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O drama dos paulistanos desapropriados por metrô que nunca saiu do papel

Um total de 371 famílias foi retirada de suas casas por causa da Linha 6-Laranja; não há nenhuma previsão para a retomada das obras

Por Ricardo Chapola
Atualizado em 15 mar 2019, 06h00 - Publicado em 15 mar 2019, 06h00
No distrito da Brasilândia, 371 famílias foram retiradas para a construção da Linha 6 - Laranja (Bruno Niz/Veja SP)
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Quase diariamente o aposentado Valter Giacon, de 72 anos, passa algumas horas sentado na esquina da Estrada do Sabão com a Rua Domingos Francisco Lisboa, no distrito da Brasilândia, na Zona Norte. Faz isso para matar a saudade do tempo em que morava ali. Encostado ao muro do ex-imóvel, ele relembra as cores das paredes e a antiga disposição dos móveis. “Mudei para cá em 1968 e construí minha casa tijolo por tijolo. Levei anos para deixar pronta por dentro. Em 2012, quando ia terminar a parte externa, tive de sair”, diz, sem conter as lágrimas. “Casei e meus seis filhos nasceram aqui. Continuo vindo pelas lembranças, sinto muita falta dos bons tempos que passei”, relembra.

Valter Giacon
O aposentado Valter Giacon em frente a sua casa, desapropriada após cinco décadas (Ricardo D'Angelo/Veja SP)

Incapaz de pagar os 1 100 reais pelo aluguel de onde vive hoje, a poucas quadras de distância, ele é obrigado a recorrer à ajuda de um dos filhos, além de dividir as demais contas com dois netos. O curioso é que sua casa própria, erguida com muito suor ao longo de mais de cinco décadas, continua de pé, mas hoje é habitada apenas pelo sem- teto Caio Carlos Silva, de 33 anos. A família de Giacon é uma das 371 desapropriadas por causa das obras da Linha 6 – Laranja do Metrô, paradas há quase três anos.

O que existe hoje no trajeto por onde circulariam as composições são casas abandonadas e terrenos baldios cercados por tapumes, repletos de lixo e mato alto. Moradores reclamam do aumento no número de roubos após a paralisação das obras e afirmam que os locais vazios servem de esconderijo para os objetos furtados. “Viver aqui ficou muito perigoso”, diz a aposentada Ivone Antoniazzi, de 66 anos, que está na região há quarenta anos. “Já levaram ferramentas da minha casa em três ocasiões”, completa ela, que instalou pontas de lança na grade em volta de sua residência depois das ocorrências.

Caio Carlos da Silva
Hoje a casa é ocupada pelo sem-teto Caio Carlos Silva (Ricardo D'Angelo/Veja SP)
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Uma banca de jornal das redondezas foi assaltada quatro vezes no ano passado. “Tem um pessoal barra-pesada aqui no entorno, que pratica crimes e fuma crack”, conta o dono do negócio, que pede para não ser identificado. O movimento de usuários de drogas é mais frequente na vizinhança dos terrenos vazios. “Enquanto essa obra não acabar, estamos ferrados. Não existe mais segurança nenhuma por aqui”, afirma o motorista Flávio Luis Bezerra, que mora no bairro desde os anos 70 e costuma ouvir pessoas caminhando sobre o telhado de sua casa durante a noite.

Os números oficiais sustentam a tese de que a violência aumentou na Brasilândia nos últimos tempos. Em janeiro, o índice de roubos no pedaço cresceu 43% e o de furtos, 13% em relação ao mesmo período em 2018, segundo a Secretaria de Segurança Pública. Agentes de segurança locais, no entanto, minimizam a influência da recente construção abandonada. “Essa área sempre teve um índice alto de crimes, é um local delicado. Mas nenhum bandido foge para dentro desses terrenos vazios”, diz o delegado Germano de Souza Willveit, do 45º Distrito Policial, na Brasilândia.

O crescimento da sensação de insegurança não foi o único efeito colateral da paralisação das obras. O valor do metro quadrado para compra de imóvel na região oscila hoje em torno de 3 500 reais, cerca de 15% menos do que era registrado em 2016. “É provável que caia ainda mais. Ninguém quer comprar aqui porque não sabe quando o metrô vai ficar pronto”, diz o corretor Marcos Gabriel, da Pontual, uma das principais imobiliárias do bairro. “Quem tinha a intenção de investir nessa região por causa da Linha 6 começou a procurar outro lugar”, afirma Everton Sousa, dono da corretora E. Sousa.

