Desenvolvimento urbano: novo Plano Diretor de São Paulo em debate
Convenção do Secovi-SP discute fatores que influenciam no crescimento da cidade, como ações de retrofit e mudanças na legislação
Empresas do ramo imobiliário e autoridades do poder público se reuniram na 20ª Convenção do Secovi-SP, nos dias 19, 21 e 22 de agosto, na Vila Clementino, Zona Sul, para debater as principais tendências e oportunidades de negócios do setor, passando por assuntos como a inclusão social, ESG, inovação, legislação e cenário político e econômico da capital paulista.
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A reportagem acompanhou o evento na tarde do dia 22 de agosto. O desenvolvimento urbano de São Paulo foi destaque das conversas, levando em conta fatores como o Plano Diretor, a Lei de Zoneamento e as ações de retrofit.
EM DEBATE: PLANO DIRETOR E LEI DE ZONEAMENTO
Uma das mesas de discussão do dia, mediada por Ricardo Yazbek, vice-presidente de assuntos legislativos e urbanismo metropolitano do Secovi-SP, detalhou as mudanças no Plano Diretor Estratégico e o esboço da nova Lei de Zoneamento, com um balanço de ambos. “A revisão do Plano Diretor e da Lei de Zoneamento é uma história de esperança e desalento”, diz uma das convidadas da mesa, Heloisa Proença, arquiteta e urbanista e ex-secretária municipal de Urbanismo e Licenciamento de Sâo Paulo. “No Plano Diretor de 2014 foram inseridos uma série de conceitos inovadores do bom urbanismo, e acendeu a esperança de São Paulo se aproximar de uma legislação mais amigável, menos excludente, mais justa… Aí vem a lei de zoneamento de 2016, que começa a cercear tudo que tinha sido inovado em 2014”, opina Heloisa.
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Outro ponto discutido no debate foi a ampliação do incentivo ao adensamento em áreas com boa infraestrutura urbana (os chamados Eixos de Transformação Urbana). O objetivo da proposta é aumentar a concentração populacional nessas áreas — que contam com variedade de serviços e alta oferta de transporte público — e promover a diversidade, permitindo que pessoas de diferentes classes sociais possam usufruir desses equipamentos.
“Incentivar o adensamento nos Eixos foi bem sucedido. O conceito aplicado está absolutamente aderente a tudo que vem sendo praticado de mais moderno no mundo. O processo revisional acertou em reconhecer isso e ampliar a regra”, comenta José Police Neto, subsecretário estadual de Desenvolvimento Urbano de São Paulo. No entanto, ele reconhece que a meta de levar a população de rendas mais baixas para essas regiões da cidade é um processo ainda em construção. “Tem uma questão muito significativa sobre a inclusão da diversidade social. A gente conseguiu? Um pouco, sim. Pode conseguir mais? Pode”, finaliza.
Ricardo Yazbek e Cláudio Bernardes (vice-presidente do Secovi-SP), destacaram de forma positiva no debate os incentivos para a produção de habitação popular na capital. “A cidade deve mudar a face nesse segmento, tendo em vista a magnitude dos incentivos que estão ali”, prevê Yazbek, avaliando as mudanças aprovadas na revisão do Plano Diretor.
EM DEBATE: RETROFIT
O clima de otimismo também é visto em empresários convidados do evento que estão investindo no Centro de São Paulo há anos. Em outra mesa de debate, chamada de “Retrofit e o ‘Centro’ das atenções”, mediada pela jornalista Marianne Wenzel, os participantes analisaram o potencial de desenvolvimento da região histórica da cidade, que é alvo de ações de retrofit, nome dado para as restaurações de prédios antigos que preservam arquitetura original.
Mediadora da conversa, Marianne dividiu uma história pessoal: ela teve que deixar o primeiro apartamento em que morou nos Jardins depois de sair da casa dos pais porque o prédio passaria por um retrofit e viraria um hotel anos depois. Apesar de sofrer com a perda do lar que amava, ela relata que viu com bons olhos aquela joia da arquitetura sendo aproveitada por tantas outras pessoas — inclusive por ela mesma quando quisesse.
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Participante do debate, o arquiteto e secretário adjunto da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento, José Armênio, destacou na mesa o que aprendeu com o mestre da escola de arquitetura paulistana, Vilanova Artigas: “O patrimônio é trabalho. Recuperar o patrimônio é recuperar o trabalho que foi feito e ressignificá-lo. Não só o trabalho do arquiteto, mas o trabalho da sociedade, que se empenhou em construir aquilo”. Armênio ainda explica como a requalificação do espaço é também o resgate de ideais: “O projeto de sociedade que o Centro coloca é mais aberto e democrático, de convivência do diferente”, conclui.
Mauro Teixeira, sócio-diretor da TPA Empreendimentos, atua na região central desde 2007 com edifícios novos e retrofits e foi um dos convidados. “Há vontade política do governador e do prefeito e uma vontade da sociedade para que o Centro se desenvolva”, afirma. Ainda que otimista, ele avalia com cautela os investimentos em retrofit. Um critério impeditivo, na visão do empreendedor, são os edifícios localizados nos chamados calçadões do Centro, com circulação exclusiva de pedestres. “É muito perigoso, não dá pra chegar à noite na sua casa. No meu entendimento, a solução são as ruas compartilhadas. Existem inúmeros casos no mundo em que a prefeitura estabeleceu regras para compartilhamento da via entre carros e pedestres”, conta Ricardo. José Armênio, da prefeitura, sinalizou que a gestão municipal está reformando os calçadões do Centro com tecnologia que suporta a passagem de carros e viabiliza as ruas compartilhadas, mas o assunto precisaria ser discutido judicialmente.
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Outro convidado, Marcelo Falcão, arquiteto e fundador da incorporadora Somauma, afirma que a transformação de bairros também começa pela presença de profissionais que ele chama de “criativos” (áreas como moda, arquitetura, design e artes visuais). “Quando você olha a transformação urbana nos grandes centros no mundo afora, ela começa pelos criativos. Isso já está acontecendo nos Campos Elíseos, na Vila Buarque, Santa Cecília, Barra Funda”, conta o arquiteto.
Nos últimos dois anos, Falcão inseriu um de seus projetos de retrofit, o Edifício Virgínia, na República, no circuito de eventos de arte e design, realizando exposições sobre o prédio durante a Design Weekend, a DW, que rolou em março deste ano na capital. “Ainda não sabemos se a ação vai influenciar nas vendas porque ainda não lançamos o projeto, mas já mensuramos um aumento significativo de interessados. Hoje temos sete vezes mais cadastrados do que temos de unidades (para o projeto)”, conta Falcão. O Virgínia tem apartamentos de 26 a 180 metros quadrados.
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Por fim, Vivian Barbour, pesquisadora, urbanista e advogada da Somauma, destaca a quantidade de prédios ociosos no Centro como um sinal de grande potencial de desenvolvimento. Um relatório sobre a aplicação do Plano Diretor de 2014, entregue em dezembro de 2020, registrou 1 800 imóveis ociosos situados em áreas bem localizadas. “É necessário realizar uma mudança de mentalidade sobre como a gente vê o desenvolvimento da cidade. Falamos de potencial construtivo, mas a gente esquece do pré-existente”, defende Vivian.