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“A Mata Atlântica pode ser berço da solução global”, diz diretor de ONG

Diretor-executivo da Fundação SOS Mata Atlântica, Luís Fernando Guedes Pinto comenta sobre dados inéditos de desmatamento, impactos e o caminho para a mudança

Por Mattheus Goto
21 fev 2025, 06h00
Pesquisador e engenheiro agrônomo Luís Fernando Guedes Pinto: à frente de estudo inovador
Pesquisador e engenheiro agrônomo Luís Fernando Guedes Pinto: à frente de estudo inovador (Léo Barrilari/Divulgação)
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A ocorrência de eventos climáticos extremos é um sintoma do estado frágil do meio ambiente. Um novo estudo mostra que a situação piorou nos últimos anos no principal bioma do Sul e Sudeste do país.

A Mata Atlântica perdeu 186 289 hectares de florestas maduras entre 2010 e 2020, o equivalente a quase 200 000 campos de futebol.

Os dados inéditos, que identificaram mais de 14 000 polígonos de desmatamento, foram compilados por pesquisadores da Fundação SOS Mata Atlântica, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e da Universidade de São Paulo (USP).

“É alarmante”, comenta Luís Fernando Guedes Pinto, 54, diretor-executivo da ONG e coautor do texto.

O levantamento analisou padrões espaciais e temporais, como distribuição geográfica, perfil fundiário e uso da terra após a devastação, para chegar a conclusões de uma possível solução.

Como o estudo foi elaborado?

Usamos os dados do Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, um relatório publicado anualmente pela SOS Mata Atlântica e o Inpe. Pela primeira vez, resolvemos olhar a década como um todo. E com toda a evolução de tecnologia e de informação, fizemos novas análises, na intenção de entender exatamente onde, por quê e quem desmata.

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Por que escolheram o período?

A Mata Atlântica tem um histórico de desmatamento de 524 anos, desde que as caravelas chegaram. A ideia era pegar uma década recente. Esse período também vem depois da publicação da Lei da Mata Atlântica, em 2006, uma referência importante.

Quais são as descobertas do estudo?

O desmatamento no bioma ainda tem uma área alarmante. É a floresta brasileira mais devastada e destruída. Sobrou muito pouco e qualquer árvore que a gente perde faz falta. Há uma concentração em duas áreas de calor, os hotspots. A primeira é a região centro-norte de Minas Gerais e Bahia, onde está concentrada 50% da área desmatada na década. A outra fica entre Paraná e Santa Catarina, onde a porcentagem foi de 16%. Essa conclusão facilita a fiscalização. Em Minas Gerais e Bahia, os desmatamentos são maiores, em propriedades grandes, para pastagem e silvicultura. Derruba-se a floresta para colocar pasto no lugar, é meio assustador. Em Santa Catarina e Paraná, corta-se pequenos pedaços, em fazendas médias e pequenas, para agricultura. O número agregado é que 73% ocorreu em imóveis privados e só 15% em áreas públicas ou comunidades tradicionais.

Há indícios de ilegalidade?

A informação sobre autorizações para desmatar naquela década não está disponível para a sociedade. Porém, nos baseamos em outros estudos, principalmente o relatório anual do MapBiomas, e todos eles dizem que é pelo menos 90% ilegal. Além disso, todos esses desmatamentos são depois de 2006, depois da publicação da Lei da Mata Atlântica, que deixa claro que a autorização para desmatar só acontece em situações excepcionais, de utilidade pública ou interesse social. Desmatar para plantar pasto, soja ou milho não se encaixa nisso, portanto, a gente supõe que a maior parte é ilegal.

Como está a situação em São Paulo?

Encontramos uma tendência de aumento do desmatamento. De 2010 para 2015, diminuiu. De 2015 para 2020, aumentou. Mas é uma proporção pequena em relação ao total do bioma. A maior parte da área desmatada está em regeneração florestal, ou seja, hoje se ganha mais do que se perde. O desmatamento que existe vem da agropecuária e do fenômeno de uma pequena devastação em volta das grandes cidades e do litoral, para infraestrutura. O estado tem esse padrão porque já desmatou muito. O pouco que sobrou está protegido ou é área muito frágil.

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“O desmatamento ainda tem uma área alarmante. É a floresta brasileira mais devastada. Sobrou muito pouco e qualquer árvore que a gente perde faz falta”

Luís Fernando Guedes Pinto

Quais são os efeitos palpáveis do desmatamento?

Desmatar joga gás carbônico na atmosfera, que é combustível para aquecimento global, mudanças climáticas e eventos extremos. No caso da Mata Atlântica, tem uma perda de biodiversidade. Estamos acabando com espécies que a gente mal conhece. Isso diminui os polinizadores e o controle de pragas, o que pode ter impacto na produção de comida. Um efeito mais próximo das pessoas é a questão da água. Florestas protegem nascentes, rios e riachos. A crise hídrica tem tudo a ver com o desmatamento da Mata Atlântica. Um outro impacto é a energia elétrica mais cara. Os rios ficam com menos água e a gente tem que ligar as termelétricas. E cidades com mais verde têm menos calor. A gente sentiria muito menos esses extremos de temperatura.

Como solucionar o problema?

O primeiro passo é a implementação rigorosa da Lei da Mata Atlântica, com fiscalização e penalização rígidas. No estado de São Paulo, 80% da área desmatada não foi fiscalizada. As multas ambientais têm um valor baixíssimo. Outro caminho é embargar as áreas desmatadas, ou seja, não permitir mais a venda da produção que tem ali. Há também incentivos para quem mantém a floresta de pé, como pagamentos por serviços ambientais e remuneração a municípios que protegem floresta. É um programa nacional, estados como São Paulo levam bem a sério.

Há exemplos positivos?

Sim, eles mostram que é possível o desmatamento zero. No Brasil, é mais difícil, mas a Mata Atlântica está ao nosso alcance. Os pilotos dessa mudança têm mostrado sucesso, mas estão numa escala menor do que o necessário para um grande impacto.

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A SOS Mata Atlântica tem ações nos rios Tietê e Pinheiros. Como andam as discussões?

Temos diversos grupos de voluntários, que vão lá todo mês coletar e ver a qualidade da água. Os dois estão melhorando lentamente, saindo de péssimo para ruim, ou ainda às vezes no péssimo. Houve avanços no saneamento, mas não são completos, ainda tem esgoto em alguns córregos que chegam lá. É um processo gradual, mas o paciente ainda está muito longe de sair da UTI.

Qual tem sido o foco da ONG?

Temos dedicado muita energia no Congresso para evitar retrocessos. Está em consulta pública o plano de prevenção e combate ao desmatamento do bioma. Seguimos com o trabalho de restauração, plantando 250 hectares de floresta por ano. A Mata Atlântica tem tudo para ser um dos primeiros lugares do mundo a alcançar o desmatamento zero. Aqui pode ser o berço de uma solução para o planeta. Temos o necessário para isso.

Publicado em VEJA São Paulo de 21 de fevereiro de 2025, edição nº 2932

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