Os detalhes da morte do casal de estudantes no Maksoud Plaza
A relação e a rotina dos namorados, ambos de família de classe média alta do Morumbi, encontrados sem vida em uma suíte do hotel
Com um sorriso no rosto e uma coroa de papelão (brinde de uma rede de fast- food) na mão direita, a estudante Kaena Novaes Maciel, de 18 anos, cruzou a porta giratória do hotel Maksoud Plaza, na Bela Vista, às 15h25 de sábado passado (15). A seu lado estava o namorado, o também estudante Luís Fernando Hauy Kafrune, 19, que lhe fazia gestos carinhosos.
A dupla se dirigiu à recepção e pegou o cartão de acesso da suíte número 1509, um apartamento executivo com diária de 578 reais. De mãos dadas, eles subiram pelo elevador panorâmico. No início da noite, solicitaram ao serviço de quarto um petit gâteau, sobremesa com bolo de chocolate e sorvete de baunilha, vendido ali por 29 reais.
A partir daí, o roteiro que parecia romântico e típico de um jovem casal transformou-se em tragédia. Na tarde de domingo, sem receber notícias dos dois — a garota havia dito que iria a uma festa na Vila Madalena, e o rapaz, que dormiria na casa de um amigo —, a família deles apelou para o sistema de GPS dos celulares, localizando-os no hotel.
Por volta das 14 horas, o economista Maher Kafrune, pai de Luís, arrombou a porta do quarto com a ajuda de funcionários: uma escrivaninha tinha sido deslocada pelo lado de dentro para tentar bloquear a passagem. No apartamento, ele encontrou os dois deitados na cama, cada um com um tiro na cabeça. Ninguém no entorno disse ter ouvido os disparos. A arma, uma pistola Glock 380, pertencia ao padrasto de Kaena, o policial aposentado Gumercindo Toiama.
Ela costumava ficar guardada no quarto de seu dono e havia sumido na tarde anterior. Na suíte também foram recolhidos dois bilhetes, com letras e expressões femininas. “Sei que estou fazendo todos sofrerem, mais (sic) isso é necessário para eu parar de sofrer”, dizia um trecho. “Obrigada por tudo o que fizeram por mim”, finaliza.
Textos e a agenda pessoal dela seguiram para perícia. O resultado dos exames de sangue, para checar a presença de álcool ou drogas, sairá em trinta dias. Nesse período, a polícia pretende ouvir depoimentos de amigos, familiares e testemunhas do Maksoud.
Por ora, a única hipótese é que tenha havido um pacto de morte. “Luís teria dado um tiro na namorada a pedido dela e se matado na sequência”, diz o delegado Gilmar Contrera, titular do 5º Distrito Policial da Aclimação, responsável pelas investigações. “Descartamos a participação de uma terceira pessoa.”
Em nota, o Maksoud afirma que “está colaborando com as autoridades competentes”. O episódio devastou familiares e amigos. “Não há palavra capaz de descrever a minha dor neste momento”, declarou Toiama, durante o velório da enteada, no Cemitério Valle dos Reis, em Taboão da Serra, na noite de segunda (17). “É uma tragédia que jamais imaginei.”
Os pais de Kaena, a empresária Maria da Graça Novaes e o caminhoneiro Valoni Maciel, separados há quase dez anos, mantêm bom relacionamento. Ele, inclusive, dirige veículos na transportadora dela. “Minha filha era como qualquer adolescente, reclamava das coisas, mas nunca pensei numa atitude dessas”, diz Maciel, que encontrou a filha pela última vez no dia 9. “Ela olhou nos meus olhos, disse para eu perdoar as suas bobagens e que me amava muito”, relembra.
“Agora percebo que era uma despedida.” Reunidos no velório, cerca de quarenta jovens e adolescentes, colegas da vítima, também se mostravam perplexos. “Ela sempre foi muito querida, é inexplicável”, afirmava um amigo. A jovem foi sepultada na manhã de terça. O enterro do rapaz ocorreu no dia anterior, no Cemitério do Morumby. Kaena e Luís se conheceram no começo de 2016 em um ônibus da linha 647P Terminal Pinheiros, que os dois pegavam juntos toda manhã para percorrer a Avenida Giovanni Gronchi, no Morumbi.
