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“Entregamos um produto moderno, que ainda encanta”, diz Cassio Scapin

Ator paulistano, que vive Santos Dumont em musical, fala sobre fase clubber, vida no Centro e o episódio especial do Castelo Rá-Tim-Bum

Por Júlia Rodrigues
17 fev 2023, 06h00
O ator Cassio Scapin. É um homem branco, de cabelos e barba pretos. Usa uma camiseta preta, coloca a mão no queixo e sorri
Cassio Scapin: criado na Zona Norte, agora vive no Centro (Eduardo Rodrigues da Silva/Divulgação)
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Na pele do pai da aviação na peça Além do Ar — Um Musical Inspirado em Santos Dumont, em cartaz no Teatro Opus Frei Caneca até o sábado (25), Cassio Scapin, 59, é um veterano dos palcos da capital. Para a maior parte do público, entretanto, ele ainda é conhecido como Nino, jovem de 300 anos e aprendiz de feiticeiro da série infantojuvenil Castelo Rá-Tim-Bum, exibida na TV Cultura a partir de 1994. No mesmo dia, pouco depois de as cortinas do palco se fecharem e se encerrar a temporada do musical, Scapin volta ao ar em um episódio de comemoração dos trinta anos de gravação do programa a ser exibido às 22 horas. Na entrevista abaixo, ele fala sobre o reencontro com o elenco e a vida em São Paulo.

A TV Cultura exibe um episódio especial de trinta anos do início das gravações do Castelo Rá-Tim-Bum no dia 25 deste mês. Como se sente ao revisitar um programa que ajudou você a chegar ao estrelato?

É um prazer reencontrar todo mundo. Foi algo que fizemos juntos absolutamente na base da camaradagem, porque éramos todos atores. Sempre repito isso, éramos todos moradores de São Paulo, todo mundo já se conhecia, todo mundo já trabalhava, todo mundo estava no mercado e, de repente, nos trombamos em um estúdio de televisão não usual, não comercial, de uma emissora pública, para desenvolver um trabalho que a gente não sabia muito bem o que era e que todo mundo estava experimentando junto. O mais bacana do Castelo é que tudo foi feito sem nenhum interesse ou objetivo primeiro de sucesso comercial ou de qualquer tipo de arrogância. Estávamos fazendo, fomos nos divertindo. Não tinha um monte de tecnologia e, de algum jeito, a gente driblou os problemas e entregou um produto moderno, um produto que as pessoas olham até hoje e ainda causa efeito, causa encanto.

No teatro, já viveu o Brás Cubas, Friedrich Nietzsche e, atualmente, é Santos Dumont em um musical. Incomoda ser mais lembrado pelo papel do Nino?

Não, porque é um fato do veículo em que você trabalha. Apesar de a TV Cultura não ser uma televisão comercial, a penetração do Castelo é infinitamente maior que a de um espetáculo de teatro. O programa também foi reprisado várias vezes, então você cria gerações que o veem daquele jeito. O teatro é uma excepcionalidade, não é um hábito cotidiano. Na televisão você liga e está lá, você entra na casa da pessoa. É um facilitador. Então, não seria nem lógico nem inteligente eu reclamar ou fazer esse tipo de comparação para mim mesmo com o meu trabalho.

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Você nasceu no Ipiranga, mas cresceu na Vila Gustavo, no Tucuruvi, na Zona Norte. Quais são suas memórias mais marcantes da infância?

Minha infância foi muito diferente da infância da moçada de hoje. Fui um moleque de periferia, de bairro periférico. A gente ia e voltava para a escola sozinho, isso com 8 anos. Havia um clubinho de futebol que se chamava Peteca. Lá nos fins de semana tinha domingueira (um tipo de festa), então, a gente dançava na quadra de futebol. Foi nessa época, na 6ª série, que conheci uma professora maravilhosa de educação artística que me encaminhou objetivamente para o teatro. Ela se chamava Maria Helena, era uma mulher negra superavançada para a época, que tinha um pensamento muito legal de levar os alunos para o teatro, não em horário separado, mas no horário do convívio com o público normal, para eles aprenderem a se portar.

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O que mais gosta de Santa Cecília, região onde mora atualmente?

Brinco que não sei se moro na “Alta Santa Cecília” ou no “Baixo Higienópolis”, porque moro exatamente na divisa. Nunca ascendi socialmente para ser um burguês de Higienópolis (risos). Gosto de um monte de coisas da região. Aqui você tem café, mercadinho, você conhece a moça que vende couve, a cabeleireira do salãozinho. Mas também nesse momento tem muita violência. Não dá para conversar com o celular na rua, há muito trombadinha, muito roubo de celular. Isso está acontecendo na cidade inteira, mas aqui, no “Baixo Higienópolis”, sinto que as pessoas facilitam bastante, porque a gente vive com uma certa razoabilidade de segurança. Você passou três ou quatro quarteirões para cima, já é outro tipo de convívio, outro tipo de conduta. Inclusive, durante a pandemia, na época dos “panelaços”, eu era um assíduo batedor de panela do “Fora Bolsonaro”. Daí um vizinho veio me dizer que eu era “um comunista de Higienópolis”. Respondi a ele: “Tu que é burro, porque você não chegou em Higienópolis, você mora em um bairro abaixo, não chegou na tua meta de vida” (risos). Aconteceram uns bate-bocas interessantes na vizinhança.

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Quais são hoje, na sua opinião, os principais problemas da cidade?

Essa é uma discussão para fazer uma conferência. Há um descuido, uma falta de olhar para a rua muito grande. Há uma violenta manipulação imobiliária dentro da cidade, que causa um grande desequilíbrio de moradia. A questão do combate às drogas deve ser muito mais bem pensada. Não adianta reprimir o usuário. Falta coragem em enfrentar quem são os responsáveis pela distribuição da droga. Ou você fecha a torneira e para a fonte ou isso não vai diminuir. Me assustei muito. Ia sempre ao Teatro Municipal a pé da minha casa e percebi que, logo depois da pandemia, aconteceu uma desgraça. Via pessoas que anteriormente eram classe média morando na rua. Dava para perceber porque elas tinham um fogão de quatro bocas, um sofá bonitinho. Falta esse olhar para quem está desamparado em São Paulo, que passa pela droga, que passa pela fome, que passa pelo alto preço no supermercado.

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Você aparece em uma capa da Vejinha da década de 90 sobre o fenômeno dos clubbers (tribo frequente em danceterias). Como era o rolé na cidade nessa época? Você ainda curte a noite?

Era uma maravilha! Aproveitei bastante. E havia um somatório muito engraçado, porque o Castelo Rá-Tim-Bum estava bombando nessa época e os clubbers tinham uma identificação com o programa e com os personagens, devido à estética, à roupa divertida, ao sapato plataforma (risos). Não saía do Senhora Kravitz. Na época, fazia um espetáculo que se chamava Tamara, que tinha umas quatro horas de duração. Terminava tarde e, quando acabava, já parava no Senhora Kravitz, e saía de óculos escuros no dia seguinte, tipo às 6 da manhã. Hoje, não dou conta de lugar muito cheio, de ficar na fila para pegar uma bebida. Prefiro ir jantar, tomar um vinho, conversar com meia dúzia de amigos sentados. Não que eu não goste de dançar, continuo gostando. Quando tem uma festa facilitada, gosto de ir. Mas noitada não dá mais.

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Publicado em VEJA São Paulo de 22 de fevereiro de 2023, edição nº 2829

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