Corintiano preso em briga de torcida rejeita até verdura
Helder Alves Martins, que assumiu culpa pela morte de garoto boliviano em 2013, é detido em operação de combate à violência no futebol
Os doze corintianos presos por até 156 dias em Oruro, na Bolívia, em 2013, parecem não ter tirado nenhuma lição do episódio. Depois de ganharem a liberdade, vários voltaram a se meter em confusões ligadas ao mundo violento do futebol. Leandro Silva apareceu trocando sopapos com vascaínos no Estádio Mané Garrincha, em Brasília, três anos atrás. Em 2015, Fabio Neves acabou morto, ao lado de sete companheiros, em uma chacina na sede da Pavilhão 9.
Na semana passada, outro membro da tropa, Helder Alves Martins, 20 anos, voltou a ter aborrecimentos sérios com a polícia. Devido a uma briga com palmeirenses nas proximidades do Pacaembu, em 3 de abril, ele está em uma cela no Centro de Detenção Provisória de Pinheiros. No episódio ocorrido em Oruro, Helder assumiu a culpa pelo disparo do morteiro que matou o menino Kevin Spada, 14. Como era menor de idade na época, ele viu o caso ser arquivado, sem sofrer maiores consequências. Agora, se condenado pela encrenca mais recente, pode pegar pena de até dez anos.
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Na manhã do último dia 15, dez policiais civis que participaram da Operação Cartão Vermelho, organizada para combater atos de violência no futebol, chegaram ao apartamento de Helder, no Bom Retiro, por volta das 6 da manhã. O jovem dormia no quarto que divide com a mãe e os irmãos mais novos, de 7 e 13 anos, vestindo uma camiseta da Gaviões da Fiel, torcida da qual é integrante desde 2010. Conduzido para o Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), o rapaz confirmou que realmente estava no confronto no dia do clássico entre Corinthians e Palmeiras. “Fomos atacados, a torcida se defendeu, mas não agredi ninguém”, disse à reportagem de VEJA SÃO PAULO, enquanto aguardava ser encaminhado para a cadeia. “Sou visado por causa da história da Bolívia”, queixou-se. “A Gaviões é tudo para mim”, completou.
No dia do embate entre os grupos rivais, ocorreram distúrbios em várias regiões. Na Estação Brás do metrô, os marginais destruíram um trem e dispararam rojões na plataforma de embarque, o que provocou o pânico dos seguranças e das pessoas. Em São Miguel Paulista, na Zona Leste, um homem de 53 anos, sem ligação alguma com essas gangues, morreu na hora, vítima de uma bala perdida. Naquele mesmo domingo, na região do Pacaembu, 27 torcedores foram levados para delegacias, mas liberados quase em seguida, depois de prestar depoimento e assinar um termo circunstanciado. Na prática, esse papel tem efeito limitado para fins processuais.
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A repercussão dos casos levou a Secretaria da Segurança Pública a endurecer o combate aos bandidos uniformizados. Uma das principais iniciativas envolveu a criação de uma força-tarefa entre o Departamento de Capturas e Delegacias Especializadas (Decade) e a Delegacia de Polícia de Repressão e Análise aos Delitos de Intolerância Esportiva (Drade). Esses órgãos fizeram uma tabelinha com o Ministério Público e a Justiça, realizando uma ação motivada pela denúncia por associação criminosa com fins de atos ilícitos, sobretudo violentos. Esse tipo de enquadramento, pouco usado até agora contra as organizadas, facilita a punição.
Na sexta (15), cerca de 200 policiais foram cumprir 69 mandados, sendo 32 de busca e apreensão e 37 de prisão (26 haviam sido concluídos até quarta, 20). Na ação, que contou com a presença do delegado Osvaldo Nico Gonçalves, do Decade, do promotor Paulo Castilho e do delegado-geral Youssef Chahin e com a supervisão do secretário de Segurança Alexandre de Moraes, quatro sedes de torcidas organizadas foram vasculhadas, como a Gaviões da Fiel e a Pavilhão 9, ambas do Corinthians, e a Mancha Alviverde (capital e Baixada).
Tanto a Gaviões quanto a Pavilhão 9, aqui na metrópole, chegaram a ser lacradas por três dias, devido à falta de alvará de funcionamento. “Na sede da Gaviões, encontramos facas, estiletes e 62 700 reais em dinheiro, sem origem nem destino comprovados”, afirma Nico Gonçalves. Responsável pela defesa da Gaviões, o advogado Davi Gebara Neto alegou que o montante seria usado na compra de ingressos para jogos. Quem teve prisão preventiva decretada terá de aguardar na cadeia o julgamento, caso não consiga habeas-corpus. “Estou empenhado nisso no momento”, diz Gebara Neto.
A Secretaria Estadual da fazenda também está envolvida no caso, verificando irregularidades financeiras das agremiações. Além disso, o estado determinou que os clássicos na capital tenham apenas os fãs do time mandante. Uma das organizadas reagiu a essas ações promovendo uma manifestação no último dia 15, no Vale do Anhangabaú. Na ocasiao, dirigentes da Gaviões da Fiel queixaram-se de sofrer uma retaliação política, já que vinham fazendo protestos contra a máfia da merenda. Um dos personagens centrais do escândalo é o deputado estadual e presidente da Assembleia Legislativa, Fernando Capez, do PSDB, o mesmo partido do governo do estado. A teoria da conspiração perde força quando os especialistas no assunto lembram do enorme histórico de problemas das organizadas. “Eu acompanho as torcidas há dez anos e vejo o terror que elas propagam”, afirma o promotor Paulo Castilho, autor da denúncia atual contra palmeirenres e corintianos.
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Para os torcedores presos, voltar logo aos campos passou a ser uma perspectiva distante. Helder Alves Martins aguardava, na semana passada, nova liberação para falar com a família. Ele ainda espera sua audiência na Justiça, marcada para 23 de maio. Funcionário de uma estamparia na Zona Norte há nove meses, Helder ganha cerca de 1 000 reais por mês. Segundo a família, 30% do que ele recebe reforça o orçamento doméstico. O restante vai para comprar objetos do time e acompanhar os jogos.
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Após o episódio de Oruro, Helder ficou um ano longe da Gaviões e iniciou, graças a uma bolsa de estudos, o curso de automação industrial na Faculdade Drummond. Deixou a escola depois de um semestre, dizendo que não sobrava dinheiro para pagar o transporte até lá. Nascido em uma família de corintianos, sua paixão virou febre na adolescência. Ele chega a rejeitar verduras porque têm a cor do emblema do Palmeiras. As pessoas próximas consideram a idolatria doentia o único defeito do garoto. Ele é descrito como amoroso, educado e sempre disposto a ajudar. “A Gaviões da Fiel foi a pior coisa que aconteceu na vida dele”, disse a VEJA SÃO PAULO, na condição de não ter o nome publicado, a mãe do rapaz.
Fora de jogo
O saldo da ação contra as uniformizadas
26 presos devido a disputas e depredações ocorridas em 3 de abril, no jogo entre Palmeiras e Corinthians
4 sedes vasculhadas: Gaviões da Fiel, Pavilhão 9, ambas do Corinthians, e Mancha Alviverde (na capital e na Baixada). Dessas, duas acabaram lacradas por três dias (a Gaviões e a Pavilhão 9)
62 700 reais foram recolhidos na Gaviões, ao lado de dezenas de facões e estiletes.