foi do aniversário dele que surgiu a ideia da festança.
Na trilha, Bento cria o que define como uma “narrativa musical emotiva”. Só são tocadas faixas brasileiras, de Caetano a Anitta. A ideia consiste em cantar junto — rola inclusive aquela abaixada no som para ouvir o pessoal soltar a voz. “Quero mostrar que festa não é lugar só para beber e ficar maluco, mas um espaço de convivência tão importante quanto qualquer outro”, diz Bento. “As festas se reconstroem dia a dia, as casas noturnas acabam se tornando mais estáticas.”
Pesquisando as batidas
Um grupo no Facebook para conhecer novas músicas, batizado de Gop Tun, uma brincadeira com o nome do filme Top Gun (1986), deu origem em 2013 ao projeto homônimo que virou uma das principais festas da cidade. Todos na casa dos 30 anos, os organizadores Bruno Protti, Fernando Nascii, Caio Taborda e Gui Scott demonstram alta preocupação com a qualidade da trilha sonora eletrônica — e da cenografia e iluminação. “Nunca escolhemos um DJ pela quantidade de ingressos que vai vender, mas pelo que ele toca”, garante Taborda. “Fazemos uma curadoria fresh, com um lance de pesquisa muito forte, para mostrar algo além do mainstream.” A turma, que também discoteca por aí em clubes, decidiu por um projeto próprio para ter liberdade na hora de selecionar o que lançar nas caixas de som. São de oito a dez edições por ano na capital (quase todas esgotadas, de acordo com Taborda), em espaços como a Fabriketa, antigo moinho no Brás, e a Praça das Artes, no centro. O coletivo tem no currículo ainda edições nacionais do celebrado Dekmantel Festival e a virada de ano litorânea Xama. A próxima Gop Tun deve rolar em 7 de fevereiro, no Air Rooftop, no topo do Shopping Light, com ingressos a partir de 50 reais.
Farra carioca
O balanço do Rio chegou a São Paulo com a FunFarra. O tradicional projeto, que tem entre seus comandantes o ator Pedro Neschling (e por isso atrai vários artistas), faz uma mistura de ritmos. Há bastante pop envolvido, de cantoras como Lady Gaga e Rihanna. São DJs residentes Beto Artista, Tulio Araújo e Ricco. O selo organiza diversas edições, também temáticas. No ano passado, a marca promoveu na capital, por exemplo, halloween no Cine Joia, na Liberdade, e comemoração a fantasia na época do Carnaval, no local de eventos Espaço 555, no centro. A próxima festa está marcada para este sábado (18), no Via Matarazzo, na Água Branca, com ingressos até 60 reais para a pista. Em ações beneficentes no fim do ano são arrecadados brinquedos para doação a crianças carentes, e quem entra na campanha paga menos pelo ingresso.
Pista com vista
Faz algum tempo que os rooftops caíram no gosto dos paulistanos baladeiros. Para curtir a cidade de cima, vale conhecer a Babel. Criada em 2014, a festança trimestral ocupa o topo de prédios famosos da capital. Já receberam seus embalos o Instituto Biológico, a Biblioteca Mário de Andrade, o Instituto Tomie Ohtake, o Edifício Martinelli… “Garimpamos bastante, usamos até o Google Maps para procurar espaços. Ouvimos muitos nãos, mas trata-se de um trabalho de convencimento”, explica Guga Roselli, engenheiro de formação e responsável pelas obras do icônico clube D-Edge, na Barra Funda, entre outras. “O público cansa das mesmices enlatadas, quer experiências novas.” Ele é fundador do selo musical e da produtora de eventos Mareh Music, organizadora dos festivais Mareh, no litoral do Nordeste, e Marisco, que já ocupou, por exemplo, uma antiga fábrica de pentes no Brás e o extinto Colégio do Jockey. A Babel segue o estilo sunset: começa às 16 horas e baixa o som à meia-noite. Nos pick-ups, música eletrônica, “mais dançante, menos mecânica”, com foco em house e disco. A próxima edição está programada para março — os preços dos ingressos costumam começar em 55 reais.
