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Arte digital: galeria Leme traz obras certificadas pela tecnologia NFT

A nova tecnologia, que tem criado alvoroço no mundo das artes visuais, estará em exibição a partir deste sábado (29)

Por Tatiane de Assis Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
28 jan 2022, 06h00
Foto de Luiz Braga mostra uma casa a beira de um rio na Amazônia. A casa é vermelha e está cercada por outras.
"Fachada Amazônica #25", de Luiz Braga: um dos trabalhos em exibição. (Luiz Braga/Divulgação)
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Fotos de Luiz Braga e João Angelini, gifs feitos por Gustavo von Ha e Eduardo Kac e vídeos de Zilvinas Kempinas e José Carlos Martinat. Todos esses trabalhos, que serão exibidos deste sábado (29) ao dia 5 na galeria Leme, no Butantã, podem ser bem diferentes entre si. Mas há algo que os une: fazem parte do acervo de obras digitais do estabelecimento e carregam uma nova certificação que tem feito barulho no mundo da arte e ganhado cada vez mais espaço: a NFT.

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Só para se ter uma ideia, o novo braço da galeria voltado para essa produção, surgido em 2021, tem caixa, CNPJ, site e administração separados da área mais, digamos, tradicional do negócio. O setor com obras de “carne e osso” (telas, esculturas, objetos) é administrado pelo galerista Eduardo Leme, 56 anos, e o novo segmento, pelo filho dele, Franco Leme, 24 anos. Outros endereços na capital paulista também têm investido na seara, como as galerias Hoa, Verve e Oma.

O assunto faz barulho. Em março de 2021, o artista americano Michael Joseph Winkelmann, o Beeple, vendeu uma obra com essa certificação, Everyday’s: the First 5 000 Days, por, acredite, 379 milhões de reais (em valores convertidos). Apesar do frisson que tem causado no mercado, essa sigla ainda parece um mistério para muita gente.

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Franco, que é formado em engenharia de produção e migrou para o campo das artes durante a pandemia, se arrisca a explicar o NFT: “De forma bem simples, o nome em si fala de um token que está vinculado a algo que não é fungível. Essa não fungibilidade tem a ver com o que é único”. Em outras palavras, o NFT dá um selo de originalidade a obras digitais, que antes eram reproduzidas sem se pensar muito nesse conceito. Agora, cria-se uma hierarquia: tem mais status — e dinheiro (porque é um investimento também) — quem possui o “arquivo-raiz” de uma imagem, gif ou meme que possa ter viralizado.

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Obra de João Angelini é uma foto que mostra um quadrado flutuando no céu, acima de um deserto.
Obra da série “Tudo que É Sólido”, de João Angelini: também em exibição. (João Angelini/Divulgação)

O próximo passo, talvez, seja você se perguntar: “Como se compram essas obras?”. É necessário abrir uma carteira digital em um site e adquirir criptomoedas para, então, se dirigir a um marketplace de obras de arte com o selo. Internacionalmente, o mais famoso é o americano OpenSea, mas há também o alemão Misa e o nacional Tropix, surgido em 2021.

Mesmo com uma explicação detalhada, alguns ainda diriam: “Se é só um contrato digital, por que tanto alvoroço?”. Uma das razões é que esses trabalhos que circulavam na internet careciam desse “selo” mais parrudo de autenticidade para alavancar essa vertente de produção artística. Antes, a garantia estava restrita a quem conhecia uma galeria com credibilidade ou um artista com renome. Agora, está ao alcance de mais produtores e potenciais colecionadores. Se você cria ou adere a um contrato inteligente (smart contract, outra denominação para o NFT), independente de ser ou não um nome conhecido no circuito tradicional, consegue atestar à clientela a veracidade daquela obra.

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Essa relação entre autenticidade e unicidade também se torna mais complexa. Antes, se você comprava uma tela de Picasso dita original e se aparecesse outra igual que não tinha um selo de veracidade, logo a segunda era dita cópia. No caso da fotografia digital, por exemplo, com certificado em NFT, a coisa muda de figura. É possível exibir a mesma imagem em vários dispositivos ao mesmo tempo. Essa multiplicidade não faz do trabalho que você comprou algo falso, pois a natureza do que foi adquirido, um arquivo, permite que ele seja replicado sem qualquer comprometimento da condição de original. “Ah, mas aí outra pessoa que tem uma cópia pode também dizer que a dela é a exclusiva”, você pode pensar. Sim, essa pessoa pode fazer isso, mas ela não poderá comprovar, já que somente quem tem o contrato em NFT é você. Enfim, com essa tecnologia, a ideia do que é único passa a abarcar o que é replicável no ambiente virtual. E a obra digital passa a ter sua propriedade fetichizada, tal qual acontece com as peças “físicas”.

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Ainda pensando em como essas três letrinhas estimulam a produção digital, Franco, da Leme, traz um case. “Temos agora no nosso braço de NFT uma série do fotógrafo Luiz Braga com cinquenta fachadas, todas únicas. É algo diferente na produção convencional dele. Se fôssemos pensar nessas fotos como ‘obras físicas’, talvez nossa estratégia seria diferente, mais cautelosa. Com NFT, porém, podemos experimentar. E tivemos uma recepção bastante positiva, chegamos a vender algumas para o Japão.”

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Franco Leme, um jovem branco e de cabelos escuros, posa em frente a uma janela da galeria. Ele usa uma camisa branca e raios de sol atingem seu rosto.
Franco Leme: à frente do novo braço da galeria. (Wanezza Soares/Veja SP)

Na Leme, pensando em trabalhos de um mesmo artista, um NFT costuma ter um valor mais atraente do que uma obra tradicional, em alguns casos a redução do custo chega a 30%, a flutuação da criptomoeda também pode afetar essa margem.

Talvez, até esse ponto, você acredite que o certificado esteja ligado exclusivamente à produção artística na internet. Porém, não é bem assim. Como outro tipo de contrato, ele pode valer também para obras físicas e outros bens, como imóveis. “Outro grande trunfo do NFT é estabelecer a lógica de transações futuras. Você pode deixar determinado, por exemplo, que caso uma obra seja revendida, de um colecionador para outro, ainda assim o artista que fez o trabalho ganhe um porcentual. Antes, já havia essa demanda, contudo, como fazer isso ser cumprido em um contrato de papel? Com NFT, não tem erro, porque já está preestabelecido na certificação”, aponta o curador Germano Dushá, outro entusiasta da tecnologia.

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Ele ainda delineia mais possibilidades de uso: “A partir da aquisição de uma obra, você pode também criar uma espécie de comunidade. Foi o caso do Neymar, que comprou um trabalho da coleção de NFT Bored Ape Yacht Club (BAYC). Além da ilustração, que ele colocou em seu perfil no Instagram, ele tem direito a ‘benesses’, como festas privadas, em iates. As possibilidades são infinitas”. E a curiosidade de quem está tentando aprender mais sobre a tecnologia também.

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Publicado em VEJA São Paulo de 2 de fevereiro de 2022, edição nº 2774

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