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Ruas à venda? Entenda lei aprovada por Nunes e criticada por urbanistas

Autorização para venda de travessa da Alameda Lorena gera mobilização dos moradores do bairro e preocupações quanto ao futuro do traçado urbano de São Paulo

Por Laura Pereira Lima
15 out 2025, 16h29 •
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Travessa na Alameda Lorena: objeto de disputa (Leo Martins/Veja SP)
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  • Duas ruas da capital poderão ser vendidas para a iniciativa privada, após a sanção pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), na última segunda (6), da Lei nº 18.316, que lhes tiram o status de bens comuns. Uma delas em especial, a Travessa Engenheiro Antônio de Souza Barros Júnior, no Jardim Paulista, tem gerado polêmica por supostas motivações particulares na mudança.

    A via de 675 metros quadrados liga a Alameda Lorena a uma vila de casas, todas compradas pela incorporadora Helbor, que construirá no local um condomínio residencial de alto padrão e é a principal interessada no negócio — procurada pela reportagem, a empresa não quis se pronunciar sobre o assunto. A outra atingida pela lei foi a Rua Aurora Dias de Carvalho, na Vila Olímpia.

    “Todos os casos que sancionamos foi porque existe interesse público, não há nada que seja prejudicial às pessoas”, afirmou o prefeito Ricardo Nunes durante a coletiva de imprensa realizada na segunda (6). Sobre a travessa da Alameda Lorena, o prefeito reforçou: “O empreendedor adquiriu todos os imóveis, então a viela hoje não tem nenhuma utilidade, porque ela existia para fazer o acesso às residências”.

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    A posição de Nunes quanto à utilidade é questionada por especialistas em planejamento urbano. Para o urbanista Valter Caldana, a relevância das ruas vai muito além do seu papel no trânsito. “O traçado urbano é o que faz a identidade de uma cidade. Ele faz parte da nossa história”, afirma o professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Ao transformá-la em um lote para ser incorporado a um empreendimento privado, a via perde sua função, o que descaracteriza a região, segundo o pesquisador. “Essas ruas sem saída também são um espaço de convivência”, concorda Débora Ungaretti, doutora em Planejamento Urbano, citando festas infantis e comemorações de bairro que costumam acontecer em áreas desse tipo.

    A advogada Célia Marcondes, membro da Sociedade dos Amigos, Moradores e Empreendedores do Bairro de Cerqueira César, aponta que a descaracterização para construção de grandes empreendimentos privados não é um fenômeno novo. “Estão vendendo São Paulo, nossas ruas, nossas casas. E é lamentável que a população não possa opinar”, conta a fundadora da associação, que afirma não ter sido consultada sobre a mudança.

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    Célia Marcondes: luta pela preservação do bairro (Leo Martins/Veja SP)

    Dúvidas sobre a intenção da venda

    O procedimento foi feito de acordo com a lei, é importante dizer, mas há espaço para questionamento sobre as motivações da venda, segundo Mariana Chiesa, presidente da Comissão de Direito Urbanístico da OAB SP. “O que justifica uma atuação do poder público é o interesse da coletividade. Nesse caso, parece que o que motivou foi a intenção prévia de uma construtora específica, para melhorar seu projeto imobiliário”, aponta a advogada, citando o empreendimento da Helbor.

    Há, inclusive, um inquérito aberto que “apura ofensa à legislação urbanística em benefício de incorporadoras privadas”, segundo o Ministério Público de São Paulo, que foi solicitado por Célia Marcondes e pela associação de moradores do bairro Cerqueira César.

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    Como precificar uma rua?

    Segundo o prefeito Ricardo Nunes, a previsão é de que a rua seja vendida por 25 milhões de reais, cerca de 39 000 reais por metro quadrado. O preço médio do metro quadrado na região é de R$ 12 163, de acordo com um relatório elaborado pela QuintoAndar neste segundo trimestre de 2025. “Quando a prefeitura vende um equipamento público, estipulam o preço com base nos imóveis parecidos com aquele, na mesma região. Como você mensura imóveis parecidos com o preço de uma rua?”, indaga Ungaretti. Valter Caldana questiona, ainda, a destinação dos recursos da venda. “A cidade não está precisando desesperadamente desse dinheiro. E a gente não sabe para que isso vai ser usado”.

    Disputa com o Governo Estadual

    A mesma travessa já era cobiçada pelo Governo do Estado de São Paulo, em estudos preliminares, para receber um acesso da futura estação Nove de Julho, da Cidade Linha 16-Violeta do metrô. Na coletiva de imprensa, o prefeito Ricardo Nunes afirmou que a incorporadora tinha conhecimento desses planos, disponíveis de forma pública, e que optou por adquirir os imóveis apesar do risco. Isto é, se o metrô tiver interesse em adquirir a área, a Helbor terá que vendê-la pelo preço de mercado.

    Tendência para o futuro

    Além das vias nos Jardins e na Vila Olímpia, outras quatro áreas em diferentes ruas da cidade foram desincorporadas da classe de bens públicos: na Rua Keia Nakamura, em Colônia, na Avenida Cônego José Salomon, em Pirituba, na Rua Luís Pereira Rebouças, em Anhanguera, além de um lote na esquina da Avenida Brigadeiro Faria Lima com a Avenida Juscelino Kubitschek.

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    Segundo os especialistas consultados, a lei aprovada abre precedente para a comercialização de outras vias públicas. “Se há uma pré-disposição da prefeitura em fazer vendas como essa, outras incorporações vão seguir esse caminho. Se em algum momento a gestão municipal achar que alguma rua não deve ser vendida, terá que argumentar o que a diferencia de outras que foram”, alerta Débora Ungaretti.

    Em nota enviada à Vejinha, a Prefeitura reforçou que, após autorizada, a alienação de bens públicos ainda depende de uma verificação do interesse público e avaliações de impactos urbanos. “A eventual alienação é um instrumento legal e constitucionalmente previsto para a gestão eficiente dos recursos municipais”, afirma o documento. “Essa discussão, que começa com um embriãozinho de 600 m², na verdade é uma discussão importante para a morfologia urbana do século XXI”, aponta Valter Caldana.

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