Noite politizada
A Mamba Negra surgiu com a ideia de ser uma festa “menos hedonista e mais política”. Por trás da noitada de pegada mais pesada, que angariou seguidores fiéis em seus sete anos de atividade, estão a arquiteta Carol Schutzer, a DJ Cashu, e Laura Diaz, cineasta e cantora da banda Teto Preto. O projeto vai, de fato, além da diversão. A questão feminista aparece com a predominância de DJs e colaboradoras mulheres. Transexuais e drag queens não pagam entrada após incluírem o nome em uma lista. Quem vai de bicicleta desembolsa menos pelo ingresso, que costuma começar em 20 reais, antecipadamente. Há ainda a política de redução de danos para usuários de drogas e álcool, com água à vontade nos bebedouros. “Queremos algo inclusivo”, afirma Cashu. No projeto, focado em tecno e outras vertentes eletrônicas, destacam-se as performances, sobretudo de dança, inspiradas em estilos que vão do vogue ao butô, quase sempre com figurinos e maquiagem extravagantes. A mobilidade para diferentes locações também faz parte do charme. “No início, todas eram ilegais, por isso avisávamos em cima da hora onde seria a festa, para não haver problemas com a fiscalização. Hoje, sempre temos alvará.” A próxima edição está programada para 1º de fevereiro, e o endereço será divulgado no mesmo dia.
Ponte aérea de Salvador
“Tenho uma amiga que diz que é a festa da ‘meia altura’, porque quando você olha está todo mundo agachado, rebolando”, brinca Artur Santoro, um dos diretores da Batekoo. “Ninguém se preocupa se alguém está olhando feio, é um espaço seguro, onde reina o respeito.” A comemoração começou em Salvador em 2014 e gravou seu nome nesse universo. Desembarcou em terras paulistanas há quatro anos, em um bar de Santa Cecília, para um público de 300 pessoas e hoje tem mais gente aqui do que lá (algumas festas reúnem até 2 000 pessoas). Conquistou frequentadores fiéis, caso de Haonê Thinar e Juju ZL, que posaram para a foto abaixo no Cine Joia, casa da Liberdade que recebe nesta sexta (17) um show da Batekoo com a funkeira Tati Quebra Barraco, com ingressos a até 30 reais. Trata-se de uma plataforma totalmente voltado para a cultura negra. “Valorizamos essa estética e estilos musicais como funk, dancehall e afrobeat. Mais de 80% do nosso público é negro, LGBT, morador da periferia…” Em 2019, houve 98 eventos com a marca, do Pelourinho a Paris. Neste ano, o selo pretende fazer festas ainda maiores, no mesmo esquema de ocupar lugares diferentes — descentralizar para as periferias — e divulgar o endereço na data da folia.
Vinil no estacionamento
No dia 21 de dezembro, um estacionamento na Barra Funda, com direito a faixas amarelas pintadas nas paredes, recebeu cenário tropical e estremeceu com a mais recente edição da Balduína. A noitada, de estilo mais intimista e público jovem descolado, surgiu três anos atrás por iniciativa de um grupo de seis amigos apaixonados por discos de vinil. Os membros do coletivo cultivam a paixão por bolachões, por exemplo, ao depositar uma quantia mensal e entregá-la a um dos integrantes, responsável por comprar álbuns naquele mês. Os itens adquiridos são então colocados em um acervo ao qual todos têm acesso. Na folia, rolam faixas de discos de vinil (mas também digitais) de diversas épocas, voltadas principalmente ao eletrônico. “As locações são o nosso maior desafio. Queremos criar noites que surpreendam. Devem ser organismos vivos que se transformam”, afirma o advogado e DJ Francesc Marma, um dos organizadores. Já foram palco para o projeto, com poucas edições anuais, uma residência modernista no Pacaembu, uma agência de publicidade e uma casa com piscina próxima à Represa de Guarapiranga. Para 2020, a equipe programa quatro edições em São Paulo, a primeira delas possivelmente em março, com ingressos que vão de 15 a 60 reais.
A turma do Agrada Gregos procura repetir o clima do Carnaval durante o ano todo. A marca bombou em 2016 como um bloco de rua para o público LGBTQ+ regado a música pop, funk e axé. Caiu nas graças do público e rendeu festas de Dia das Bruxas, chegada da primavera, de fim de ano e até festival em estádio, como o programado para o Canindé, no sábado (25) e no domingo (26), com shows de Gloria Groove e Lexa. São cerca de oito edições anuais, fora o Carnaval e os grandes shows, comandadas pelos amigos Armando Saullo, Nathalia Takenobu e Gabriel Ribeiro. “Queremos ocupar a cidade. Procuramos lugares que lembrem o bloco, com alguma área aberta, mas mais infraestrutura”, diz Ribeiro. O grupo já animou endereços como o Nos Trilhos, famoso por sua maria-fumaça, na Mooca; o ABolha, no topo de um shopping do Bom Retiro; e a Vila dos Galpões, no Brás. As farras começam no meio da tarde e recebem foliões fora de época que não se esquecem da fantasia. “Após o Carnaval, só retomamos nossas festas uns dois meses depois, para o pessoal curar a ressaca”, diverte-se Nathalia.
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 17 de janeiro de 2020, edição nº 2670.