Um ator precisa estar bem seguro para tentar reproduzir, inclusive fisicamente, um personagem real. Muitos tentam, mas, quando o espectador bate o olho, o que vê no palco raramente se aproxima da imagem do biografado. Premiada com o Shell carioca de melhor atriz, Beth Goulart consegue esse espelhamento em ‘Simplesmente Eu, Clarice Lispector’. Escrito e dirigido pela protagonista, o monólogo supervisionado por Amir Haddad busca um retrato extremamente pessoal da escritora e amplia a comunicabilidade pela despretensão de não exigir da plateia referências sobre sua vida ou obra.
Em meio a depoimentos que lançam pistas sobre a figura contraditória de Clarice Lispector (1920-1977), Beth traz quatro mulheres de sua ficção. São elas: Joana, do romance ‘Perto do Coração Selvagem’; Ana, do conto ‘Amor’; Lóri, do romance ‘Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres’; e outra sem nome, do conto ‘Perdoando Deus’. Para interpretá-las, a atriz larga o cigarro, muda a entonação (abandonando o sotaque que simula a língua presa da autora) e altera pequenos detalhes do figurino. Embora a dramaturgia não se aprofunde na conturbada introspecção de Clarice, a montagem passa longe da superficialidade e muitos vão imaginá-la em cena. Mas o mérito maior de Beth é apresentar com brilhantismo e humildade a escritora e, assim, desvendar parte da sua enigmática figura até para quem nunca abriu um de seus livros.
AVALIAÇÃO ✪✪✪