Tentou. Argumentou muito com a mulher antes de ser vencido e concordar com a compra de um novo apartamento.
Dizia que aquele em que viviam estava bom, só dez anos de uso, bastava pintar. E ouvia:
– Bom? Bom? Esse elevador é um inferno, você mesmo diz. As janelas vazam água a cada temporal! O vizinho de cima sofre de insônia ruidosa. Só temos garagem para um carro. Não tem depósito no subsolo, a casa vive cheia de trecos inúteis.
Não adiantou argumentar que só tinham um carro, para que duas garagens, que não via trecos inúteis pela casa, a taxa de condomínio era confortável, tinha pavor de dívidas. Ouvia que os juros estavam baixos, podiam ir pagando durante a construção e quando o novo apartamento ficasse pronto venderiam o atual para quitar a dívida, não ficariam devendo nada, quase nada.
Por pouco não saiu do sério quando ela disse que o apartamento pretendido tinha uma varanda gourmet, 3,30 por 5,20 metros, que o sonho dela era ter uma varanda gourmet.
– Varanda gourmet? Para quê? Você não faz comida no lugar certo, que é a cozinha, vai fazer na varanda?
– Deixa de ser tonto! Varanda gourmet é para homem. Você está na idade e no status em que o homem não apenas aprecia comer com os amigos, mas faz a comida para os amigos.
A mulher tinha um jeito de dar ênfase a uma palavra, entre pausas, como se a colocasse numa moldura. Ele resistiu quanto pôde. Mas homem pode pouca coisa quando argumenta com mulher. Elas sabem que em questões domésticas o homem toma posição por impulso, não é uma decisão pensada. A posição dele só tem força no momento do impulso, e elas sabem derrubar o homem na curva decrescente da força. Outros chamariam de vencer por cansaço. Imbatíveis.
Com a sagacidade das mulheres ela percebera que ele vinha prestando mais atenção às páginas de gastronomia das revistas e jornais; o controle remoto da televisão ficava menos saltitante em suas mãos quando aparecia a preparação de um prato; ele olhava, de passagem, apetrechos e utensílios nas lojas de cozinha, só olhava. Faltava um empurrão. Ela deu. Mulheres.
No ano e meio em que o prédio foi terminado, ele se interessou por carnes, cortes, fogo, tempo, temperos, reuniões, comentários, vinhos. Na inauguração, convidou dois casais para um churrasco noturno. Coman-dou a grelha, de lá de dentro só vieram a salada de batatas e as folhas verdes. Acharam tudo ótimo, o espaço, a vista, as carnes; ele se apaixonou pela varanda gourmet.
Vieram outros churrascos, diurnos e noturnos; variavam os acompanhamentos e os amigos, sempre um casal ou dois. Apesar disso, começou a achar limitado o cardápio. Que fazer, se tinha na varanda apenas a grelha a carvão? Revezou com peixes, crustáceos e legumes grelhados. Daí a pouco quis mais.
A ida a uma loja de última geração ampliou as possibilidades da varanda. Um minifogão elétrico digital de vidro temperado, pouco maior do que um dicionário Aurélio, ideal para o espaço, possibilitou acompanhamentos de risotos e massas, que só ousou oferecer depois de aplicada aprendizagem. Empenhou-se também nas harmonizações com bebidas.
O inverno inspirou suflês, sopas, pães quentes. Na mesma loja foi buscar um forno elétrico leve, design dinamarquês, jogo perfeito com o fogão. Os próprios amigos passaram a desafiá-lo: que tal uma paella?
Está procurando uma grande frigideira para a paella, no seu caso com cabo, de profundidade média, diâmetro certo para a grelha a carvão. O melhor da história: o filho, que andava perdido em baladas e noites inquietantes, está indo junto. Estimulado pelo sucesso culinário do pai, decidiu-se: vai fazer faculdade de gastronomia.