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Revoltado com a situação de abandono da área, um grupo de moradores criou um movimento, o Metrô Brasilândia Já, para pressionar o governo do estado a retomar as obras e finalizar de vez a Linha 6 – Laranja. Os ativistas se organizam via WhatsApp para marcar reuniões mensais e realizar protestos pelo bairro. “Queremos reunir mais de 5 000 pessoas em um ato nas próximas semanas”, diz o arquiteto Enio José Silva, um dos integrantes da iniciativa.

Projeto da Linha 6 – Laranja
Desenho de estação da Linha 6: sem prazo de entrega (Divulgação/Divulgação)

Com 15 quilômetros de extensão, da Estação São Joaquim, da Linha 1 – Azul, na Liberdade, ao distrito de Brasilândia, na Zona Norte, a Linha 6 – Laranja do metrô promete atender os bairros de Bela Vista, Higienópolis, Pacaembu, Perdizes, Pompeia e Freguesia do Ó, entre outros. Também passará por faculdades como PUC, Mackenzie, Faap, FGV e Unip, o que lhe rendeu o apelido de Linha das Universidades. O ramal, que beneficiará milhões de paulistanos, no entanto, não tem data prevista para sair do papel.

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Anunciada em 2013 pelo governo do estado, a construção seria tocada por meio de uma parceria público-privada (PPP) pelo consórcio Move São Paulo, formado pelas empreiteiras Odebrecht, Queiroz Galvão e UTC, com entrega até 2020. Atingidas pelas denúncias de corrupção reveladas no âmbito da Operação Lava-Jato, as três companhias alegaram dificuldades para obter financiamento junto a bancos. A obra foi paralisada em setembro de 2016, com apenas 15% do projeto executado.

Linha 4 – Amarela
Recém-inaugurada São Paulo-Morumbi, da Linha 4 – Amarela (Divulgação/Divulgação)

O capítulo mais recente do imbróglio ocorreu em 13 de dezembro último, quando o ex-governador Marcio França (PSB) publicou um decreto que encerrava o atual contrato e determinava que o consórcio fosse responsável pela zeladoria dos canteiros abandonados. Por meio de nota, o Move São Paulo informou que realiza essa manutenção e limpeza de forma constante. Além disso, o governo do estado, que já gastou 1,67 bilhão de reais com o empreendimento, tornou-se livre para firmar outro acordo. Após ser eleito governador, João Doria (PSDB) disse que estuda retomar as obras sem a iniciativa privada. No momento, a Linha 6 – Laranja nem aparece no mapa da rede metroviária da capital. Também por meio de nota, a Secretaria de Transportes Metropolitanos afirma que “está adotando todas as medidas necessárias” para que a obra seja retomada “no menor prazo possível”, mas não especifica uma data para que isso efetivamente ocorra.

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Monotrilho Linha 17 – Ouro
Monotrilho da Linha 17 – Ouro, na Zona Sul, anunciada em 2010: abrigo de usuários de drogas (Leo Martins/Veja SP)

Há outras obras do Metrô atrasadas na capital, como as da Linha 17 – Ouro, anunciada em 2010. O projeto prevê a construção de um monotrilho suspenso sobre imensos pilares entre a Estação Morumbi, na Zona Sul, e o Aeroporto de Congonhas, por onde seriam transportados 43 000 passageiros por dia. A previsão era finalizar os trabalhos em dezembro de 2018, mas quem passa com frequência pelo trajeto acostumou-se a ver os canteiros parados tomados por usuários de drogas. Também está atrasada a Linha 15 – Prata, um monotrilho de 26 quilômetros e dezoito estações entre os bairros de Vila Prudente e São Mateus, ambos na Zona Leste.

O governo do estado havia prometido concluir o percurso completo em 2014, mas até agora só entregou um trecho de 8 quilômetros, com seis estações, que passou a funcionar em horário integral há dois meses. O restante da empreitada está com as obras suspensas, sem previsão de entrega. Sobre essas duas linhas, a Secretaria dos Transportes Metropolitanos informa que reavaliará os projetos e apresentará novo cronograma. O objetivo é entregar um plano de investimento em mobilidade urbana na região metropolitana para os próximos quatro anos. A última estação inaugurada na rede metroviária foi a São Paulo-Morumbi, da Linha 4 – Amarela, em outubro do ano passado. No mês anterior, haviam sido entregues três terminais da Linha 5 – Lilás: Hospital São Paulo, Santa Cruz e Chácara Klabin.

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 20 de março de 2019, edição nº 2626.

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