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Uniforme contra vírus e hora do abraço são novidades da volta às aulas

Escolas ensaiam retorno às classes presenciais e planejam novos protocolos em meio a medo de pais e evasão de alunos mais pobres

Por Sérgio Quintella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Juliene Moretti Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Guilherme Queiroz
Atualizado em 13 jul 2020, 14h02 - Publicado em 10 jul 2020, 06h00
Desinfecção em escola na Europa: novo normal
Desinfecção em escola na Europa: novo normal (Martin-DM/Getty Images/Divulgação)
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Quando as escolas fecharam as portas de uma semana para a outra, em março, a grande preocupação de pais, alunos e educadores foi com a execução e a qualidade das aulas remotas. Passados quase quatro meses, as dúvidas continuam intensas, mas vão em outra direção: o retorno das atividades presenciais, marcado para 8 de setembro, segundo cronograma estipulado pela Secretaria Estadual da Educação, é seguro? “Eu estou pirando e ficando paranoica. Será que vai ter espaço entre as carteiras, como vai ser o recreio? Por mim, meus filhos ficavam com roupa de astronauta o dia todo”, diz a administradora de empresas Érika Braga, mãe de dois meninos, de 8 e 10 anos, que estudam em uma escola particular paulistana.

“Estou paranoica. Será que vai ter espaço entre as carteiras, como vai ser o recreio? Por mim, meus filhos ficavam com roupa de astronauta o dia todo”, afirma a administradora Érika Braga

Na rede privada, o tempo até a retomada é suficiente para que medidas sanitárias e pedagógicas sejam adaptadas, e os colégios trabalham para tentar segurar a ansiedade de pais e alunos. Na escola britânica St. Paul’s, que possui 1 100 alunos e mensalidades em torno de 8 000 reais, a utilização de barreiras físicas entre estudantes nas salas de aula, como ocorre em países asiáticos, não está descartada. “Todos os protocolos de distanciamento social serão respeitados e, onde possível, ampliados. Isso inclui o uso de barreiras físicas”, afirma James Diver, vice-diretor da St. Paul’s.

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Aulas pós-quarentena
Crianças sem máscara na escola primária Blanche, em Paris (Divulgação/Divulgação)

Outra medida para deixar pais de alunos mais tranquilos prevê a utilização de tecnologia. Na Aubrick, no Campo Belo, os 650 estudantes poderão utilizar uma camiseta que promete 100% de proteção contra bactérias e vírus. Fabricado pela Rhodia, o tecido (poliamida), chamado de Amni® Virus-Bac OFF e no qual foram feitos testes de eficácia independentes, segundo a empresa, possui efeito permanente. “Se encostar a roupa em local contaminado e a criança passar essa parte no rosto, vai acabar se contaminando. Como o tecido elimina o vírus, a minha preocupação, como mãe, é um pouco menor”, afirma a empresária Patrícia Marques, que fabricará as camisetas para a Aubrick e pretende fechar parcerias com outras escolas. Cada peça, de manga comprida, custará a partir de 105 reais.

Escola Estadual Caetano de Campos
Escola Caetano de Campos, no centro: porcentual de entrega das atividades on-line é de 54% (Dorncke/Divulgação)
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No Colégio Santo Américo, no Morumbi e com mensalidades em torno de 5 000 reais, a ideia é reaproveitar os espaços fechados que não eram usados como salas de aula. Protocolo montado pelo Hospital Sírio-Libanês vai determinar quantos alunos poderão ocupar cada local. Ali, a maior preocupação será com os cerca de 200 estudantes da educação infantil. “O display para álcool em gel, com acionamento no pé, tem a forma do boneco Bentinho (mascote da instituição). Precisamos fazer uma readaptação de forma acolhedora”, prevê a coordenadora pedagógica Sandra Ferraro. Outra preocupação é com os pais. “Haverá espaço para que eles possam ficar esperando as crianças na adaptação.”

35% da capacidade do colégio é o que será permitido reabrir em um primeiro momento no estado

No Humboldt, em Interlagos (2 000 reais de mensalidade), a atenção especial também será com as crianças menores, com menos discernimento da situação. “Estamos desenvolvendo atividades lúdicas que valorizem o uso de máscara. Será algo natural, não obrigado. Vamos estabelecer a hora do abraço ao amiguinho. Depois todo mundo lava as mãos e usa álcool em gel”, diz o diretor Fábio Martinez.

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Laura Laganá
(Gastão Guedes/Divulgação/Veja SP)
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“Aqui, os primeiros a retornar às aulas serão os pequenos da educação infantil e os grandes do 3º ano do médio”, afirma Valdenice Minatel, diretora do Dante Alighieri, nos Jardins, que possui 4 600 alunos. Na primeira etapa, as escolas públicas e particulares só poderão reabrir as portas com 35% de sua capacidade. À medida que os índices epidemiológicos vão melhorando, o porcentual aumenta. Para que todos possam se adaptar aos poucos, haverá rodízios. “Estamos pensando em abrir turmas no contraturno. Posso ter 35% dos alunos de manhã e outros 35% à tarde. Precisamos pensar fora da caixa.”

