Parque Dom Pedro II sofre com sujeira, degradação e insegurança
Abandono da área bem localizada e histórica persiste mesmo após investimentos públicos milionários nos últimos trinta anos
A poucos metros de pontos famosos de São Paulo, a exemplo do Mercado Municipal e da fervida Rua 25 de Março, o Parque Dom Pedro II tinha tudo para ser uma importante rota de turismo e lazer. Bem servido de transporte público, o lugar é vizinho do terminal de ônibus mais movimentado da cidade, de estação de metrô e do Expresso Tiradentes, concluído em 2007 ao custo de 2,3 bilhões de reais, em valores atualizados.
Pela região passam diariamente cerca de 400 000 pessoas, que são impactadas pelo cenário geral de abandono e sujeira, prédios caindo aos pedaços e um batalhão de camelôs. A novidade mais recente por ali, ocorrida em meados de fevereiro, foi a interdição de parte do Expresso Tiradentes depois de o concreto afundar 20 centímetros. O tráfego no sentido centro do viaduto ficará fechado até o próximo semestre.
O quadro se torna mais alarmante porque, nos últimos vinte anos, a estimativa de investimentos no pedaço foi de quase 500 milhões de reais. Entre as maiores gastanças estão os 80 milhões de reais desembolsados pelo governo do estado na Casa das Retortas, na Rua da Figueira, cotada para receber diversos museus que nunca saíram do papel.
As obras do imóvel, vazio há quinze anos, foram pausadas em 2014, após a retirada de parte dos resíduos tóxicos detectados no solo. O terreno também sofre com infestação de ratos, para o pavor da vizinhança. Não está em melhor situação o antigo quartel da polícia próximo à Rua Tabatinguera, às moscas desde os anos 2000.
Em 2012, o governador Geraldo Alckmin tentou construir um museu de história da Polícia Militar no local. O projeto foi descartado e a proposta da vez é montar nas ruínas a nova sede do 45° Batalhão da PM, reforçando o policiamento da região. No entanto, a Secretaria de Segurança Pública, dona do terreno, não sabe dizer quando começa nem quanto será investido na reforma.
Nem os imóveis privados estão em melhores condições. O Palacete Nacim Schoueri, marco da influência sírio-libanesa na cidade, foi descrito como
“majestoso” em seu lançamento, em 1930. Tombado pelo conselho municipal de defesa do patrimônio histórico (Conpresp) desde 2007, exibe vidros quebrados, janelas estouradas e pintura suja. Os donos não conseguiram bancar a restauração da fachada, orçada em 800 000 reais.
Como o palacete, há mais de vinte prédios tombados por ali, alguns deles deteriorados, como o Edifício Ana Abreu, que abrigou o extinto Banco das Nações. Nos dias de hoje, a construção em estilo art déco tornou-se uma malcuidada banca de frutas.
Inaugurado na década de 20 pelo prefeito Firmiano de Morais Pinto, o Parque Dom Pedro II começou a perder charme nos anos 60, devido a obras viárias como a construção de cinco viadutos. O quinteto retalhou a estrutura da praça, criou “áreas mortas” e dificultou o acesso dos frequentadores.
Em 1971, VEJA retratou o abandono da região em uma reportagem intitulada “O parque do lixo”. “Sempre foi um lugar que causou incômodos, pelas indústrias no entorno e pelos constantes alagamentos”, diz a historiadora Vanessa Costa Ribeiro, que prepara um livro sobre o local.
Em 1992, no último mês de sua gestão, Luiza Erundina transferiu a prefeitura para o Palácio das Indústrias, vizinho do parque, após um gasto anunciado de 8 milhões de dólares (cerca de 27,3 milhões de reais em valores de hoje). A intenção era ajudar a recuperar o entorno, mas o gabinete ficou ali por apenas dez anos.
Seus sucessores, Paulo Maluf e Marta Suplicy, detestaram a ideia e fizeram o possível para bater em retirada. Marta acabou levando a sede para o Edifício Matarazzo, no Viaduto do Chá, depois de renegociar uma dívida do município com o Banco Santander, deixando a várzea do Rio Tamanduateí e suas obras inacabadas.
Desde então, a antiga prefeitura passou por duas grandes restaurações, ao custo de 35,4 milhões de reais, e exibe boa conservação da fachada e do interior. Em 2009, tornou-se o Museu Catavento, que funciona seis dias por semana, com programação variada. O maior problema dos visitantes é justamente seu entorno.
