Discípulos de Antunes Filho falam sobre como foi trabalhar com o encenador
Giulia Gam, Luís Melo e Lee Taylor falam sobre diretor, que estreia <em>Nossa Cidade</em> na próxima sexta
Mestre. Guru. Professor. É com essas palavras que muitos dos atores oriundos do Centro de Pesquisa Teatral, o CPT, se referem ao diretor Antunes Filho, que em dezembro completa 84 anos – 46 destes dedicados ao teatro. No próxima sexta (4), o quase mítico encenador, que chegou a trabalhar com Ziembinski e Décio de Almeida Prado, estreia Nossa Cidade, uma releitura do texto norte-americano que rendeu um prêmio Pulitzer a Thornton Wilder (1897-1975).
Abaixo, depoimentos de alguns atores que passaram pelas mãos de Antunes:
Giulia Gam: “Trabalhar com Antunes Filho foi uma experiência religiosa” – atuou em Romeu e Julieta (1984), atualmente no ar com a novela Sangue Bom
“Foi Marcelo Tas quem me apresentou ao CPT. Ele me disse que um diretor chamado Antunes Filho precisava de uma atriz jovem e inexperiente para viver Julieta numa nova montagem. Tenho muito orgulho e muita honra de ter feito aquele papel. Na época, eu tinha 15 anos de idade e nunca tinha pisado num teatro. Ele achava bonito o meu encantamento com o palco. Eu tinha muito prazer em ficar dez, onze horas ensaiando, sob o olhar atento dele para cada respiração, cada passo, cada palavra. É claro que alguns atores não gostavam muito disso, e brigavam com ele. Lembro quando reclamei do fato de ele ter jogado uma cadeira na direção da Marlene Fortuna e ele retrucou: ‘Fique quieta. Eu sei o que estou fazendo’. Hoje entendo que era uma maneira de ele tentar tirar o melhor de cada ator. Particularmente, não tenho do que reclamar. Sempre tivemos uma relação muito amorosa. Ele é muito importante na minha carreira, mas também na minha vida. Foi ele quem me iniciou no sagrado do teatro. Trabalhar com Antunes foi uma experiência religiosa”.
Marcos Andrade: “Não vejo minha vida artística sem o Antunes” – fez Lamartine Babo (2009) e hoje ensaia para a reestreia de Festa no Covil, em novembro
“Fiz faculdade em Campinas e vinha muito a São Paulo para ir ao teatro. Quando vi Medeia, do CPT, sofri um baque. Trabalhei durante oito anos com Antunes, um período que foi muito bom, mas também duro e difícil. Ele explode, às vezes. O primeiro berro que ele dá é uma espécie de batismo. Ficamos um ano e meio ensaiando A Pedra do Reino, na qual eu não tinha nenhuma fala. Só ficava correndo pelo palco. No oitavo mês de ensaio, já não aguentava mais. Eu me perguntava o que estava fazendo lá dentro. Hoje eu entendo aquela experiência como a mais importante que ocorreu na minha vida artística. Na verdade, eu não consigo enxergá-la sem o Antunes. Fizemos oito peças juntos. Lembro do dia que eu o apresentei a minha mãe e ele disse: ‘não se preocupe, estou cuidando muito bem do seu filho’”.
Marco Antônio Pâmio: “Ele me disse que ser ator é um caminho sem volta” – esteve em Romeu e Julieta (1984); no momento, ensaia novo espetáculo com previsão de estreia para fevereiro de 2014
“Para mim, que vinha do teatro amador, trabalhar com o Antunes foi uma experiência definidora, um divisor de águas. Lembro muito bem do dia em que, depois de vários meses de aula, ele decidiu que eu seria o protagonista de Romeu e Julieta. Naquela época, eu cursava publicidade e dava aulas de inglês. Ele me chamou num cantinho e disse: ‘Se você quiser ser ator, vai precisar largar tudo e se dedicar somente ao teatro. Você vai ter de mergulhar de cabeça. É um caminho sem volta’. Ele estava no auge do seu vigor físico, e às vezes era bastante cruel. Nos impunha uma disciplina quase militar. Mas eu só posso agradecê-lo, pois foi ele que me fez confrontar minha vocação. Ele definiu minha trajetória. Se hoje sou ator, posso dizer que minha escola foi o CPT, e meu mestre, Antunes Filho”.
Luís Melo: “Antunes me mostrou que o teatro não é um terreno baldio” – fez Xica da Silva (1988) e Macbeth – Trono de Sangue (1992); atualmente no ar com a novela Amor à Vida
“Nos dez anos que passei pelo CPT, vi Antunes Filho mudar drasticamente de estética, passando por Romeu e Julieta, Xica da Silva até Paraíso, Zona Norte. Na época em que eu o procurei, ele era a referência de um novo fazer teatral. Com ele, eu passei a ver o trabalho de ator de outra maneira. Ele me mostrou que o teatro não é um terreno baldio. Quando ele não consegue se fazer entender, grita com a sua própria incapacidade de comunicação. É como se ele gritasse consigo mesmo. Todos falam dos berros que ele dá com os atores, mas não comentam sobre a satisfação que ele demonstra quando consegue fazer um aluno chegar a um bom resultado”.
Lee Taylor: “A essência do teatro é a doação” – atuou em A Pedra do Reino (2006) e Triste Fim de Policarpo Quaresma (2010), hoje dirige o Núcleo de Artes Cênicas do Centro de Cultura Judaica
“Trabalhei durante dez anos com Antunes Filho. Nesse tempo, tivemos um diálogo aberto e direto. Era uma relação de confiança e respeito mútuo. Nos últimos anos, ele mudou muito. Mas o rigor, a disciplina e a seriedade que ele exige do ator são as mesmas. A grande lição que ele me deixou é que a doação é a essência do teatro. Ele é um artista único e inquieto que se dedica a revelar o significado espiritual da arte”