Grupo XIX de Teatro celebra uma década na Vila Maria Zélia com mostra de repertório
Criado em 2002, o Grupo XIX de Teatro fincou sede na Vila Maria Zélia dois anos depois e celebra uma década de atividade no local. Em pleno bairro do Belém, a vila de operários fundada em 1917 e tombada pelo Patrimônio Histórico em 1992 passou a ser um singelo cartão-postal da cidade graças à atividade da companhia dirigida […]
Criado em 2002, o Grupo XIX de Teatro fincou sede na Vila Maria Zélia dois anos depois e celebra uma década de atividade no local. Em pleno bairro do Belém, a vila de operários fundada em 1917 e tombada pelo Patrimônio Histórico em 1992 passou a ser um singelo cartão-postal da cidade graças à atividade da companhia dirigida por Luiz Fernando Marques, o Lubi. Para comemorar a data, o XIX volta com três de seus espetáculos até 16 de março. Hygiene (drama, 2005, 95min, 16 anos, R$ 30,00), cartaz dos sábados, às 16h, recria o cotidiano dos moradores de cortiços da antiga São Paulo. Aos domingos, no mesmo horário, é a vez da obra-prima Hysteria (drama, 2002, 100min, 14 anos, R$ 30,00), que traz à tona a vida de quatro mulheres internadas em um hospício no século XIX. Trabalho do ano passado, Nada Aconteceu, Tudo Acontece, Tudo Está Acontecendo (120min, 16 anos, grátis) ganha a cena no sábado e domingo, às 18h30, para reler livremente a peça Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, sob a direção de Marques e Janaina Leite. Para quem não sabe, o Armazém XIX fica na Rua Mário Costa, 13, entre as ruas Cachoeira e dos Prazeres, no Belenzinho. Bati um papo com o Luiz Fernando Marques, que fala um pouco do grupo e da importância da Vila Maria Zélia nessa trajetória.
São 10 anos na Vila Maria Zélia. Qual é a importância para o grupo de ter uma sede que não representa apenas um espaço físico, mas um espaço de convivência e diálogo com a cidade e sua história?
Nunca chamamos a Vila de sede. Gostamos de dizer que fazemos uma residência artística ali. Brincamos que a Vila Maria Zélia não é uma sede, é uma questão. Estar na Vila é estar em contato direto com duas realidades. Uma é a memória de tudo que aquele lugar representou e representa no que se refere à habitação no Brasil e outra estar em contato com as questões e os dilemas do habitar hoje em dia. A fricção entre estes dois tempos e colocá-los em sobreposição com nossas atividades é o que nos interessa
Como é a manutenção da sede? Vocês estão permanentemente fomentados ou patrocinados?
Não só nossa residência na Vila como a própria existência do grupo está ligada à Lei de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo. Claro que outros editais e atividades nossas colaboram também com essa manutenção. Mas o fato é que o Fomento é fundamental. Quando circulamos pelo Estado e pelo Brasil, nós percebemos a falta que uma lei com esta faz para a manutenção de coletivos de arte. Fico chocado que Estado e União ainda pensem a arte na lógica do evento.
Que novas leituras você acredita que os espetáculos Hygiene e Hysteria têm hoje? De certa forma, eu os vejo até mais atuais que há 10 anos, com outras representações sobre habitação popular ou insanidade. Você concorda com isso?
Sim. Fazer estes espetáculos até hoje, e ainda mais pelas suas características interativas, é um privilégio do ponto de vista artístico e de pesquisa. Existe tanto uma mudança da sociedade e da maneira como estes temas estão postos, como também do ponto de vista mais subjetivo. Fazer uma mesma peça doze anos mais velhos também muda muito para nós. Mas tematicamente parece que as questões ali nas peças levantadas continuam aí pairando, nos assombrando como uma alucinação de olhos abertos.
Assistir a um espetáculo na Vila Maria Zélia colabora para uma vivência, como se costuma dizer no teatro. O que a Vila acrescenta ao processo criativo de vocês?
A imersão é parte fundamental da nossa pesquisa, e sim a Vila Maria Zélia nos ajuda muito neste sentido. Mas aquilo que a Vila tem de mais vibrante, que são seus moradores, seus arredores, suas relações com aquele patrimônio e com aquele entorno, também entra no nosso cotidiano e nos influencia muito.
O fato de o grupo estar longe dos circuitos teatrais afasta também um pouco o público ou torna-se um atrativo a mais para quem procura o trabalho de vocês?
Acreditamos que acontecem as duas coisas, mas percebemos que aqueles que perdem o “medo” da primeira visita acabam por se surpreender e perceber que São Paulo tem cantos e encantos que não conhecemos. Ninguém chega à Vila Maria Zélia e não fica pelo menos curioso. Evidenciamos que o ato de ir ao teatro pode ser muito mais do que ter um programa para o fim de tarde. Pode ser uma oportunidade de ter uma experiência que vai além da arte ali encontrada e transborda para questões da nossa relação com a cidade e com o outro.
Se nunca tivesse sido na Vila Maria Zélia, você imagina como o Grupo XIX seria hoje e se isso teria refletido de forma mais profunda na pesquisa de vocês?
Nossa, essa pergunta é bem difícil de responder! O que é fato é que não caímos na Vila Maria Zélia, chegamos até ela de forma muito orgânica com nossa pesquisa. O espaço sempre foi e é algo muito especial para o grupo. Tanto que nas mais de cem cidades que já nos apresentamos, no Brasil e no Exterior, é como que de certa forma sempre buscássemos a “Vila Maria Zélia” daquela cidade. Mas aqui vale dizer que a Vila e o que nos transformou profundamente nestes anos não foi apenas aquela arquitetura/história. Foram também as pessoas que ali vivem. E aqui, se me permite, faço um agradecimento aos nossos vizinhos mais diretos e em especial à Associação Cultural Vila Maria Zélia, nossa parceira desde a primeira hora até hoje.
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