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Terapeuta analítico-comportamental e mestre em Neurociências e Comportamento pela USP, Cheixas propõe usar a psicologia na abordagem de temas relevantes sobre a vida na metrópole.
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Judoca Rafaela Silva não venceu o racismo

A conquista do ouro olímpico pela judoca Rafaela Silva, que é negra e cresceu numa favela carioca, despertou várias interpretações associando sua infância pobre com o logro da medalha. A façanha representaria, segundo esta interpretação, uma vitória de Rafaela sobre o racismo mas, infelizmente, não é verdade. Ela não venceu o racismo. + Tuíte publicado […]

Por Tatiana Izquierdo Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 26 fev 2017, 10h53 - Publicado em 10 ago 2016, 20h34
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Rafaela Silva exibe sua medalha de ouro na Olimpíada Rio-2016 (Foto: Reprodução/Twitter)

A conquista do ouro olímpico pela judoca Rafaela Silva, que é negra e cresceu numa favela carioca, despertou várias interpretações associando sua infância pobre com o logro da medalha. A façanha representaria, segundo esta interpretação, uma vitória de Rafaela sobre o racismo mas, infelizmente, não é verdade. Ela não venceu o racismo.

+ Tuíte publicado por Rafaela Silva mostra as voltas que o mundo do esporte dá
+ Dez curiosidades sobre a primeira medalhista brasileira no Rio-2016

Quem não é negro e pobre não sabe o que Rafaela já teve de enfrentar por pertencer a esta população. E, nesse sentido, o que Rafaela sofre não é mais duro do que o que qualquer outro negro sofre. Talvez tenhamos uma vaga ideia se levarmos em conta que, após sua desclassificação na Olimpíada de Londres, ela teve de ler a seu respeito que “lugar de macaco era na jaula”. Mas não podemos entender como é ter de lidar diariamente com o preconceito pela cor da pele nos mais diversos meios.  Preconceito este que oprime e exclui o negro de oportunidades na sociedade.

O fato é que Rafaela construiu sua trajetória ao longo de anos até o ouro olímpico. Ela teve de se esforçar para manter a disciplina de treinamentos. Mas ela não teve de se esforçar como qualquer atleta profissional. Ela teve de se esforçar muito mais do que um atleta de classe média.

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(Foto: Reprodução/Twitter)

+ “Agora sou a Coroa de Ipanema”, diz Helô Pinheiro, a Garota de Ipanema original 
+ Gisele Bündchen brilha na abertura da Olimpíada; relembre momentos marcantes de sua carreira

Imagine um atleta adolescente levado de carro aos treinos por seus pais, um atleta que pode viajar em busca de centros de aprimoramento fora do país, um atleta em cuja mesa nunca faltou alimento, um atleta que, por ser branco, não sofre preconceito, um atleta que nunca foi enquadrado pela polícia. Este atleta tem de se esforçar muito para conquistar um ouro olímpico e, ao fazê-lo, merece todo nosso respeito e toda nossa admiração. Este atleta provavelmente se esforçou ao máximo, deu o melhor de si. Mas esse atleta não é Rafaela Silva que, além de tudo o que um atleta nascido em família de classe média teve de fazer, precisou fazer tudo isso sem ter certeza se haveria dinheiro para o ônibus do dia seguinte, sem poder viajar, racionando equipamentos de treino e tendo de lidar diariamente com o preconceito da sociedade por causa da cor de sua pele.

Agora Rafaela Silva é campeã olímpica. Ela venceu suas adversárias no judô mas, infelizmente, isso não lhe dará a vitória contra o racismo. O racismo continua firme e atuante na sociedade. Rafaela certamente ainda sofrerá ofensas por ser negra, apesar de carregar no peito a medalha olímpica de ouro. O boxeador estadunidense Muhammad Ali viveu exatamente essa experiência após conquistar a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Roma em 1960. Vale a pena conferir seu depoimento:

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+ Os brasileiros já escolheram um atleta olímpico favorito: a ginasta Flavia Saraiva

O frenesi em torno da conquista de Rafaela Silva só mostra o quanto o racismo está vivíssimo na sociedade brasileira. Ao contrário do que apregoam os meritocratas, o ouro de Rafaela só mostra o quanto nossa noção de meritocracia é uma balela… das mais rasas! Nossa meritocracia só se preocupa com a foto da linha de chegada e despreza miseravelmente todo o processo anterior, ignorando que o pobre (e o negro, o índio, o LGBT etc) precisou praticamente abdicar de uma vida minimamente confortável ao longo dos anos para conquistar, depois de muito tempo e esforço, um ouro olímpico, um concurso ou uma empresa de sucesso. Isso deveria ser vergonhoso para a sociedade mas curiosamente nos alegra.

Rafaela Silva cabe bem na representação de Geni (de Chico Buarque): em Londres era maldita Rafaela, hoje é bendita Rafaela e daqui mais alguns dias voltará a ser maldita Rafaela. Ela certamente experimentará o mesmo tipo de tratamento social que Muhammad Ali experimentou depois de conquistar o ouro olímpico em Roma. Parabéns a Rafaela por ter vencido a Olimpíada e que nós, coletivamente, possamos vencer junto com ela o racismo em nossa sociedade.

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