Após quase desabar, igreja no Largo São Francisco passa por reforma
Construção manterá o característico estilo barroco
Parece cenário de guerra: telhado cheio de buracos, vigas de sustentação para evitar um desabamento iminente, escadas interditadas sob o risco de queda e manchas de umidade estampando a fragilidade das paredes. A Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco, no Largo São Francisco, no centro, concluída em 1788, vem sendo atacada nas últimas décadas por uma sucessão de problemas, todos eles fruto da falta de preservação.
Os cupins se banquetearam nas estruturas de madeira, demandando que o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) interviesse para evitar um desmoronamento. Buracos na cobertura permitiam que a chuva entrasse, estragando o piso de tábuas, alagando móveis e empesteando de mofo vestimentas guardadas em baús.
Após dezoito anos de solicitações dos irmãos da Ordem Terceira, a quem pertence o templo, a batalha foi finalmente iniciada. Em fevereiro, a Secretaria de Estado da Cultura começou a reforma e o restauro de um dos mais representativos espaços do estilo barroco em São Paulo. Entre paredes de taipa de pilão, tijolos e pedras, estão guardadas relíquias como bustos de terracota do século XVII, estátuas de santos do século XVIII, documentos da mesma época, castiçais banhados em ouro e pinturas em tela e nos forros. Após as obras, um museu deve ser criado na parte superior da igreja.
O gasto previsto é de 5,3 milhões de reais, que inclui levantamento de pinturas originais, escondidas sob camadas de tinta, adaptações de acessibilidade e catalogação de objetos. “Temos o hábito de tombar como forma de preservar”, diz o secretário da Cultura, Andrea Matarazzo. “Está claro, porém, que só isso não bastou.” A pasta estuda realizar uma fiscalização periódica dos bens tombados pelo estado para evitar que cheguem a esse ponto de degradação.
Devotos de São Francisco de Assis, os membros da Ordem Terceira, ligada à Igreja Católica, são autorizados a se casar e a trabalhar, mas não podem se apegar a bens. Assim, sem patrimônio nem renda para investir, eles dependiam de uma intervenção externa. Coube a João Azarias de Sobral, ministro da Ordem entre 1992 e 1995 e entre 2003 e 2009, fazer o pedido de ajuda. O primeiro deles foi em 1992, para reparar uma infiltração. Embora a autorização tenha sido obtida, o conserto nunca saiu do papel.
Anos depois, nova tentativa. Azarias soube que o então vice-governador, Cláudio Lembo, participaria de um coquetel na Faculdade de Direito da USP, edifício erguido para servir de convento aos franciscanos. Atravessou o Largo São Francisco e entrou na universidade. “Senti-me um urubu em terra de pavões”, brinca, sobre as roupas simples que vestia. Após alguns encontros, a reforma foi autorizada. Antes que as obras tivessem início, porém, uma reviravolta postergou-as mais uma vez.
O estado lastimável das dependências da Ordem, que além da igreja incluíam uma escola, fez com que o Departamento de Controle do Uso de Imóveis (Contru) da prefeitura interditasse o local. Só agora, após décadas de abandono e mais de dois anos fechada ao público, a igreja se prepara para reabrir. O tão esperado momento está prometido para o ano que vem.