Ele se dirigia à faculdade — recentemente, iniciara o 3º ano do curso de ciências biomédicas da Universidade de São Paulo (USP). Na época, ela estava no 3º ano do ensino médio do Colégio Objetivo de Pinheiros — em 2017, ingressou no cursinho da Poliedro no Paraíso em que se preparava para o vestibular de engenharia do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos. Começaram a namorar pouco depois, em março. Ambos moravam em casas confortáveis no Morumbi e levavam uma vida de classe média alta.
Eram descritos como tímidos e avessos a baladas. Assim, apesar da boa turma de amigos, seus passeios costumavam ser a dois, em shoppings da vizinhança, onde frequentavam restaurantes de fast-food. Kaena colecionava mangás, as tradicionais HQs de origem oriental, e tentava aprender o idioma japonês.
Ouvia música eletrônica, rock dos anos 90 e dizia se identificar com a personagem Hannah Baker, protagonista de 13 Reasons Why, série da Netflix que ganhou fama nas últimas semanas por tratar de temas como bullying e suicídio. Luís era romântico e, volta e meia, surpreendia a namorada na porta do colégio ou do cursinho com um maço de rosas ou uma caixa de bombons.
Também a ajudava na lição de casa e nos testes para o vestibular. Em dezembro, os dois estiveram juntos no baile de formatura da garota no ensino médio, realizado no Clube Paineiras do Morumby. Posaram sorridentes para fotos e pareciam um casal feliz. Em 20 de março, Kaena completou 18 anos, mas não quis grandes celebrações. Reuniu apenas o namorado, as duas melhores amigas, a mãe, o padrasto e a irmã mais nova, Karen, de 5 anos, para cortar um bolo de chocolate no restaurante Outback do Shopping Jardim Sul.
Luís a presenteou com uma pulseira e uma arma de airsoft, jogo de simulação militar com dispositivos de pressão e projéteis não letais — os dois frequentavam uma loja dedicada à atividade no shopping Morumbi Town. Às colegas, a garota confidenciou estar apreensiva e triste com a provável mudança de Luís para os Estados Unidos, junto com a família.
Essa situação a motivou a romper a relação dois dias depois. Entrou em depressão, deixou de ir às aulas do cursinho, parou de se alimentar direito, emagreceu vários quilos e começou a frequentar sessões de terapia com uma psicóloga. Na tarde do último sábado (15), no entanto, Kaena mandou um WhatsApp à mãe comunicando a volta do namoro. “Nunca mais vamos nos separar”, escreveu.
Maria da Graça trocou mensagens com a filha até as 2 da manhã, monitorando o horário de retorno da “festa” na Vila Madalena, combinado para as 3 horas. Depois disso, parou de receber respostas. “Fico me perguntando o que mais eu poderia ter feito para evitar isso”, diz, arrasada. Uma amiga da garota ainda recebeu a frase “Foi maravilhoso ter conhecido você!”. Preocupada, ela perguntou o que havia ocorrido. A resposta — “Fique tranquila, ainda estou viva” — chegou às 8 horas de domingo. Foi a última vez que Kaena entrou em contato com alguém de seu círculo íntimo.
Se confirmada a tese da polícia, o dramático caso pode servir de alerta a pais de outros jovens na mesma situação. Segundo a Organização Mundial da Saúde, nove em cada dez casos de suicídio podem ser prevenidos. “A adolescência é um processo que traz muitas dores, mas o suicida sempre apresenta sinais”, diz a psiquiatra Maria Thereza de Barros França, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise.
Os indícios clássicos são mudança de comportamento, falta de apetite, de sono, isolamento e abandono de atividades prazerosas. Além de encaminhar o jovem ao acompanhamento especializado de médicos e psicólogos, é possível colaborar evitando críticas, preconceitos, comparações ou frases como “isso passa”, “tem gente em situação pior” ou “você tem tudo na vida”.
“O primeiro mandamento para ajudar o depressivo é ouvi-lo, sem julgá-lo, e mostrar-se disponível”, diz Adriana Rizzo, voluntária do Centro de Valorização da Vida (CVV), serviço de apoio que pode ser acionado 24 horas ao dia por meio do telefone 141.