Como me formei massoterapeuta tântrica (e ganhei mais prazer na vida)
Repórter narra como funciona o curso de massagem que promove cura por meio de orgasmos múltiplos
Para você entender a dinâmica de um curso de massagem tântrica, melhor começar explicando do que se trata e como funciona uma sessão. A palavra “tantra” significa tecido, urdidura, expansão do conhecimento. Trata-se de uma escola de filosofia indiana, que propõe integrar corpo, mente, as outras pessoas e a natureza, sem juízos de valores. Os toques despertam os sentidos e ajudam nessa conexão. Por isso, o processo é realizado em um futton no chão, com o paciente completamente nu. Ah, e a pessoa normalmente alcança o orgasmo, melhor, “O” orgasmo, sensação múltipla, bem intensa. Segundo os terapeutas, esse “clímax em versão estendida” pode ajudar a curar síndrome do pânico, depressão e traumas de todo tipo, fora obviamente os problemas sexuais como frigidez, ejaculação precoce, etc…
Ok, você fica sem roupa, é tocado em cada centímetro do seu corpo, goza pra c…. Mas não se trata de sexo ou masturbação. De verdade. “As enfermidades psíquicas são o resultado de uma perturbação da capacidade natural de amar”, escreveu Wilhem Reich, no livro A Função do Orgasmo, publicado pela primeira vez em 1927. O médico, psicanalista e ex-colaborador do Freud (o “papa” da psicanálise, lembrando aqui) traduziu superbem a função terapêutica da massagem tântrica, uma prática milenar.
Mas como é uma massagem tântrica na prática? Bem, primeiro, o terapeuta conversa com a pessoa ou com o casal, para ver se seria o tratamento mais indicado (também para checar se não se trata de um@ tarad@; quem só vai lá para gozar leva “cartão vermelho”). Completamente nua e de banho tomado, a pessoa primeiro se deita de barriga para cima em um futton e fecha os olhos. Mantras indianos tocam como trilha sonora. Com a ponta dos cinco dedos e a leveza de uma pluma, o terapeuta – este, descalço, mas vestido – toca o corpo do interagente que, no vocabulário tântrico, é como se chama quem recebe a massagem.
Esse passeio manual bem lento visita o corpo todo: começa sempre pelos pés para então escalar panturrilhas, coxas, quadris, abdômen, tórax, braços, pescoço, rosto, cabelos, costas, glúteos… Depois de uns quarenta minutos, @ felizad@ já está “viajando”, totalmente entregue, mal consegue pensar, só sentir. Aí, o massagista delicadamente volta a deitar @ cliente de barriga para cima, abre suas pernas e se senta entre elas. Coloca luvas de borracha, muuuito óleo de semente de uva (porque não tem cheiro) e começa então a manusear os órgãos genitais. Daí acontece um p…. orgasmo. Daqueles que às vezes chega até a assustar, achar que vai perder os sentidos e dá até para entender porque os franceses batizaram esse momento glorioso de “la petite mort”. Nas massagens tântricas que fiz, percebo que a sensação dura três músicas… Pelo menos. Algo bem além de uma relação sexual “não-tântrica” (muitos praticantes perdem até a noção de tempo na hora do sexo).
Soube do tantra por causa deste meu querido blog, O Sexo E A Cidade, ao assistir uma palestra de um terapeuta em um dos grupos de mulheres que discutem sexualidade em páginas do Facebook no início de 2017. No começo, achei tudo muito estranho: “como assim, alguém que nem conheço vai me tocar nua, me fazer ‘chegar lá’ e não vou me envolver com esse cidadão?!” rsrsrs Para mim, como para a maioria das mulheres, só era possível ter um orgasmo com alguém que sentisse pelo menos atração (seja um bonitão da academia ou um cara que curta David Lynch rsrs).
Em novembro de 2017, conheci o terapeuta Gilson Nakamura no CI Tantra, em um congresso internacional que ocorreu na Liberdade (nome sugestivo de bairro). Ele falou um monte sobre a responsabilidade dos profissionais, a nossa educação castradora, o potencial desconhecido de evolução do ser humano e isso me deu confiança. Encarei minha primeira massagem com ele em dezembro de 2017. Se senti tesão? Nada! Gozei pra caramba em um ataque de raiva rsrsrs Coloquei um monte de “lixo sentimental” para fora. Tão intenso, levei uma hora para conseguir dirigir de volta para casa, de tão leve que eu estava.
