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Pequenas vaidades

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 19h45 - Publicado em 18 set 2009, 20h18

Há vaidades quase imperceptíveis, disfarçadas no meio de uma conversa. Um exemplo. A pessoa diz para o grupinho de amigas que pede sua opinião sobre uma personagem: “Eu não vejo novela”. Pode parecer uma simples declaração, como se a pessoa estivesse apenas explicando por que não está em condições de opinar sobre o que lhe foi perguntado, mas lá no fundo, dependendo do tom, ela se coloca numa posição de “eu não perco meu tempo com isso”, ou “eu sou uma pessoa mais exigente”, ou “meu nível é outro”. Se fosse falar às claras, diria: há uma diferença entre mim e vocês.

Vaidade, tudo é vaidade.

Curioso é que há vaidade para baixo e para cima. O que irmana as duas é a maneira sutil de jactar-se, que a própria pessoa às vezes nem percebe.

O vaidoso para baixo conta vantagem ao contrário, diz com secreto orgulho: “Eu não tenho celular”. Diminuindo-se? Não, afirmando-se: eu não sou teleguiado, não sou amarrado, sou mais livre. Parece que não tem celular contra as pessoas que têm. E às vezes completa: “Detesto”, meio explicando que não é por pobreza ou pão-durismo. O vaidoso para baixo é como o falso humilde. Ele diz: “Verduras, frutas e legumes eu compro na feira”. Dando uma de pobre? Não, insinuando que compra melhor do que o outro, e se diverte mais, conhece melhor o povão, reduz o stress do supermercado. Alguns chegam a dizer: “Nasci pobre, já passei fome”. Para se diminuir? Não, para insinuar que hoje está onde está por esforço e mérito. Falsos humildes.

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Os vaidosos para cima contam vantagem procurando transparecer que não estão contando vantagem, apenas fornecendo um dado pessoal interessante: “Celular é vital para o meu trabalho, este aqui é de última geração”; “Não foi mérito meu, nasci rico”; “Conheço metade do mundo”.

Talvez a característica principal da arrogância inconsciente embutida na conversa seja a diminuição do interlocutor e de quem age como ele. Quando a pessoa recusa um cigarro dizendo “Não, obrigado. Eu não fumo”, em vez de apenas dizer “Não, obrigado”, ou quando agradece e acrescenta eu não tomo álcool, não bebo refrigerante, não como doce, não vejo televisão – tudo com uma sutil inflexão no verbo, está indiretamente apontando uma fraqueza da outra pessoa, colocando-se acima. A intenção escondida é desqualificar o fraco, mesmo sem intenção: eu não sou como você.

Aquele que deixou de fumar, por exemplo, com que mal disfarçada superioridade se compara ao dependente que não está conseguindo parar: “Eu larguei de fumar assim. Falei: não fumo mais. Joguei o maço fora e parei até hoje, faz trinta anos que não boto um cigarro na boca”.

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Vaidade, diz o sábio bíblico, tudo é vaidade, ilusão.

Seria bom que após o Carnaval das vaidades, na Quaresma das penitências, a gente esquecesse a vanglória de não ter estudado e no entanto ter chegado a ser presidente, a fatuidade de falar várias línguas enquanto o outro se gaba de não falar inglês, a presunção de beber bem para caramba ou de ser melhor do que alguém porque não bebe, de acordar cedíssimo (“às 5 horas estou de pé”), ou de ser difícil de acordar, de conhecer Alguém, de ter subido sozinho, de saber mandar, de não saber mandar, de ter letra bonita, de ter letra ilegível, de ter lido mais, de dar voltinhas no copo na hora de provar um vinho, de não fazer dívidas, de cultivar alguma fragilidade tipo medo de altura (como se não ter algum medo fizesse do outro um ser pobre de fragilidades), de não levar desaforo para casa, de dirigir bem quando se é apenas rápido, de ter uma memória fantástica, de esquecer tudo, de ser um “otimista incurável”, de achar melhor o seu jeito de fazer uma coisa.

Se eu ainda fosse um penitente, ia fazer a velha cruz de cinza na testa para me lembrar dessas coisas.

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