Para acessar o local, é preciso passar por uma viela apelidada de Faixa de Gaza por causa dos assaltantes e usuários de drogas da região. A Secretaria de Segurança Pública afirma que 48 pessoas foram presas nas proximidades da tal passagem nos três primeiros meses deste ano.
A prefeitura não sabe dizer quantos sem-teto há na área, apenas diz que retira, três vezes por semana, 28 toneladas de lixo, que incluem barracos dos moradores de rua. Também não faz contagem da quantidade de vendedores de mercadorias contrabandeadas que batem ponto nas proximidades do terminal de ônibus e da Avenida do Estado (são apreendidos, em média, 600 sacos de produtos ilegais por mês). A última vez que a gestão municipal contou o número de cortiços no centro foi há quase dezessete anos.
O único projeto real de recuperação do Dom Pedro II surgiu na gestão Gilberto Kassab, em 2011. Na época, as urbanistas Regina Meyer e Marta Grostein, em conjunto com os escritórios de arquitetura Una, Metrópole e H+F, propuseram uma reforma total do parque. “Uma das ideias era integrar ônibus, metrô e Expresso Tiradentes em uma estação intermodal”, afirma a arquiteta Fernanda Barbara, que ajudou a desenhar o projeto. Orçada em 2,3 bilhões de reais, em valores atualizados, a proposta acabou engavetada pelo prefeito Fernando Haddad, que nada fez ali, por falta de recursos.
Apenas foi efetuada a concessão de uma área de 9 000 metros quadrados, onde ficavam os antigos condomínios São Vito e Mercúrio, demolidos em 2011, ao Sesc. Atualmente funcionando de maneira provisória com tendas, a unidade tem previsão de inauguração para 2021. Uma data otimista, considerando que nem toda documentação foi concluída.
Outra proposta estacionada é a desapropriação do Edifício Garage Parque 25, que daria lugar a um shopping de poucos andares e, por essa razão, não causaria impacto na vista. Com a mudança de bastão da prefeitura de Kassab para Haddad, a demanda foi engavetada e o gigante de 31 andares segue intacto.
A atual gestão não tem planos específicos para o Parque Dom Pedro II, mas deve incluílo na Operação Urbana Centro, projeto que prevê a revitalização de várias regiões, a exemplo da Luz, com orçamento de 35 milhões de reais. A Secretaria de Urbanismo e Licenciamento passou o último ano analisando a antiga proposta de Kassab. Não há previsão para executá la. “É um projeto muito ambicioso, não temos orçamento para isso”, afirma a secretária da pasta, Heloisa Proença.
Em junho passado, o atual prefeito, Bruno Covas, esteve por ali limpando e podando canteiros, em uma ação do programa Cidade Linda. Hoje, quase um ano depois, a zeladoria sumiu. Garrafas, plásticos, roupas e papéis amontoam-se por todos os lados. Diante da situação, o prefeito regional da Sé, Eduardo Odloak, tem um plano para amenizar a situação. Deve abrir concessão para que uma empresa privada limpe o parque em troca do uso da área para eventos. “Não temos as mesmas condições para isso”, afirma.
Sugestões dos especialistas
“Retirar as cercas em torno do colégio estadual e do Palácio das Indústrias. Muita iluminação e presença de agentes para melhorar a segurança ali. Refazer algumas áreas ajardinadas. As travessias para pedestres estão imundas e sem calçamento. O terminal de ônibus, projetado por Paulo Mendes da Rocha, precisa ser refeito, com um projeto urbanístico de qualidade, assim como a estação de metrô.” Regina Meyer, urbanista, professora da FAU
“Devem-se derrubar já alguns viadutos que destruíram o parque. É preciso ter mais moradias no seu entorno, mais residenciais. Há muito espaço sem aproveitamento.” Marcos Lisboa, economista e presidente do Insper
“Um bom início seria projetar um sistema de circulação de pedestres que facilitasse e introduzisse conforto e serviços aos usuários dos espaços remanescentes do que foi um dia um parque.” Marta Grostein, urbanista, professora da FAU
“Há muitos prédios espetaculares, abandonados, que precisam de novo uso. O Catavento poderia administrar a Casa das Retortas, se a burocracia fosse desembaraçada. Temos de conciliar as necessidades de dependentes químicos e moradores de rua com as crianças que poderiam brincar ali.” Sergio Freitas, presidente do Catavento Cultural