Ainda assim, para mim, era estranho precisar tocar em desconhecidos pelados para aprender a técnica. “E se for um cara que fala ‘nóis vai’? Ou um grosseirão? Ou, meu Deus, um psicopata que me siga e me estupre depois da aula?”, temia. Fiz então outros workshops de tantra. Esses, com todo mundo vestido, sem risco de contatos mais intimistas. Tem uma série com um título cafonérrimo, mas conteúdos incríveis e transformadores: “O Caminho do Amor”. Trata-se de uma espécie de terapia em grupo com meditações dinâmicas (exercícios físicos para desligar a mente e aguçar sentimentos) em que você passa um fim de semana tratando de temas como raiva, medo, traumas de infância… Tem outra com nome de livro de autoajuda (sem preconceitos, ok?): “Raízes e Asas”, também em turma, para ajudar a conviver melhor com qualquer pessoa e abandonar a máxima “o inferno são os outros”.
Foi mais de um ano de vários finais de semana entre “turmas tântricas”, além de sessões de massagens com Nakamura e o especialista Daniel Carletti, até que me senti pronta para encarar o tal curso. (Aliás, se você quiser um dia realizá-lo, recomendo antes seguir essa mesma trilha cursos e sessões antes, porque ajuda a “perder a vergonha” e aproveitar melhor as sensações.) O meu début aconteceu no último fim de semana, em um total de quatorze horas. Eram dez participantes: cinco homens, cinco mulheres e nenhum deles conhecido. Primeiro, Nakamura deu uma palestra, sobre tantra e a massagem. Trata-se de uma terapia, ok, mas a técnica obviamente também pode ser usada para “animar” a vida de qualquer casal (ou de qualquer pessoa que queria impressionar na “hora H”). Para quem curte saber mais sobre os conceitos, tem um trecho de um artigo bem bacana do psicanalista americano Alexander Lowen que o professor citou (já você tem preguiça de teorias? então pule o parágrafo em itálico abaixo):
“Idealizamos tanto o amor que deixamos de dar a devida atenção ao seu relacionamento íntimo e direto com o sexo, principalmente com as nuances erótica e sensual do sexo. Defini o amor como a antecipação do prazer, mas é particularmente o prazer sexual que impele o indivíduo a cair de amores por outra pessoa. Psicologicamente, está envolvida uma entrega do ego ao objeto amado, que passa a ser mais importante para o self do que o ego. A rendição do ego, porém, acarreta um movimento descendente de excitação para a intimidade do abdômen e da pelve. Este fluxo descendente provoca tremores deliciosos e sensações de derretimento. Literalmente, derrete-se de amor. Acontecem as mesmas sensações amorosas quando a excitação sexual da pessoa é elevada e não se restringe à área genital; precede toda descarga orgástica completa.”
Mas vamos à parte prática, que ocorre após uma hora de explicação teórica. Termina a palestra e o professor manda você escolher um parceiro ali, imediatamente, sem poder pensar, eleger o “mais gato” ou bater um papo para verificar se o cidadão fala português correto. Casais fazem juntos, claro. Eu, solteira, achei normal eleger o homem tatuado que estava sentado bem à minha frente. Para começar, ensina-se a massagem “sensitive”, aquela técnica de passar a ponta dos dedos ao longo de todo o corpo da outra pessoa. Mulheres começam fazendo nos homens.
Frente a frente, sentados de pernas cruzadas no tatame, ao som de mantras, passamos um bom tempo nos olhando, criando empatia. “Quando você se sentir à vontade, pode se despir”, diz Nakamura. Meu parceiro obedeceu assim que o mestre terminou a frase e se deitou nu, de barriga para cima. Não sei se foram os mais de dez workshops de tantra (todos, vestida), mas, contrariando meus pesadelos, não quis sumir de vergonha ao ver meu querido desconhecido sem roupa. Ao me posicionar, olhei a sala com os outros participantes, no mesmo exercício. Achei a cena bonita… Um quadro de Amor Universal. A dinâmica leva mais ou menos uma hora. Ao final do exercício, se o cara se sentir à vontade, pode abraçar a parceira. “Tem um sujeito muito bonito despido me abraçando”, pensei no primeiro contato. Mas passou. Em questão de segundos, o erotismo se transformou em fraternidade.
