A luta das mulheres por trás da indústria têxtil paulistana no século XX
Fotos históricas revelam a presença de funcionárias que trabalhavam (e lutavam por melhores condições) em galpões e escritórios
![Imagem em preto e branco mostra diversas mulheres sentadas em escrivaninhas trabalhando em máquinas de escrever](https://gutenberg.vejasp.abril.com.br/wp-content/uploads/2022/03/Escritorio-da-Sanbra-Sociedade-Algodoeira-do-Nordeste-Brasileiro-S.A..-Brasil-Sao-Paulo-Sao-Paulo_-1965_-autoria-nao-identificada.-Acervo-Centro-de-Memoria-Bunge..jpg.jpg?quality=70&strip=info&w=1280&h=720&crop=1)
Em um prédio no bairro de Pinheiros, fotos, áudios e entrevistas de empresas do século XX guardam registros de funcionários por trás de grandes fábricas paulistanas. Mas entre maquinários e pilhas de algodão estavam, na maioria das vezes, as mulheres — embora essa diversidade passe despercebida quando o assunto é revolução industrial, acredita a historiadora Viviane Morais, que comanda o Centro de Memória Bunge, onde parte desse passado tem sido preservada.
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“Entre as duas guerras mundiais ocorreu um boom da presença feminina no mercado fabril, que só foi retomado a partir dos anos 1940. É interessante ampliar esse olhar, pois elas ocuparam diversos setores, tanto aquelas que produziam sacos de lã como as que atuavam no agronegócio”, exemplifica.
![Sala de classificação de lã bruta da Fiação Santista Imagem mostra pessoas trabalhando em galpão com sacos de tecidos.](https://gutenberg.vejasp.abril.com.br/wp-content/uploads/2022/03/Sala-de-classificacao-de-la-bruta-da-Fiacao-Santista-Secao-La.-Brasil-Sao-Paulo-Sao-Paulo_-Autoria-nao-identificada_-10.1940.-Acervo-Centro-de-Memoria-Bunge..jpg.jpg?quality=70&strip=info&w=1024&crop=1)
Nas prateleiras do acervo, organizado pelos nomes das marcas que pertenceram ao conglomerado desde 1905 (quando a Bunge chegou ao Brasil), está a Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro (Sanbra), uma das responsáveis por integrar mulheres na equipe.
Enquanto ampliavam os negócios pelo país no ramo da tecelagem e com a produção de óleo vegetal, parte do atendimento ocorria em São Paulo com as telefonistas. “Essa atividade, com atendimento ao cliente e comunicação de compras e vendas, ainda era vista como parte do campo feminino e foi favorecida pelo crescimento no setor”, explica Viviane.
![Vista interna do lanifício da fábrica da S.A. Moinho Santista no bairro do Belenzinho. Brasil, São Paulo, São Paulo_ década de 1960_ autoria não identificada..jpg Imagem em preto branco mostra mulher trabalhando com rodos de linha](https://gutenberg.vejasp.abril.com.br/wp-content/uploads/2022/03/Vista-interna-do-lanificio-da-fabrica-da-S.A.-Moinho-Santista-no-bairro-do-Belenzinho.-Brasil-Sao-Paulo-Sao-Paulo_-decada-de-1960_-autoria-nao-identificada..jpg.jpg?quality=70&strip=info&w=1024&crop=1)
Longe dos escritórios, tarefas manuais também foram parar nas mãos das mulheres em galpões como o da Fiação Santista, no Tatuapé. “Claro que a mão de obra feminina mais barata também era vantajosa para os donos de fábricas, mas dizia-se que elas teriam mais delicadeza ao lidar com certos processos fabris”, pondera.
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“Tudo começava na primeira seleção do algodão bruto, para classificar os melhores fios e criar a linha que dava origem aos tecidos. Assim como na França e na Inglaterra, foi um dos primeiros ramos onde mulheres eram a maioria.”
![Vista interna do lanifício da fábrica da S.A. Moinho Santista no bairro do Belenzinho. Brasil, São Paulo, São Paulo_ 1954_ Autoria Ernesto Mandowsky..jpg Imagem mostra mulher trabalhando em linha com diversos rolos de lã.](https://gutenberg.vejasp.abril.com.br/wp-content/uploads/2022/03/Vista-interna-do-lanificio-da-fabrica-da-S.A.-Moinho-Santista-no-bairro-do-Belenzinho.-Brasil-Sao-Paulo-Sao-Paulo_-1954_-Autoria-Ernesto-Mandowsky..jpg.jpg?quality=70&strip=info&w=1024&crop=1)
As condições de trabalho não progrediam no mesmo ritmo dessa indústria, que nos anos 1960 passou a produzir cada vez mais roupas, lençóis e fios de malharia na capital paulista. “Com as longas jornadas, muitas optavam por trazer os filhos e empregá-los em qualquer atividade para ampliar a renda familiar e deixá-los juntos com elas. No Brasil, a classe média que compunha esse grupo, porque as mulheres pobres e negras já estavam no mercado há muito tempo”, observa.
A reivindicação de creches nas fábricas e horários e salários mais justos persistia, segundo ela, desde a greve geral de 1917. “Até hoje existe a mentalidade de que uma mulher no mercado de trabalho gera abandono familiar e vai deixar de cumprir o papel de esposa e chefe afetiva do lar. Tanto nos salários como em termos de presença feminina, ainda temos muito a melhorar.”
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Publicado em VEJA São Paulo de 16 de março de 2022, edição nº 2780