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“Estou enfrentando meus fantasmas”, diz Renato Borghi, de volta ao Oficina

Ator retorna ao palco que fundou com Zé Celso depois de 50 anos com a peça 'O que Nos Mantém Vivos?'

Por Júlia Rodrigues
Atualizado em 2 out 2023, 21h23 - Publicado em 2 out 2023, 20h55
renato borghi volta oficina o que nos mantém vivos?
Renato Borghi revive Abelardo I, de 'O Rei da Vela' (1967): mais de seis décadas de carreira (Ricardo Boni/Divulgação)
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Aos 86 anos, 65 deles destinados à carreira de ator, Renato Borghi ainda fica ansioso às vésperas da estreia de uma peça. A tensão, porém, ficou maior nos últimos dias. Isso porque, depois de cinquenta anos, ele volta a pisar no palco do Teatro Oficina, companhia que fundou em 1958 com o diretor e dramaturgo Zé Celso Martinez Corrêa, morto em um incêndio no último dia 6 de julho.

A montagem que marca essa data histórica é O que Nos Mantém Vivos?, que estreou na última sexta (29). Trata-se de uma continuação de O que Mantém Um Homem Vivo?, texto encenado por Borghi e pela sua ex-esposa Esther Góes em 1973, logo após a saída do casal do Oficina. “Voltar aqui é uma emoção que não sei definir, porque é muito forte. Eu nasci aqui”, conta Borghi, sentado em uma das poucas cadeiras do local, enquanto observa o cenário ser preparado para a estreia no dia seguinte.

Apesar do amor que mantém pelo grupo e por Zé Celso, que foi seu companheiro de vida e trabalho durante 14 anos, o veterano assume que estava com medo do retorno. “Eu vinha muito aqui para assistir a peças, mas não queria me apresentar. Tem muita história, muita coisa emocional ligada… Na verdade, está sendo muito bom voltar aqui, porque estou enfrentando os meus fantasmas”, ele afirma.

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A saída do Oficina, em 1973, foi motivada por embates teóricos sobre o próprio estilo de teatro da companhia. “A partir de Roda Viva, em 68, o Zé Celso começou a fazer um coro interativo, que vinha para a plateia, sacudia o público, tirava a roupa, algo que nunca tinha acontecido em nenhuma das peças anteriores. Só que eu não gostava daquilo, continuava querendo ser um ator do texto, do personagem”, lembra Borghi.

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A “cisão histórica”, como ele define, não os afastou: “Sempre fomos referência um do outro”. Agora, pouco mais de dois meses após a morte do dramaturgo, o octogenário tenta se conectar com o amigo e ex-esposo. “Tenho assistido muitas entrevistas dele no YouTube e relembrado como realmente ele era um homem muito culto e profundamente ligado ao Brasil, aos nossos problemas. Viajei o mundo todo, vi muita gente, mas nunca encontrei um diretor com a criatividade e a força do Zé Celso. Ainda não me recuperei da morte dele”, diz. 

O que Nos Mantém Vivos? é uma realização do Teatro Promíscuo, trupe fundada por Borghi e Elcio Nogueira Seixas em 1993, junto ao diretor Rogério Tarifa. A peça fez sua primeira temporada em novembro do ano passado no Teatro Anchieta e, desde então, passou pelo Itaú Cultural e pelo Festival Internacional de Rio Preto.

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Na passarela do teatro de Lina Bo Bardi, que teve de ser adaptada para receber a montagem, o trio se junta à atriz Débora Duboc e aos atores-cantores Nath Calan e Cristiano Meirelles em um ato-espetáculo-musical que costura textos do dramaturgo alemão Bertolt Brecht à realidade do país. “Ambas as peças, a atual e a de 1973, procuram abordar temas brasileiros. Na parte de Santa Joana dos Matadouros, por exemplo, tratamos da relação entre explorador e explorado, patrão e empregado. Trocamos o título justamente porque queríamos uma abordagem mais coletiva, que desse conta do povo brasileiro”, explica.

Nem a ansiedade, nem os problemas de saúde causados pela idade — na semana anterior à estreia, inclusive, Borghi teve de ser internado devido a uma crise de diverticulite — limitam o talento e a dedicação do ator. “Se deixar, ele fica passando texto comigo até uma da manhã”, diz o diretor, Rogério Tarifa. Mesmo por vezes sentado em uma cadeira no palco, para onde é levado com a ajuda de colegas do elenco, Renato Borghi demonstra sua potência na interpretação, como na cena inspirada em A Resistível Ascensão de Arturo Ui, na qual ele revive um de seus personagens mais simbólicos, Abelardo I, protagonista de O Rei da Vela (1967), enquanto tira sarro do ditador do título, uma representação do ex-presidente do Brasil Jair Bolsonaro

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