Minha vez de receber a “sensitive” e mesma coisa: sentada, perninha de índio, olho no olho, com uma certa ansiedade, medo e vergonha no início… Sei lá se é um processo hipnótico, saquei meu vestido numa boa assim que o professor falou e deitei com os olhos fechados. Senti liberdade, leveza e disparei uma crise de riso, como uma criança. Ao meu lado, ouvi o choro de uma participante. “Mulheres em São Paulo são mais intensas do que os homens”, disse Nakamura.
Na sequência, ensina-se outras duas técnicas. A mulheres aprendem a massagem “lingam” (pênis em sânscrito, símbolo da energia e potencial de Deus ou do próprio Shiva, a divindade masculina). Os homens, a massagem “yoni” (também palavra em sânscrito que significa fonte de vida, templo sagrado e o órgão sexual feminino). Na tarde de domingo, para finalizar o aprendizado, há uma sessão com a junção da “sensitive” e da “lingam” (as mulheres fazem nos homens)/yoni (o contrário). Primeiro mulheres aplicam nos homens e depois, troca.
Olha, de coração, entre manusear um pênis desconhecido durante uma massagem e escrever sobre essa experiência aqui em VEJA SÃO PAULO, a segunda opção é infinitamente mais difícil e constrangedora. Mas vale a pena abrir meu último domingo aqui para discutir conceitos que a maioria de nós aprende. Dogmas tão sufocantes que, acredito, podem ajudar a formar de neuróticos-infelizes a pervertidos perigosos.
Chega a hora de tocar o membro do meu parceiro que está inicialmente, digamos assim, “em estado de repouso”. Logo nesse primeiro contato visual, antes de encostar minha mão nele, a mente interrompe aos berros:
– Mas querida, como assim?! Enlouqueceu?! Trocou quatro frases com esse cidadão aí e já vai fazê-lo ejacular! Cadê a mulher respeitável que estava aqui?!
Mas então o corpo rebate com toda força:
– Nascemos nus. Homens e mulheres sentem prazer e ejaculam. Você também. É fisiológico. Somos assim. Estamos num curso. Condenável é dançar madrugada adentro na festa pré-Réveillon com aquele seu salto agulha que a deixou manca por mais de uma semana!
No embate, o corpo venceu. Bora lá se jogar no curso tântrico. As manobras no “lingam” são tão técnicas, demandam tanta energia, foco e coordenação que, de novo, não houve espaço para sequer pensar em “sensualizar”. Mas dá um prazer enorme ver seu interagente ejacular (e uma preocupação/frustração quando isso não acontece). “Atingir o ápice ou não, é tudo normal, ocorre sempre o que você precisa, não há culpa aqui”, ensina Nakamura.
Ao receber, tive dois orgasmos, completamente diferentes. Na yoni, veio a raiva de novo. Parecia que ia morrer e não aguentava mais aquela vibração descontrolada. Depois, leveza, fúria evaporada. Mas ao final do curso, no “combo” sensitive + yoni, só alegria: gozo puro, prazer indescritível, muito calor, uma tremenda e deliciosa viagem. De olhos fechados, vi imagens de chuva, me senti no mar, além de aparecer do nada uma cena pra lá de sensual do final do livro/filme O Perfume (não conto para não ter spoiler). Por mim, permaneceria naquele estado até agora. O curso terminou às 18h. Completamente aérea, só consegui ir embora por volta das 22h.
Infelizmente, não vou conseguir ensinar você, leitor@, a fazer uma lingam massagem neste texto … 🙁 Quem quiser “mandar bem no esporte”, tem um monte de vídeo na internet ensinando as manobras. Mas acho legal encarar os cursos. Em pouco mais de um ano, esse negócio me transformou em uma mulher mais calma, consciente, amorosa e até mais bonita, sabe? Tudo bem: dou infinitos likes à minha vida, profissão, família, amigos, medito, passo as noites na academia e me submeto a um tratamento de pele com profissionais extremamente competentes. Mas é o tantra que me deixa mais iluminada por me levar dos “infernos da terra” para os “prazeres do céu”. Recomendo 😉