Queda de árvores durante o verão é 81% maior do que em outros períodos
Para o botânico Ricardo Cardim número expressa descaso da prefeitura com a manutenção do patrimônio verde
É fevereiro, e a fórmula para o clima na capital é certa: termômetros beirando os 30 graus e muita chuva. O resultado da equação não é novidade: enchentes, congestionamentos, falta de luz e o aumento da queda de árvores. É durante os meses mais quentes (e chuvosos) do ano que o patrimônio verde tem suas maiores baixas. No ano passado, em janeiro, fevereiro e março, houve 3 208 quedas, contra 1 770 no total dos outros nove meses do ano — ou 81% a mais. E é assim ano após ano. Em 2018, foram 811 em janeiro, e em meses como julho, 87. Mas a culpa é só das águas? “A principal causa é a falta histórica de manutenção da arborização urbana”, afirma o botânico Ricardo Cardim.
Segundo ele, as chuvas apenas põem à prova a falta de cuidado da prefeitura com o verde. “São três os principais problemas”, explica. Um deles: “Projetos que enchem a área ao redor do tronco de concreto, o que leva ao estrangulamento da raiz e posterior queda”. Fenômeno observável em qualquer bairro, ainda mais quando chove e o tal quadradinho encharca, apodrecendo a base. Outro ponto, de acordo com Cardim, é o desconhecimento da prefeitura das espécies que habitam as vias. “Temos árvores plantadas pela população que são de madeira frágil, compradas em supermercado.” Mas a vilã número 1, segundo ele, é a poda dos grandes galhos das árvores. A medida virou regra e muitas vezes não é a melhor solução. “A cicatrização da parte que restou é dificultada, ela acaba conta- minada por fungos e adoece.”
A situação, para o botânico, deve se agravar com a atualização da lei que regula a poda na cidade, aprovada em janeiro. Agora os paulistanos podem contratar uma empresa para o corte. Um técnico particular faz um laudo sobre a situação da árvore e, mediante aprovação da prefeitura, o aval para o serviço é dado. “Acho um equívoco. A arborização é essencial para a saúde do cidadão, então os cuidados não teriam de ser liberados para terceiros. Quem deve tomar conta é o poder público. Meu receio é que isso agilize as podas desnecessárias, supérfluas, e gere uma indústria da poda.”
“Há 651 000 árvores na cidade. Existe, sim, uma insuficiência técnica em relação a isso (fiscalização)”, afirma o secretário adjunto do Verde e do Meio Ambiente, Ricardo Viegas. “Tínhamos 60 000 pedidos de poda em janeiro de 2019.” Com a ampliação das equipes que atendem aos chamados, o número caiu. “Estamos atualmente com 14 000 solicitações.” Diferentemente de Cardim, ele acredita que a privatização de parte do serviço será benéfica. “Antes o prazo para a execução era de 180 dias. Hoje, a empresa enviando o laudo, cai para dez dias.”
Em 2017, foram 113 000 reais para os serviços de zeladoria verde na cidade. O valor mais que dobrou em 2019: 238 000 reais. No entanto, mais do que de aumento de verba, o setor precisa de modernização. “Temos métodos de trabalho de trinta anos atrás”, concorda o secretário. De acordo com Viegas, a prefeitura de São Paulo está construindo um plano de arborização mais eficiente, com investimento em scanners que fornecem informações precisas sobre a saúde dos espécimes. É o caminho para seguir modelos como Londres, Nova York e Paris, que fazem mapas detalhados sobre a arborização urbana. Modelos, segundo Cardim, eficientes. “É preciso realizar um investimento proporcional ao desafio de arborização da metrópole.”
Eu não consigo respirar!
A sequência de fotos feitas pelo designer Luciano Santelli demonstra bem um dos problemas apontados por Ricardo Cardim na cidade. O morador de Pinheiros alertou a administração de um condomínio próximo de sua casa para o fato de que a construção de um “murinho” ao redor do caule não era uma boa alternativa. “Os cachorros estavam urinando nas árvores, fizeram a mureta alta e enterraram parte do tronco.” Foi o fim do espécime. “Publiquei no Facebook e disseram que a árvore cairia em dois anos.” Não demorou tanto. Três meses depois, ela tombou e atingiu um veículo na rua. “Não era um dia de chuva nem estava ventando”, ele se recorda.
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 12 de fevereiro de 2020, edição nº 2673.