Capa Aulas Pós-Covid

Especialistas apontam que o caminho é conversar abertamente com a criançada. “É importante explicar a situação do vírus. Lembrar por que a escola parou e que estamos em uma nova fase, consequência da anterior. Está melhorando, mas ainda requer cuidados”, diz Ana Paula Torresan, coordenadora pedagógica da Camino School (tíquete médio de 5 000 reais) e mãe de três crianças. O diálogo também foi a base do entendimento na família da advogada Karina Rossetti. Mãe de quatro filhos (3, 7, 12 e 14 anos) no Colégio Mater Amabilis, em Guarulhos, ela sente confiança de mandar para as aulas apenas os maiores. “Vou manter os menores em casa até o fim do ano. E como a escola nos deixou à vontade para decidir pelo retorno dos alunos, conversei com os maiores. Eles preferiram não voltar com as aulas presenciais em setembro, pois não verão todos os amigos da sala de uma vez. Vão se manter no virtual.”

Não é sempre que a conversa é levada numa boa, seja em casa, seja na convivência com a escola. “Nos estudos on-line, tem pais que interrompem as aulas para questionar ou dizer que não concordam com a explicação dada pelo professor”, conta João Carlos Martins, diretor do Colégio Renascença, na Barra Funda, com mensalidades a partir de 2 000 reais. “A gente até pede que eles interajam, mas não interfiram.” No Camino School, na Vila Romana, as interferências também são desaconselhadas. “Alguns pais ficavam ao lado dos filhos e percebíamos que faziam a lição deles. Tivemos de conversar e pedir que confiassem na gente e nas crianças”, relata a diretora Letícia Lyle.

Hora de Ir Para a Escola
(Veja SP/Veja SP)
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Outra preocupação é com o rito de passagem dos estudantes maiores, como a esperada viagem de formatura. “Todos os anos promovemos uma viagem a um acampamento. Os alunos ficam aguardando pelo passeio o ano todo”, diz, com tristeza, Debora Vaz, diretora pedagógica do Colégio Santa Cruz. “Mas podemos comemorar depois, o ritual de finalização para eles virá mais cedo ou mais tarde.”

46% dos alunos do colégio Caetano de Campos não entregaram as lições para fazer em casa

Ao passo que as escolas particulares vão dando conta das aulas on-line e planejam um retorno gradativo, a realidade em muitas instituições públicas paulistanas é diferente. Fundado em 1846, o colégio estadual Caetano de Campos, em frente à Praça Roosevelt, no centro, precisa conter a evasão de parte de seus 1 000 alunos. “O porcentual de entrega das atividades on-line é de 54%. É pouco? É, mas tem escola com índices ainda menores”, afirma o diretor Tiago Pereira. Na rede estadual, as aulas remotas, que começaram em 27 de abril, são disponibilizadas por aplicativos e pelos canais digitais da TV Univesp e TV Educação. Quem não tem condições pode buscar na escola o material impresso. “No retorno das aulas, a turma que não está entregando o material impresso ou digital, por falta de acesso, poderá fazê-lo”. Do outro lado da cidade, na Freguesia do Ó, o diretor Osmar Carvalho, da Escola Estadual Milton Rodrigues da Silva mantém um sorriso de orelha a orelha. “Dos nossos 360 alunos, todos estão entregando os materiais didáticos. Em alguns casos, é verdade, precisamos ir até a casa do aluno entregar os cadernos”, afirma. “Também fazemos trabalhos com estudantes desmotivados. Todos os diretores passam pelos mesmos problemas.”

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Ana Paula, coordenadora da Camino Schoo
Ana Paula, coordenadora da Camino School e mãe de três: abertura para falar sobre a pandemia (Rogério Pallata/Divulgação)
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No Instituto Paula Souza, com 310 000 alunos nas escolas e faculdades técnicas (Etecs e Fatecs), 20% dos alunos não se adaptaram ao ensino remoto. “Criamos mais de 100 000 salas de aula digitais, com apresentações síncronas (ao vivo)”, diz Laura Laganá, diretora superintendente. “Para os que não estão conseguindo acompanhar, compramos 25 000 chips de internet. Mas, caso queiram, os alunos poderão refazer o semestre depois.”

