Um marquês rico convida um ator famoso à sua casa para encenar um texto de sua autoria, baseado na execução do filósofo grego Sócrates. Aos poucos, ele passa a controlar o intérprete e o submete a um jogo de vida e morte, suscitando uma discussão sobre os limites da maldade humana. Essa história, que se passa em Paris, na década de 20, é o mote de O Veneno do Teatro, peça que chega ao Sesc Santana na próxima sexta (23). O thriller marca o retorno de Osmar Prado, 76, ao teatro, após nove anos longe dos palcos, e promete ser uma das grandes estreias da temporada paulistana.
O espetáculo foi escrito em 1978 pelo dramaturgo espanhol Rodolf Sirera, um dos autores contemporâneos mais importantes da Europa. De lá para cá, foi traduzido para diversos idiomas e encenado em mais de sessenta países. Esta é uma das únicas versões brasileiras do texto — a última estreou em 2011 na capital, sob produção da homônima Cia. Veneno do Teatro.
A ideia para a montagem veio de Maurício Machado, que divide a cena com Prado, vivendo o ator, após assistir a uma versão em Buenos Aires, na Argentina, em 2013. “Na época, a peça já havia passado pelo Paraguai, pelo México e até pelo Japão. Fiquei muito impactado com o que vi e foi uma surpresa quando soube que ela havia sido escrita fazia mais de trinta anos”, conta.
A perenidade do texto é consequência dos temas abordados, que debatem questões humanas como a ética, as máscaras sociais que vestimos diariamente, as relações de poder e o próprio ofício da interpretação. “Apesar de o pano de fundo ser esse encontro, o texto pode ser encenado em qualquer época, em qualquer lugar, que ainda vai gerar identificação no público”, diz o diretor Eduardo Figueiredo, que comanda, junto a Machado, a produtora Manhas & Manias, responsável pelo espetáculo, e o Teatro J. Safra, sala na Barra Funda que completa dez anos em julho.
Para acentuar essa atemporalidade, o encenador não seguiu a recomendação do autor, que situa a trama em 1784, poucos anos antes da Revolução Francesa. “Nos inspiramos na França da década de 20, mas apenas para dar um seguimento à história”, diz. “O espetáculo entremeia genuinamente e genialmente a metáfora da vida e a do teatro”, resume Machado.
Osmar Prado, ator com passagens pelo cinema e por telenovelas da Globo e do SBT, retorna aos palcos em um papel muito diferente do que interpretou em Barbaridade, seu último trabalho no teatro. Se na comédia de Rodrigo Nogueira, que estreou em 2015 no Teatro Sérgio Cardoso, na Bela Vista, ele encarnava um autor contratado para escrever um musical sobre a terceira idade, neste suspense ele precisa personificar um psicopata. “Chamei o Osmar porque precisava de um ator potente. Quem o vê no teatro nunca mais esquece”, define o diretor. Para Maurício, contracenar com o veterano é a realização de um sonho. “Quase fiz uma peça com ele em 1999, mas ele teve de cancelar por causa de uma novela. Osmar é uma fonte de inspiração inesgotável”, opina.
A estreia em São Paulo acontece após duas apresentações em Belo Horizonte, em Minas Gerais, em janeiro, e três em Brasília, no início deste mês. “É um texto complexo, então queríamos sentir a reação do público antes”, diz Figueiredo. A recepção até agora indica que a produção tem grandes chances de sucesso na capital paulista. “Lotamos todas as sessões e tivemos que abrir uma extra em Brasília. Foi incrível, o público ficou hipnotizado, não se ouvia um barulho de bala sendo aberta ou de notificação de celular”, celebra Machado. Depois de São Paulo, o espetáculo se apresenta em Belém, Porto Alegre, Goiânia e no Rio.
O Veneno do Teatro. (70min). 14 anos. Sesc Santana. Avenida Luiz Dumont Villares, 579, Santana, ☎ 2971-8700. ♿ Qui. a sáb., 20h. Dom., 18h. R$ 50,00. Até 24/3. @ovenenodoteatro.
Publicado em VEJA São Paulo de 16 de fevereiro de 2024, edição nº 2880