Os católicos ricos de São Paulo
Acompanhamos a caravana de paulistanos chiques à comunidade católica Canção Nova. Eles foram assistir à palestra de uma colombiana que, atingida por um raio, teria - segundo acreditam - morrido e ressuscitado
Feriado de 9 de julho, 6 da manhã. Um carrão de 250 000 reais sai de um prédio de alto padrão no Itaim Bibi e é prontamente seguido por três outros veículos de luxo. No comboio, Rosangela Lyra, diretora da grife francesa Christian Dior no Brasil, e um grupo de vinte amigos. Rumam para a comunidade católica Canção Nova, no município de Cachoeira Paulista, a 195 quilômetros de São Paulo, no Vale do Paraíba, empolgados para ver e ouvir de perto a dentista colombiana Gloria Polo, popular entre participantes da Renovação Carismática por uma história, no mínimo, inusitada: em 1995, após ser atingida por um raio durante um temporal, foi internada em estado gravíssimo num hospital de Bogotá. Jura ela – e vem daí sua notoriedade – que nesse período Deus lhe mostrou o céu e o inferno. “Abri a caixa de e-mails e, com iluminação do Espírito Santo, escolhi pessoas que conheço de diversos lugares para convidar”, conta Rosangela, sobre a seleção de integrantes da caravana.
Presença constante em colunas sociais (além do trabalho na Dior e na Associação dos Lojistas da Rua Oscar Freire, é sogra do jogador Kaká), Rosangela exibe sua porção prendada no passeio. Preparou ela mesma, na véspera, tortas para o almoço da turma. “Tem de frango, palmito e queijo”, diz, sorridente, enquanto guarda vasilhas numa geladeira. O grupo foi recebido num dos espaços nobres: a casa de um dos sócios-fundadores da comunidade, que fica no limite entre a Canção Nova e um condomínio de luxo vizinho. “Passei o Ano-Novo aqui, e foi o melhor da minha vida”, garante a anfitriã. Rosangela convoca o grupo para uma oração numa capela no 2º andar. Depois de rezarem, fazem um tour pelo imóvel, que tem vista para uma enorme construção. Trata-se de uma futura catedral, cuja capacidade será de 11 000 pessoas. “Tudo é construído com o ouro que nos dão”, afirma Paulo Azadinho, da Canção Nova. Ouro? Rosangela explica: “Aquele brinco ou correntinha velha que não servem mais, as pessoas doam para a construção”.
A comitiva vai para um galpão onde cerca de 50 000 pessoas participam de um congresso da Renovação Carismática (a palestra de Gloria Polo é parte da programação). Recebe pulseirinhas e credenciais que dão acesso a 120 poltronas localizadas nas laterais do palco. São assentos acolchoados, mais confortáveis que o cimento das arquibancadas e as cadeiras de plástico da plateia. Na prática, um espaço vip, mas que em nenhum momento é tratado por esse nome. Ali, entre três seguranças, está Lurian Cordeiro, filha do presidente Lula. Após um vídeo e relatos sobre missionários católicos, já na hora do almoço, o grupo volta à casa-sede, papeando com a moça. “Ontem eu queria preparar o meu chocolate quente especial, mas não tinha leite condensado”, comenta durante a conversa Lurian, que frequenta o lugar desde dezembro de 2008. “Quase pedi para buscarem na casa do prefeito.”
De calça Armani, blusa e tênis Dior, chega outra convidada, a juíza Claudia Fanucchi, amiga de colégio de Rosangela. “Ela não conseguiu acordar cedo”, brinca Rô (como costuma ser chamada). Por trás do visual impecável, uma história triste: no último dia 24 de junho, ela perdeu o marido, vítima de um câncer. “Vim buscar conforto”, diz. É esse também o intuito da empresária Isabella Izar. Num sofá da sala, ela abre o coração: um de seus quatro netos tem microcefalia. “Espero por um milagre, e tenho certeza de que vai acontecer.” Segundo Isabella, cada vez mais pessoas das classes A e B têm procurado a igreja. “A diferença entre nós e os pobres é que eles têm muito mais fé. A quem recorrer se você chega a um hospital público e não tem médico?”
Hora da palestra, todos retornam ao galpão. Gloria começa seu relato. “Meu corpo foi destruído, e hoje estou aqui”, afirma, em espanhol, com pausas para a tradução de uma intérprete. É aplaudida sempre que toca em pontos nevrálgicos da doutrina católica, como sexo pré-matrimonial e aborto. Seriam esses alguns dos motivos que quase lhe custaram a danação eterna – as orações de pessoas que não a conheciam e souberam de seu drama enquanto ela estava no hospital teriam sido o motivo da misericórdia divina. O ritmo lento, combinado à moleza pós-almoço, leva parte do grupo a sucumbir ao sono. Muitos cochilam durante o depoimento de quase duas horas. Em seguida, missa, e, ao voltarem para casa, surpresa: havia o tal chocolate quente de Lurian à sua espera. “Cheguei a São Paulo feliz como só me sinto quando me dedico a Deus”, resume Rosangela.