Servidora faz longos percursos de bike enquanto deveria estar trabalhando, apura Ouvidoria
Alessandra Crusco é lotada no gabinete do deputado federal Gilberto Nascimento, que nega problema
Que tal obter um emprego “dos sonhos”, ganhar 15 898 reais mensais, não precisar bater cartão nem prestar satisfação a superiores? E se em vez de trabalhar ali você pudesse dar expediente na empresa de sua sogra, ficaria melhor? Pois é assim que a jornalista Alessandra Crusco, lotada no gabinete do deputado federal Gilberto Nascimento (PSC- SP) em Brasília, trabalha. Ou melhor, pedala.
Contratada como assessora parlamentar em março de 2019, Crusco tem usado parte dos seus dias úteis de jornada para andar de bicicleta em Itapeva, sul de Minas Gerais, onde a família de seu namorado, André Pinto Nogueira, possui um hotel chamado Ecobike. Na página do estabelecimento no Instagram, o telefone de contato disponível é o celular da assessora-ciclista. Procurada, ela não respondeu aos pedidos de entrevista. O caso está sendo apurado pela Ouvidoria da Câmara dos Deputados, após uma denúncia anônima.
Além de gerir as reservas, Alessandra é a responsável por apresentar a região aos hóspedes. “Hoje tive o prazer de pedalar com a querida Alessandra Crusco, fazendo um bate e volta até Monte Verde, fechando o treino com 95 quilômetros (percorridos)”, postou um seguidor do hotel em 6 de maio, uma quinta-feira. Além disso, muitas das rotas feitas por Crusco — em Minas e em São Paulo — são registradas e compartilhadas no aplicativo Strava, uma rede social voltada aos praticantes do esporte. Vejinha teve acesso a onze dessas postagens, oito das quais realizadas em dias úteis, entre março e maio deste ano. O maior percurso, ocorrido um dia antes do passeio a Monte Verde, foi de 80 quilômetros (confira abaixo mais casos de pedaladas em dias de batente).
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O deputado Gilberto Nascimento afirma que as denúncias não procedem, que Alessandra Crusco, conhecida como Leka, é contratada para trabalhar em São Paulo (e em Minas Gerais?) e pode atuar de forma remota. “O uso de algumas horas, em dias úteis, para o seu atletismo não afetou sua regular jornada de trabalho”, declarou. “No mais, segundo a funcionária, o hotel não existe, pois o local é mero apoio para os ciclistas.”
Porém, as três matrículas do imóvel, comprado em 16 de setembro de 2019 e registrado no cartório de Itapeva, estão em nome de Tquatro Locação de Bens, de propriedade de Clelia Maria Pinto Nogueira, sogra de Alessandra, que deu em troca do espaço dois imóveis comerciais em São Paulo. Além disso, postagens na página do hotel mostram os chalés e os quartos. As diárias para um casal giram em torno de 800 reais e contemplam pensão completa.
Além disso, a reportagem perguntou ao deputado se ela assinou folha de ponto nesses dias de pedaladas em Minas Gerais e solicitou cópias do registro de ponto. Também pediu para saber que tipo de trabalho a funcionária presta ao gabinete. Essas questões não foram respondidas.
Esta não é a primeira vez que o nome de Alessandra é envolvido em denúncias no Legislativo. Em 2014, uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo mostrou que ela era a responsável por reter parte do salário dos funcionários do gabinete do deputado estadual paulista Edmir Chedid (DEM), na prática que ficou conhecida como “rachadinha”. Quatro anos depois, segundo relatório do antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), ela chegou a movimentar em um único dia, em 2011, 140 000 reais em dinheiro vivo no banco da Assembleia paulista (Alesp). O caso até agora não foi judicializado.
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Outro citado na mesma reportagem, o então todo-poderoso André Pinto Nogueira, que passou catorze anos desfrutando cargos de confiança bem remunerados na Alesp, é o atual namorado de Alessandra Crusco. André teve tanto poder na Assembleia que era conhecido internamente como o 95º deputado (são 94 parlamentares). Até continência para ele os policias militares de lá batiam. Em 2019, ele foi preso pela Polícia Federal em uma investigação que apontou desvios milionários no Porto de Santos, mas foi solto dias depois.
De acordo com o deputado Gilberto Nascimento, Alessandra Crusco pediu demissão na última terça-feira (18), “em razão do constrangimento (causado pela publicação da reportagem)”.
Milhagem em duas rodas
> 9 de março, terça-feira: 41 quilômetros; local: São Paulo
> 13 de abril, terça-feira: 24 quilômetros; local: São Paulo
> 28 de abril, quarta-feira: 32 quilômetros; local: Itapeva
> 29 de abril, quinta-feira: 32 quilômetros; local: Itapeva
> 5 de maio, quarta-feira: 80 quilômetros; local: Itapeva
> 6 de maio, quinta-feira: 24 quilômetros; local: Itapeva
A reportagem foi modificada em 22 de maio.
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Publicado em VEJA São Paulo de 26 de maio de 2021, edição nº 2739