Era manhã de sexta-feira (22) quando cheguei à casa de número 46 da Avenida Ibijaú, em Moema. Para localizá-la não foi preciso nem checar a numeração. A chuva intensa que castigara a cidade na madrugada de quinta-feira também deixara seu rastro por ali. Com a enxurrada, o muro lateral da residência da pensionista Maria Lindinalva dos Santos, conhecida como Lindalva, ruiu. Cozinha, sala, dois quartos e banheiro foram tomados pela água. Acostumadas ao entra e sai de conhecidos e estranhos que vêm para prestar solidariedade, Lindalva e a filha, Ana Carolina Episcopo, me receberam sem surpresa. Impuseram duas condições para a minha hospedagem: que não me assustasse se a água invadisse novamente o imóvel e que não reparasse na bagunça. Acordo fechado. Com um colchão emprestado por uma vizinha — os da família estavam molhados —, o fotógrafo Raul Zito dormiu no chão da sala. Eu fiquei com o sofá.
O sábado começou cedo. Por volta das 7h40, um caminhão da prefeitura apareceu para retirar o entulho acumulado na calçada desde a enchente. “Não quero que eles levem meu brinquedinho”, choramingava Maria Julia, de 3 anos, ao notar uma peça de Lego no meio dos restos. Filha de Ana Carolina, ela divide um dos quartos com a mãe e a irmã caçula, Maria Eduarda, de 4 meses. Também moram na casa a aposentada Rose Tabet e o estudante Julio César França, neto de Lindalva. Com o sol despontando entre as nuvens, era hora de colocar roupas, sapatos, livros e fotografias para secar. Agachada no quintal, Ana Carolina tentava salvar documentos, contas e correspondências. A pequena Maria Julia usava um vestido emprestado por uma amiguinha da escola, já que todos os seus continuavam molhados.
Não tardou para o céu escurecer. Alguns parentes ajudaram a levar as cadeiras da mesa de jantar e os colchões que sobraram para o 1º andar de uma casa vizinha desocupada. Em poucos minutos de chuva intensa, o ralo da garagem transbordou. A força-tarefa para desentupi-lo deu certo. Passado o momento de tensão, é difícil acreditar que estamos no coração de Moema, entre as ruas Jauaperi e Gaivota, a poucos metros de restaurantes bacanas, bares, lojas e salões de beleza. Esperar pelo pior está longe de ser novidade para quem vive na vizinhança. Há comportas nos portões das casas e dos edifícios. No imóvel onde fiquei, a grade de ferro da garagem foi substituída por um muro alto em dezembro de 2008. “Tivemos um Natal muito triste naquele ano”, lamenta Lindalva. “Perdemos quase tudo: móveis, eletrodomésticos, presentes que estavam embaixo da árvore…”
Se as histórias de alagamento comovem, a capacidade de se reerguer também. De julho para cá, Lindalva e Ana Carolina já gastaram mais de 15 000 reais em reformas. Trocaram o piso, compraram jogo de sofás e TV de plasma de 42 polegadas. Desde a queda do muro, o forno novinho não está funcionando, assim como o telefone sem fio, o celular, a máquina de lavar roupas, a internet e o tocador de MP4. Nada capaz de tirar o sono da família — e o meu — na noite de sábado. Exaustos, dormimos embalados por uma garoa fina. Acordei às 8 da manhã do domingo. Eles só levantaram às 10. O sol brilhava. Hora de colocar tudo para secar outra vez.