Em outros estados, a retomada das aulas segue o mesmo padrão gradual de São Paulo. No Paraná, que tem 1 milhão de alunos na rede estadual (a estadual paulista tem 3,4 milhões), a ocupação prevista em uma primeira etapa, na segunda quinzena de agosto, deverá ser um pouco maior, de 50%. Lá, ao contrário daqui, a evasão é menor. “Oitenta por cento dos nossos alunos estão usando o Google Classroom (sistema que cria e gerencia conteúdo escolar)”, diz Gláucio Dias, diretor-geral da Secretaria Estadual da Educação paranaense. Na Paraíba, onde 53% dos 253 000 alunos estão matriculados em período integral, haverá um revezamento de turnos. Em Mato Grosso, a preocupação se assemelha com a de São Paulo. “Muitos estudantes ficaram sem aula presencial e foram trabalhar no mercado informal. Quando as atividades voltarem, negociar o retorno deles é algo complexo”, diz o superintendente da Secretaria de Estado de Educação sul-mato-grossense, Hélio Daher.

Pelo mundo afora, a retomada das atividades educacionais segue padrões diferentes. Na França, as aulas voltaram para os menores do ensino básico, mas não nos lycées (comparáveis com nosso ensino médio), que ainda contam com restrições. Por lá, o uso de máscaras entre alunos é recomendado somente a partir dos 11 anos. Na Coreia do Sul, o “abre e fecha” é constante. Após o retorno, em 13 de maio, mais de 500 escolas foram fechadas semanas depois, após o reaparecimento dos casos de Covid-19. No Chile, não há prazo para o retorno, com exceção da remota Ilha de Páscoa.

A VOLTA NAS UNIVERSIDADES

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Das três instituições públicas paulistas, USP e Unicamp vão priorizar aulas remotas

O retorno das aulas presenciais nas três universidades estaduais de São Paulo (USP, Unesp e Unicamp) ocorrerá de acordo com o que cada instituição determinar. Na USP, tanto a graduação quanto a pós-graduação continuarão no sistema remoto, a partir de 17 de agosto. As férias por lá começam em 18 de julho. As aulas e atividades práticas deste ano serão repostas entre janeiro e março de 2021. “Nossa premissa básica está fundamentada na proteção e na preservação da saúde de nossa comunidade universitária”, afirmou o reitor Vahan Agopyan, durante uma videoconferência que determinou a medida. Na Unicamp, as aulas não presenciais também deverão reinar por lá. “Não temos ideia da evolução da pandemia. Vamos pensar em atividades presenciais apenas para quem está para se formar ou para quem precisa de aula prática”, prevê o reitor Marcelo Knobel. Na Unesp, o protocolo de 35% de presença a partir de setembro será seguido, com foco nos formandos. “E se tiver espaço para os ingressantes, vamos abrir as turmas”, afirma o professor Sandro Roberto Valentini, reitor da instituição.

A Imagem mostra uma vista aérea da USP
Vista aérea da USP: aula presencial só em 2021 (Bruno Niz/Divulgação)

“PODEMOS UNIFICAR OS CICLOS DE 2020 E 2021”

Rossieli Soares, secretário estadual da Educação, afirma que a junção dos dois anos letivos pode ser a saída para evitar aprovação em massa

Um retorno regionalizado não seria mais eficaz? E se nem todas as regiões estiverem aptas a voltar em setembro?

É necessário que seja assim. Há uma grande circulação de pessoas entre as cidades paulistas. Estamos falando de um contingente de 12 milhões de estudantes e 1 milhão de professores. Mas em setembro esse protocolo poderá ser revisto.

O que poderá mudar?

Quando paramos, em março, paramos todos, públicos e privados. Mas, se no dia 8 de setembro a rede estadual não estiver pronta, a privada poderá retornar antes. Nesse caso, não será preciso esperar mais. Os colégios particulares dizem que estão prontos para retornar em agosto. Não é verdade que todas as escolas particulares estarão prontas no mês que vem. O discurso parte das escolas ricas do centro, de excelência. As da periferia não estão preparadas.

Rossieli Soares
(Veja SP/Veja SP)

Uma escola grande, mas com poucos alunos, poderá retornar com mais de 35% dos alunos na primeira fase?

Não vai poder. O retorno gradativo é realizado no mundo todo. Há escolas estaduais em que mais da metade dos alunos não consegue acompanhar as aulas on-line na quarentena. A meu ver temos um número positivo. Antes da pandemia as aulas remotas eram zero. Tivemos de nos reorganizar, formar professores. Mas eu reconheço: tem gente que não se adaptou por falta de equipamentos. Dos 3,4 milhões de alunos da rede estadual, 800 000 terão de passar por uma recuperação.

E se não der tempo, esses estudantes serão reprovados?

Não. Todos poderão entregar as lições depois. Os nossos alunos passarão por avaliações diagnósticas. Saberemos como cada estudante está e todos poderão se recuperar. Para isso também criamos o 4º ano do ensino médio.

Então eles serão aprovados?

Também não. Estamos estudando uma possível organização de ciclos. Muita gente confunde isso com aprovação automática. Os ciclos podem ser organizados por semestre, por um ano ou um conjunto de anos. Agora em julho apresentaremos as propostas e ouviremos a comunidade estudantil.

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 15 de julho de 2020, edição nº 2695. 

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