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Bibliotecas centenárias de SP preservam o passado e se reiventam para o futuro

A Biblioteca da Faculdade de Direito da USP e a Biblioteca Mário de Andrade, marcos da cidade, renovam público apostando em projetos culturais e outros eventos

Por Mirela Costa
20 out 2025, 08h00
As instituições centenárias se articulam entre a preservação da memória e a promoção da leitura como experiência coletiva (Roberto Setton/Veja SP)
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Pelos corredores e estantes que carregam pensamentos seculares, já transitaram leitores que se tornariam grandes nomes da literatura nacional, como Oswald de Andrade (1890-1954), Lygia Fagundes Telles (1918-2022) e Hilda Hilst (1930-2004). Somam-se a eles milhares de estudantes, pesquisadores e cidadãos que, em busca de conhecimento, frequentam a Biblioteca Mário de Andrade (BMA) e a Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), que completam, respectivamente, 100 e 200 anos em 2025.

Inauguradas em momentos emblemáticos da formação da capital paulista, as bibliotecas públicas mais antigas de São Paulo são como marcos da cidade. “A biblioteca tem uma importância por ela mesma, é claro, mas ela pulsa com a cidade na medida em que vai renovando suas funções e o seu poder simbólico”, afirma Marisa Midori, professora da USP e pesquisadora da história do livro e da leitura.

Hoje, ao atravessarem os anos e esbarrarem no desafio de atrair leitores frente ao excesso de tempo nas telas, esses espaços se reinventam com atividades como clubes de leitura, oficinas criativas, exposições, festivais e sessões de cinema, além de integrarem eventos de destaque na cidade — na segunda (13), o São Paulo Fashion Week (SPFW) estreou sua 60ª edição com um desfile do estilista João Pimenta na Mário de Andrade.

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Nos próximos dias 24, 25 e 26, a Biblioteca Mário de Andrade celebra seu centenário (Roberto Setton/Veja SP)

Na São Paulo de 1825, que contava com ruas de terra batida e menos de 20 000 habitantes, nascia a Biblioteca da Faculdade de Direito da USP. Ainda não levava esse nome e tampouco pertencia à instituição, já que os cursos jurídicos seriam criados somente em 1827. Sua formação parte do acervo de 5 000 livros derivado das coleções pessoais de bispos e mantido nos fundos do Convento dos Franciscanos, no Largo São Francisco. Assim que instituída, a faculdade incorporou gradualmente o patrimônio franciscano e consolidou seu próprio acervo.

“Foi a primeira biblioteca pública da cidade. Embora fosse conservada pelos frades em seus primeiros anos, era oficialmente administrada pelo governo provincial”, explica Marisa. Após dois séculos de expansão, a biblioteca mantém uma coleção de mais de 300 000 títulos, que cruzam diversas áreas do conhecimento e guardam edições históricas, como um exemplar de 1520 da Divina Comédia, de Dante Alighieri.

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Um século depois, já em uma São Paulo que se colocava como centro político e econômico proeminente, foi inaugurada a Biblioteca Municipal, futura Mário de Andrade. “A biblioteca se deu como uma expressão do projeto modernista que as elites culturais tinham para a cidade”, detalha a pesquisadora. Inicialmente instalada na Rua 7 de Abril, na República, a unidade armazenava as coleções literárias da Câmara Municipal.

Em 1942, foi transferida para o seu atual endereço, na Rua da Consolação, após ser impulsionada pela criação do Departamento de Cultura de São Paulo e pela aquisição de acervos históricos. Entre livros, periódicos, mapas e multimeios, o acervo conta com mais de 1,3 milhão de itens atualmente. Segundo Marisa, a Mário de Andrade assume papel central no Sistema Municipal de Bibliotecas e atesta a “reinvenção destes espaços no século XXI, que não são apenas lugar de leitura, mas também de sociabilidade”.

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Na Sala de Obras Raras da Biblioteca da Faculdade de Direito da USP, há edições históricas anteriores ao século XIX (Roberto Setton/Veja SP)

Rodrigo Massi, diretor da BMA, aponta alguns dos destaques da programação mensal: está em cartaz, até 7 de dezembro, a exposição Do Livro ao Museu, que evidencia a relação entre a biblioteca e o Museu de Arte Moderna (MAM), resgatando a contribuição que deram ao movimento modernista brasileiro. Na segunda (20), o espaço promove a inauguração do Kitanda Café, restaurante afro-brasileiro que será comandado pela chef Priscila Novaes. Já nos dias 24, 25 e 26, ocorre o V Festival Mário de Andrade, que reúne 32 tendas de editoras e coletivos literários em uma feira de livros na Praça Dom José Gaspar.

