As dez melhores peças do ano de 2016 em São Paulo
"Amadores", "Sínthia" e "Leite Derramado" foram destaques da cena paulistana
Em um ano em que a ficção precisou se esforçar muito para bater a realidade, o teatro paulistano alcançou grandes momentos, especialmente no segundo semestre. Aqui vai uma seleção das 10 melhores peças apresentadas em São Paulo em 2016.
O espetáculo da Cia. Hiato marcou a radical retomada do diálogo com o público e até uma possível reavaliação da irregular trajetória recente da companhia. Para isso, cinco atores – Aline Filócomo, Fernanda Stefanski, Maria Amélia Farah, Paula Picarelli e Thiago Amaral – dividiram a cena e, muitas vezes, abrem o protagonismo para treze amadores recrutados entre duas centenas por um anúncio de jornal. Em comum, todos carregavam o desejo de participar de uma peça. Teve advogado, dona de casa, estudante, boxeador, professores e um ator pornô.
O dramaturgo, ator e diretor Kiko Marques construiu um denso retrato familiar para falar das mudanças políticas, sociais e comportamentais do Brasil nas últimas cinco décadas. A encenação recorre a poucos elementos cênicos, figurino simples e uma luz contrastante capaz de espelhar quatro diferentes épocas e os sentimentos dos personagens. Em meio ao elenco de oito atores da Velha Companhia, Denise Weinberg surge como atriz convidada com a habitual energia entregue aos seus trabalhos e divide o brilho principalmente com Virgínia Buckowski, oferecendo um expressivo painel da conduta feminina em três tempos.
No auge da maturidade criativa, o encenador Roberto Alvim ousou mexer com ícones incontestáveis — e ofereceu ao público um poderoso espetáculo. Ao adaptar e dirigir Leite Derramado, versão do romance de Chico Buarque publicado em 2009, o artista transforma o protagonista, o centenário Eulálio D’Assumpção (brilhantemente representado pela atriz Juliana Galdino), em um retrato cruel de um Brasil corrupto dos últimos dois séculos.
A grande sensação popular do ano – e não foi à toa. Fabi Bang interpretou a linda, rica e envolvente Glinda, enquanto Myra Ruiz brilhou como a esquisita Elphaba, que nasceu com a pele verde-esmeralda. A amizade da dupla, com direito a rivalidades, desencontros e muitos mal-entendidos, conduz a narrativa que termina por desvendar como uma se transforma em bruxa má e a outra em bruxa boazinha. Uma história infantil contada sob o ponto de vista adulto ou vice-versa. Não interessa. Cada um faz sua leitura e se delicia com um grande espetáculo.
Jô Soares, com a sabedoria dos grandes diretores, prega uma pertinente cilada no respeitável público, ávido por gargalhadas. Escrita pelo inglês Terry Johnson, Histeria é uma divertida comédia, cheia de piadas e situações inesperadas. O psicanalista Sigmund Freud (interpretado por Pedro Paulo Rangel) enfrenta um câncer terminal e anda amedrontado com a perseguição nazista aos judeus. Fixa, então, residência em Londres para enfrentar essa dura fase. A pedido de um amigo, ele interrompe o sossego e recebe o pintor espanhol Salvador Dalí (o ator Cassio Scapin), curioso para estabelecer pontes entre o surrealismo e a mente humana. Erica Montanheiro e Milton Levy completam o entrosado elenco.
Ao lado do elenco da Academia de Palhaços, o diretor José Roberto Jardim construiu um espetáculo provocativo na mensagem e encantador no visual. No centro da cena, um cubo recebe projeções frenéticas. Dentro dele, Lala e Pupa (vividas por Laíza Dantas e Paula Hemsi), artistas circenses em fim de carreira, reencontram-se depois de anos afastadas. A rivalidade se intensifica com a chegada de Poci (papel de Rodrigo Pocidônio), outro velho colega de olho no cargo. E tudo parece Samuel Beckett.
Ai, Laila Garin… Dirigida por Rafael Gomes, a atriz e cantora reafirma o impacto da tragédia escrita por Chico Buarque e Paulo Pontes, equilibrando a vingança amorosa e os contornos sociais. Adaptada e dirigida por Rafael Gomes, a atual versão mostra que a trama — inspirada no mito de Medeia — resiste ao tempo, assim como as canções de Chico.
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“Na Selva das Cidades – Em Obras, Ocupação#3”
No centro da montagem da Mundana Companhia, o virtuoso George Garga (interpretado por Lee Taylor) vê sua família se corromper com base em um jogo proposto pelo capitalista Shlink (representado por Aury Porto). A namorada (papel de Luiza Lemmertz) vira prostituta, a irmã (a atriz Luah Guimarãez) se apaixona pelo vilão, enquanto seus pais (os atores João Bresser e Carol Badra) são facilmente seduzidos pelo dinheiro. O resultado dessa versão do texto de Brecht é louvável e mostra um exemplo de dramaturgia que enriquece a encenação e as interpretações graças a uma apurada pesquisa e ao trabalho de direção de Cibele Forjaz.
Prestes a completar seis décadas de carreira, o ator Renato Borghi transformou seu apartamento, na Alameda Santos, em um espaço cênico. Dirigida por Isabel Teixeira, a versão da tragicomédia de Samuel Beckett foi apresentada para trinta espectadores na sala de visitas do imóvel. A trama, ambientada em uma trincheira pós-apocalíptica, traz o velho Hamm (interpretado por Borghi), cego, paralítico e dependente dos cuidados e da atenção de Clov (papel de Elcio Nogueira Seixas).
“A Próxima Estação – Um Espetáculo para Ler”
Cacá Carvalho radicalizou em uma antiencenação e comprova que da extrema simplicidade pode ser extraída uma obra de arte. O ator se posiciona atrás de um púlpito e começa simplesmente a ler o texto do também diretor Michele Santeramo, Só a projeção das poéticas ilustrações de Cristina Gardumi servem de cenário para uma história de amor que atravessa cinco décadas de cumplicidade e caos.
+ Leia entrevista com Cacá Carvalho.
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