Entenda o impasse judicial sobre corridas de moto entre a prefeitura e as empresas
Regulamentação do transporte de passageiros por moto vira cabo de guerra entre poder público e os aplicativos de mobilidade

Nas últimas duas semanas, os moradores da capital paulista experimentaram um serviço que opera em 3 300 cidades do país: os moto apps (ou transporte de passageiros por moto). As corridas via aplicativo com motociclistas foram anunciadas no último dia 14 pela 99 e, em seguida, pela Uber.
Com o anúncio, a manicure Claudia Aparecida, 35, residente em Embu das Artes, passou a utilizar o serviço para ir ao trabalho em um salão no Brooklin. “Usava todo dia para ir e voltar. São 15 quilômetros que antes fazia em uma hora e meia e agora faço em 30 minutos”, conta.
Segundo a 99, a maior parte dos usuários (58%) dos moto apps são mulheres e moradoras de periferias. “Optamos por lançar fora do centro expandido observando a tendência nas outras cidades. A intenção também foi avaliar a recepção do serviço e as dinâmicas do trânsito para depois ampliar”, explica Bruno Rossini, diretor de comunicação da companhia, que realizou mais de 200 000 corridas desde o lançamento.

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A novidade, no entanto, sofreu críticas imediatas da gestão municipal, que notificou a 99 através do Comitê de Uso do Viário (CMUV) logo após a liberação do serviço. Na notificação, a prefeitura citou o Decreto 62.144, de 2023, que suspendeu os serviços de transporte remunerado de passageiros em motocicletas via aplicativo.
O decreto, porém, é questionado pelas empresas, que se apoiam em duas diretrizes do arcabouço jurídico: o Plano Nacional de Mobilidade Urbana, que estabelece as normas sobre o tema no Brasil, de 2012, e a Lei 13.640, que o modifica, conferindo aos municípios a competência exclusiva de regulamentar e fiscalizar o transporte privado de passageiros, e não de proibi-lo.
Como a notificação do município não tinha valor jurídico, o serviço continuou sendo prestado na cidade, mesmo com a realização de blitzes que apreenderam mais de 300 motos utilizadas na locomoção dos clientes. O motociclista Fernando Lourenço, 43, teve a moto apreendida no dia 20 e, com auxílio jurídico da plataforma 99, conseguiu uma liminar liberando-o para o trabalho. Outros dois ganharam ações de mandado de segurança contra apreensões.
Fernando seguiu realizando corridas até esta segunda- feira (27), quando a 7ª Câmara do Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu suspender a operação, acatando uma ação civil pública movida pela prefeitura de São Paulo. “Recebi a notificação do aplicativo e tive que passar o dia sem trabalhar. Fica muito difícil, porque eu preciso ganhar dinheiro, minha filha vai nascer agora no final de fevereiro”, conta o motorista.
A nova decisão, embora rejeite o pedido do prefeito Ricardo Nunes (MDB) de aplicar multa diária no valor de 1 milhão de reais às empresas operadoras e estabelecer crime de desobediência — o que será julgado no mérito da ação, etapa final do processo judicial — levou a 99 e a Uber a suspenderem a oferta.
Em entrevista concedida a uma emissora de TV na terça (28), o prefeito agradeceu a decisão do TJSP e falou sobre os números de mortes, sinistros e óbitos de motociclistas na cidade, que motivaram a aplicação do decreto de 2023 e as movimentações contra as empresas. Nunes chegou a afirmar que temia uma “carnificina” por conta do aumento em 20% do número de acidentes fatais com motocicletas no último ano, segundo dados do Detran.
Essas mortes representaram 37% do total dos óbitos no trânsito. “Ressaltamos que tivemos 403 óbitos só de acidentes de motos em 2023, número que saltou para 483 em 2024. Portanto, é algo em que precisamos agir com muita seriedade. Temos esse grande desafio, de garantir para os motociclistas a oportunidade de trabalhar, mas não com uma atividade que coloque em risco a vida dele e do passageiro”, disse o chefe do poder municipal.
A gestão obteve apoio do Sindicato dos Mensageiros, Motociclistas, Ciclistas e Mototaxistas de São Paulo (SindimotoSP), que entrou como parte interessada na ação civil. “Não apoiamos o serviço da maneira que as empresas insistem em implementar. Elas não respeitam a Lei 12.009, que regulamenta a atividade. No requisito trabalhis-tá, eles negam o vínculo, então fica no ar: os motociclistas são subordinados a quem? De quem é a responsabilidade em caso de acidente ou óbito?”, questiona Gilberto Almeida dos Santos, presidente do SindimotoSP.

Em contrapartida, a 99 afirma que possui mais de cinquenta ferramentas de segurança, exige critérios para os motoristas parceiros em consonância com a legislação e que as corridas são totalmente cobertas por seguro.
Agora, a dupla de empresas do segmento afirma que vai entrar com uma ação para reverter a suspensão judicial.
Confira as principais decisões da regulamentação

Publicado em VEJA São Paulo de 31 de janeiro de 2025, edição n° 2929