Justiça multa ViaQuatro em R$ 500 mil por sistema de reconhecimento facial
Portas instaladas em estações da Linha 4 - Amarela em 2018 tinham sensores que captavam as expressões de passageiros quando viam anúncios, sem consentimento
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) determinou nesta quarta-feira (10) que a ViaQuatro, concessionária que administra a Linha 4 – Amarela do metrô, deve pagar 500 000 reais de indenização por danos morais coletivos por ter implementado um sistema de câmeras que fazia reconhecimento facial e captava emoções, gênero e faixa etária em suas estações, para fins publicitários.
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Em abril de 2018, a ViaQuatro anunciou a instalação de “portas de plataforma interativas” nas estações Luz, Paulista e Pinheiros. As portas tinham uma lente com um sensor que reconhecia a presença humana e identificava a quantidade de pessoas que passavam e olhavam para a tela. O sensor era capaz de identificar emoções como raiva, alegria e neutralidade, o gênero e a faixa etária das pessoas, e estava sempre posicionado acima de uma propaganda publicitária, justamente para verificar qual era a reação dos passageiros aos anúncios.
Por unanimidade, a 8ª Câmara de Direito Público aumentou o valor que havia sido definido na primeira instância, de 100 000 reais. O desembargador Antônio Celso Faria, relator do caso, afirmou que “a possibilidade de reconhecimento facial com fins comerciais demonstra uma conduta muito reprovável apta a atingir a moral coletiva” e chamou sistema de “caixa preta”, pois não é possível limitar como estes dados vão ser usados.
O desembargador José Maria Câmara Junior disse, nesta quarta, que houve um claro “desvio de finalidade” na instalação das portas “porque as imagens capturadas são objetos de operações de vendas para terceiros, operações voltadas a direcionar estratégias de publicidade a partir das reações dos usuários do serviço de transporte”. Para o magistrado, “ficou comprovada a coletânea e transmissão de dados por meio de câmeras, acesso a essas imagens por meio de um computador remoto e um comprovado tratamento de dados pessoais”.
O tribunal discutiu o caso no âmbito de uma ação civil pública ajuizada em agosto de 2018 pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), junto ao Ministério Público de São Paulo e a Defensoria Pública do estado de São Paulo. Na ação, o Idec chamou a tecnologia de uma “pesquisa de mercado automatizada” e compulsória, que permitia a venda dos dados dos passageiros para terceiros, sem que eles soubessem ou tivessem dado autorização para isso.
Em setembro daquele ano, a Justiça determinou a suspensão da captação de imagens e sons pelas portas interativas. Em maio de 2021,a juíza Patrícia Martins Conceição condenou a concessionária a pagar 100 000 reais em danos morais coletivos.
A ViaQuatro argumentou, no processo, que os equipamentos de gravação de imagens não armazenavam dados pessoais dos usuários da plataforma e nem fazia reconhecimento facial, mas o tribunal destacou que a concessionária não provou isso por meio de perícia nos equipamentos e sistemas operacionais utilizados.
Em nota, a concessionária afirmou que respeita a decisão do tribunal e avalia a possibilidade de recurso. Leia na íntegra o posicionamento da empresa:
“A concessionária reitera que o sistema de portas interativas, instalado em 2018 e que funcionou por breve período, não era dotado de recursos para a coleta de dados pessoais, não possuía memória ou qualquer ligação com banco de dados que permitisse o reconhecimento facial ou a identificação dos passageiros. O sistema se restringia a determinar atributos das imagens para fins de publicidade. Essa conclusão técnica foi atestada em perícia judicial efetuada em outro processo já concluído. Os dados coletados eram anônimos e, posteriormente, descartados, preservando o direito à intimidade e privacidade dos passageiros. Durante todo o período em que este processo está tramitando, nunca houve nenhuma constatação de que dados coletados tenham sido armazenados ou utilizados para quaisquer outros fins. Nenhum usuário do serviço prestado pela ViaQuatro foi exposto em sua intimidade ou teve sua imagem violada. A concessionária reforça seus princípios de transparência e conformidade com respeito aos usuários, além do pleno atendimento à legislação então vigente, e à legislação superveniente, relativa à proteção de dados, a LGPD”.