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Veterinários da capital cada vez mais prescrevem Cannabis para pets

Os profissionais aproveitam limbo na regulamentação e receitam óleo extraído da planta para tratar cães e gatos

Por Gabriela Amorim, Guilherme Queiroz
11 jun 2021, 06h00
cachorrinho da pomerânia sorridente e folhas de maconha maconha sativa, botão de flor e óleo de CBD em frasco conta-gotas de vidro, mesa de madeira
Cannabis veterinária: animais podem se beneficiar do uso (Monica Click/Getty Images)
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Epilepsia, câncer e controle de dores crônicas: dentro do receituário médico humano, doenças comuns para o uso de derivados da Cannabis. Agora, entre cães e gatos, a utilização do óleo extraído da maconha ganha força. Mas, diferentemente do caso dos humanos, em que a regulamentação avança, para o universo das quatro patas não existe uma regra específica por parte dos órgãos que fiscalizam a medicina veterinária. Enquanto ninguém toma lado, os animais tomam gotas.

O cachorro Tommy, da raça shih tzu, teve sua primeira crise convulsiva com 1 ano. Iniciou o tratamento com comprimidos de Gardenal, mas passou meses sem apetite e com indisposição. O cãozinho iniciou o uso do óleo de Cannabis, voltou a brincar e retomou o apetite. “No começo eu tinha preconceito, quando se fala em maconha, você já pensa em coisas erradas”, diz a tutora Karen Priscila Silva, 29, recepcionista. No caso da enfermeira Alessandra Medeiros, 38, o problema foi em dose dupla. O gato Anakim, 6 anos, teve uma infecção na bexiga e não melhorava com medicações convencionais, até o uso de gotas do óleo. A fêmea Gaya, 5 anos, teve o quadro de insuficiência renal crônica amenizado: voltou a se alimentar e brincar depois do início do tratamento.

“Chegamos a um ponto em que achamos que não teríamos outra solução, até tentarmos esse recurso terapêutico”, conta Alessandra. “A maioria dos pacientes que atendo é para o controle de dor. Mas também existe prescrição para problemas comportamentais, dermatológicos, epilepsia, entre outros”, afirma a veterinária Carolina Gazzoni, que acompanha cerca de trinta pacientes que fazem uso do óleo de forma contínua em Indianópolis, Zona Sul. “Dependendo do quadro, escolhemos um óleo com maior teor de THC ou CBD (compostos encontrados na planta).

Contam fatores como idade, peso, comorbidades, e varia de paciente para paciente”, diz. “Sempre começamos com concentração baixa, para ir aumentando gradualmente”, explica a veterinária Carolina Lomovtov, que atende em consultório no Pacaembu. O professor Erik Amazonas, responsável pela disciplina de endocanabinologia no curso de veterinária da Universidade Federal de Santa Catarina, afirma que o uso do medicamento deve ser acompanhado por um profissional habilitado.

Entre as consequências de uma má administração, estão efeitos como falta de coordenação para caminhar, diarreia e tontura. A administração indiscriminada, sem o acompanhamento e o conhecimento da procedência do produto, é perigosa. “Podem ter óleos de Cannabis diluídos em semente de uva, e a uva é extremamente tóxica para cães e gatos”, explica. “Existem milhares de trabalhos científicos sobre o tema. Podemos falar sem medo em benefícios anti-inflamatórios, contra dor, convulsões e câncer”, relata Amazonas.

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O preço do medicamento varia, podendo ficar entre 250 a 600 reais, dependendo do tipo. Uma das ferramentas para a obtenção são as associações com autorização de plantio de maconha para a produção do produto para uso humano, mas que acabam fornecendo também para tutores de animais, mediante a apresentação da receita do veterinário. “Indicamos as que mais confiamos para os nossos pacientes”, explica Fábio Mercante de San Juan, uma das referências no assunto. Desde 2019, ele organiza o principal curso voltado para a prescrição do óleo de Cannabis. “Só eu já formei quase 1 000 alunos, falamos sobre o sistema endocanabinoide e as particularidades de cães, gatos e silvestres”, diz o veterinário morador do Mandaqui, que também atende pacientes e conta com quase 40 000 seguidores no Instagram @dr.petcannabisoficial.

Foto mostra uma mulher loira sorrindo e mostrando um brinquedo para um gato branco
Alessandra Medeiros e a gata Gaya: tratamento com óleo de Cannabis (Elayne Massaini/Divulgação)

“Estamos no famoso limbo da regulamentação, mas continuo prescrevendo, pois a melhora é evidente”, diz Lia Nasi, especialista em felinos e pós-graduanda em Cannabis medicinal, que atende em domicílio, em especial na Zona Sul e na região central. “A legislação em vigor não prevê a possibilidade de prescrição de canabinoides para uso em animais, assim como não prevê a importação para uso veterinário”, diz o técnico do Conselho Regional de Medicina Veterinária de São Paulo Leonardo Soares. Ele também ressalta artigos do código de ética da profissão: “É vedado ao veterinário prescrever medicamentos sem registro no órgão competente”.

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Procurado, o Ministério da Agricultura, responsável pelo registro e pela fiscalização de produtos veterinários, afirma que “atualmente, não há demanda para registro de produtos contendo canabidiol em sua formulação. A empresa interessada deverá solicitar o registro e apresentar testes que comprovem a eficácia”. Dentro desse cenário, as advogadas Ana Beatriz Martins e Erika Dantas, do escritório paulistano Dantas e Martins, dão suporte para clientes que se arriscam no campo.

“Quando o tratamento é feito com evidências científicas e outras opções foram exploradas, entendemos que existe uma possibilidade de defesa muito grande se, por acaso, o veterinário for questionado na esfera ética”, diz Ana. “Não é legalizado, então a gente fala para os clientes usarem um termo de consentimento, deixando o tutor do animal ciente”, explica. “O próprio código de ética menciona que o médico deve buscar o melhor para evitar dor e sofrimento do paciente”, afirma Erika.

Enquanto não existem respostas definitivas, um projeto de lei que regulamentaria de vez o uso da Cannabis medicinal, inclusive em animais, tramita no Congresso. “A lei nunca está na frente das situações, ela sempre vem depois. É normal, quando é novidade, a gente estar em um limbo jurídico”, finaliza Ana.

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Publicado em VEJA São Paulo de 16 de junho de 2021, edição nº 2742

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