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Novidades também permeiam as celebrações do bicentenário da Biblioteca da Faculdade de Direito da USP, como a construção de um novo edifício anexo de treze andares, com novos ambientes para guarda dos acervos e espaços de estudo. “O objetivo dessa nova estrutura é valorizar a biblioteca como um local de convivência, facilitando a circulação dos estudantes e o acesso às obras”, comenta Maria Lucia Beffa, diretora da instituição. Às vésperas dos 200 anos da faculdade do Largo São Francisco, em 2027, o local resgata sua história em eventos como o lançamento do livro O Espírito de um Tempo de Lutas, do jornalista José Ruy Gandra, realizado na última terça-feira (14). A obra relata a trajetória da turma de 1980, que ingressou em meio ao regime militar e se formou na iminência da redemocratização (leia a entrevista com o autor a seguir). “Eu vejo as bibliotecas ampliarem suas funções”, destaca Marisa. Enquanto revelam-se guardiãs do passado, também apontam para projetos de uma São Paulo futura.

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O público recorre às bibliotecas como espaços de convivência e sociabilidade (Roberto Setton/Veja SP)

Anos de chumbo nas Arcadas – entrevista com José Ruy Gandra

Em meio a relatos de memória e resistência, o livro O Espírito de um Tempo de Lutas, do jornalista e historiador José Ruy Gandra, relembra um momento emblemático do combate estudantil à ditadura militar. Lançado na última terça (14), na Faculdade de Direito da USP, a obra recupera a trajetória da turma de 1980 da instituição — ou “Arcadas”, como é chamada pelos alunos —, que enfrentou o regime militar e lutou em busca de perspectivas democráticas. Sendo o próprio autor um dos membros dessa geração de estudantes, a publicação reúne lembranças pessoais, declarações de contemporâneos e registros históricos para narrar a efervescência política vivida entre 1976 e 1980 — período marcado por desaparecimentos, passeatas, greves e luta pela anistia.

O que o motivou a resgatar a trajetória de luta estudantil da turma de 1980?

Primeiro, porque vivi na São Francisco os anos dourados da minha vida, o esplendor da juventude. E também porque me preocupo com os rumos que nosso país está tomando, com a quantidade de gente que ataca a democracia com extrema facilidade e desprezo. Tendo em vista a proximidade dos 200 anos da faculdade, em 2027, conversei com o Celso Campilongo (diretor da faculdade) sobre como seria oportuno e necessário resgatar a história da turma de 1980. Assim, surgiu a ideia do livro.

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Por que se debruçar sobre esse recorte histórico da ditadura militar?

Muita gente não sabe ou se esquece do que se passou no Brasil durante o regime militar. Essa história foi relembrada recentemente em grandes produções, como o premiado filme Ainda Estou Aqui, mas é sempre importante recordar que teve centenas de mortos e desaparecidos. Com a censura à solta, a mídia, a educação, o poder e os direitos humanos estavam completamente restringidos. Então, é fundamental lembrar das barbáries que vivemos e da luta por um horizonte democrático que travamos justamente para evitar a repetição de momentos históricos semelhantes a esse. A história acaba levando as pessoas a esquecer muitas coisas, mas algumas delas são inegociáveis.

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A capa do novo livro de José Ruy Gandra (José Ruy Gandra/Reprodução)

Que eventos de destaque o leitor encontrará nas páginas do livro?

Um dos momentos mais marcantes é o que aparece na imagem da capa. Nela, estudantes observam o batalhão de choque que cercava o Largo São Francisco e repreendia o movimento estudantil. Foi a primeira passeata que fizemos nas ruas após quase dez anos de ditadura e o clima era de medo constante. Além desse episódio, o livro também resgata outras ocasiões simbólicas, como a Carta aos Brasileiros, lida pelo professor Goffredo da Silva Telles Jr. em repúdio à ditadura militar, em 1977, e o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, que completa cinquenta anos no próximo 25 de outubro.

O que esse trabalho traz de legado às novas gerações de estudantes?

O livro é uma viagem ao passado, mas é principalmente um alerta para o presente. As pessoas não fazem ideia do quanto a vida pode ser pior sem a democracia. O grande perigo que corremos é a falta de memória, ainda mais com um debate público tão marcado por polarizações e fake news, que conduzem a narrativas distorcidas sobre a história. Então, o principal recado que o livro deixa para a atual geração é: sejam vigilantes. Não deixem o ovo da serpente germinar. Quando a coisa começar a tomar um caminho esquisito, enquadrem.

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Qual recado os recentes atentados à democracia nos trazem?

Vejo os ataques de 8 de janeiro de 2023 muito mais como uma balbúrdia gerada pela negativa das Forças Armadas em aderir ao golpe do que uma real tentativa de destruição da democracia. Ainda assim, havia um perigo iminente que só não logrou porque as instituições brasileiras estavam atentas e enquadraram o movimento. Se há uma lição que essa ofensiva nos deixa é o alerta de que a linha dura do militarismo, que foi contra a abertura democrática e poderia ter agravado a ditadura, segue ativa no Brasil. Felizmente, os responsáveis pela recente trama golpista estão como deveriam estar: culpados e condenados. Mas a extrema direita continua querendo avançar sobre as instituições e, ainda que de um modo amorfo, está assumindo visões como as de pessoas que defendiam o regime militar. Mais do que nunca, é preciso estar atento.

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José Ruy Gandra também é autor dos livros “História da Propaganda Criativa no Brasil” e “Coração de Pai” (José Ruy Gandra/Reprodução)

 

Publicado em VEJA São Paulo de 17 de outubro de 2025, edição nº 2966

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