Os últimos da espécie: mecanógrafo
Restaurar máquinas de escrever é a especialidade de Ronaldo Valim
Sempre que uma máquina de escrever antiga chega aos seus cuidados, Ronaldo Valim, de 60 anos, ajeita a mesinha de madeira junto à janela de sua oficina. Ele só trabalha naquele lugar e prefere a luz natural. Dali o profissional pode ver o movimento da Rua do Carmo, no centro. “Quando cheguei aqui, esta área devia ter mais de 1.500 técnicos da minha especialidade”, afirma ele, enquanto entra no que chama de “sala cultural” — um cômodo contíguo repleto de propagandas de época, com cerca de vinte máquinas expostas e uma biblioteca temática com aproximadamente 100 volumes sobre o assunto. O modelo mais antigo por ali é uma Remington de 1878. Esse lugar é uma espécie de museu e mostruário. Tudo foi restaurado por Valim e está à venda, a preços a partir de R$ 600,00.
Ele é um dos últimos mecanógrafos (o nome para o seu ofício) em atividade por aqui. “O engraçado é que cheguei ao centro nos anos 70 para trabalhar numa lavanderia”, conta. Até que se interessou por uma máquina de escrever do começo do século que viu numa feira do bairro do Bixiga. Comprou-a, mandou restaurá-la, mas não gostou do resultado. Decidiu ajeitá-la por conta própria. “Ficou tão boa que começaram a recomendar meu nome sempre que aparecia um equipamento fora de linha para conserto”, lembra. “Vi que dava para ganhar dinheiro com aquilo.” Sozinho, Valim começou a mexer com as engrenagens após o expediente na lavanderia onde era gerente. Usava a mesma mesinha de madeira que mantém até hoje. Comprou modelos para revender, encontrou clubes de colecionadores na internet, importou livros em inglês sobre o assunto (mesmo sem dominar o idioma) e viu o comércio típico da região desaparecer com a chegada dos computadores pessoais.
Se atualmente já não se consertam mais equipamentos para o dia a dia dos escritórios, praticamente toda máquina de escrever é uma antiguidade. Valim continua firme no trabalho de restauração. Desmonta, limpa as peças, regula engrenagens, retoca a pintura e decalques e, se preciso, manda fazer uma peça nova no torneiro mecânico. O serviço mais simples custa 150 reais. “Hoje existe mais gente interessada nisso do que há quinze anos. Quando você tem uma máquina que pertenceu a alguém querido da sua família, você a quer em ordem. Alguns jovens também gostam do estilo e desejam possuir uma em casa”, garante ele, apontando para o modelo cor de laranja dos anos 70 que agora repousa sobre sua mesinha de madeira. “Essa eu recebi ontem. É de uma jornalista que a comprou numa feira, mas estava quebrada. Logo vai estar funcionando como nova.”
Oliveira Typewriter. Rua do Carmo, 178, sala 11, centro, Tel.: 3104-4831
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