Urs Stahel: “Weiwei é uma das maiores personalidades que já conheci”
O curador suíço fala sobre o raciocínio preciso e o jeito surpreendentemente calmo do artista chinês que ganha uma megamostra no MIS
A primeira grande exposição individual no Brasil do artista chinês Ai Weiwei, no MIS, é tão grandiosa quanto as polêmicas que o envolvem. Nem mesmo o curador, o suíço Urs Stahel, sabe dizer com exatidão o número de imagens que fazem parte dela. Ai Weiwei – Interlacing, que acaba neste domingo (14), abrange centenas de fotos, vídeos e textos que o artista produziu entre 1983 e 2011, ano em que foi agredido e ficou preso por três meses pelo governo de seu país. A entrada será gratuita nesta última semana de exposição.
Por que uma produção tão frenética e numerosa? Na opinião de Stahel, pela necessidade de ser visto, lido e ouvido dentro e fora do país mais populoso e rígido do mundo. Há quem entenda isso como estratégia de marketing pessoal ou simples ativismo confundido com arte. Stahel, no entanto, prefere acreditar na idoneidade de Ai Weiwei. “Ele é muito calmo, fala devagar e é muito preciso. Tem uma das maiores personalidades que eu já conheci”, diz Stahel. “Não faz o que faz por puro marketing, como provavelmente era o caso de Warhol [Andy, ícone da pop art]. Ele leva tudo muito a sério, não está aí pra brincadeira. Ai Weiwei só está fazendo o seu trabalho: ele já me disse que acredita que a vida dele talvez seja sua obra-prima.”
O curador acredita que o fato de o artista chinês estar em seu auge tem uma relação direta com os últimos acontecimentos em seu país. “A repressão do regime comunista e as consequências disso na sociedade estão sendo noticiados à exaustão na imprensa internacional. Talvez este seja o fato de Ai Weiwei estar tão em voga”, opina Stahel. “Em cinco anos, o público e a crítica vão olhar novamente para a arte dele e ter provavelmente uma outra percepção. No momento, ele é um artista que luta pela liberdade de expressão.”
Entre as centenas de obras expostas no MIS, Stahel destaca alguns conjuntos que considera mais emblemáticos. O primeiro é a sequência de imagens que Ai Weiwei tirou em Nova York, onde ele morou ainda jovem, de 1983 a 1993. O próprio artista descreveu esta época como “andar com amigos sem objetivo nenhum”. No entanto, desde aquele período, é muito interessante notar o fascínio dele por cenas de repressão policial de ativistas americanos. Imagens que, mais tarde, vão se conectar com a tortura e prisão do próprio Ai Weiwei, em 2011, em registros feitos com o seu próprio celular e divulgados em seu Twitter. Suas constantes críticas ao regime ditador da China o levou à prisão e ao manifesto, principalmente via redes sociais, em todo o mundo.
O segundo conjunto que mais chama a atenção de Stahel são três imagens ampliadas e bastante conhecidas do público, todas realizadas após o Massacre da Paz Celestial, de 1989: aquela sequência em que Ai Weiwei aparece quebrando um vaso da Dinastia Han (que durou de 206 a.C. até 220 d.C), Dropping a Han-Dynasty Urn (Derrubando uma Urna da Dinastia Han), de 1995, a de sua assistente e atual mulher levantando a saia em frente a uma solenidade, June 1994, e a que um soldado aparece “recortado” dos pés à cabeça, 7 Frames, 1994. “Esta imagem é fantástica, porque ele ‘corta’ a autoridade”, diz Stahel. Outro detalhe para o qual ele chama a atenção é um dos sapatos do soldado, que está desamarrado e indica que o poder não é tão perfeito assim.
O último destaque para Stahel é a série Study of Perspectiva (Estudo de Perspectiva), que teve início em 1994, na Praça da Paz Celestial (Tiananmen), e foi até 2010. “Quando conheci o trabalho de Ai Weiwei confesso que isso não me impressionou. Um dedo médio apontado para grandes monumentos-símbolos?”, relembra Stahel. “Mas então, notei que ele faz isso com frequência. Há cerca de 150 imagens como essas [na exposição é mostrada apenas 27 delas]. Ele chama a série de estudo de perspectiva’, o que remete à Renascença, ao gesto que os artistas daquelas épocas costumavam fazer para tal estudo, com a diferença que usavam o dedão para descobrir qual era a distância de onde estavam ao objeto estudado. E ele fotografa o mesmo gesto nos mais diversos locais. De repente, notamos nessa obra um tipo de ‘reorientação’ de Ai Weiwei, em que ele se pergunta ‘quem sou eu?’, ‘onde eu estou?’, reposicionando-se em todo o mundo.”