Hebe Camargo luta contra um tipo raro de câncer no abdômen
Os paulistanos iniciam uma corrente de solidariedade em torno da apresentadora-símbolo da cidade
Foram nove dias que abalaram o mundo de Hebe Camargo. Na terça-feira 5, logo depois de retornar dos festejos do réveillon com um grupo de amigos em Miami, a apresentadora do SBT submeteu- se a exames para checar a razão de um mal-estar de que vinha se queixando desde a véspera do Ano-Novo. Uma tomografia indicou a presença de nódulos em seu abdômen — e os médicos não perderam tempo. Na noite da sexta-feira seguinte, Hebe se internou no Hospital Albert Einstein para passar por uma laparoscopia — um tipo de intervenção cirúrgica minimamente invasiva. Realizada às 7h30 da manhã do sábado, a operação se estendeu por três horas e confirmou a presença dos nódulos.
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Na segunda-feira, enfim, Hebe ouviu dos médicos o diagnóstico impactante: ela tem câncer. Mais precisamente, um tumor disseminado pelo peritônio, membrana que envolve os órgãos abdominais. Na quarta-feira passada, pouco mais de uma semana depois de iniciar essa via-crúcis, já enfrentava a primeira das seis sessões de quimioterapia previstas como tratamento. A velocidade dos fatos atordoou fãs, parentes e amigos da apresentadora — Hebe, afinal, esbanjava vitalidade aos 80 anos. “O dia em que soube do diagnóstico foi o pior da minha vida”, diz o filho único de Hebe, Marcello Camargo, de 44 anos. “Estamos todos pasmos. Quando a gente reclamava de uma gripe, ela ria e dizia: ‘O que é isso?’ ”, conta a empresária e amiga Lucilia Diniz. Apesar do choque, as pessoas próximas apostam que o alto-astral ajudará Hebe a sair dessa. Numa mensagem transmitida a VEJA SÃO PAULO por meio de seu sobrinho e braço direito Claudio Pessutti, a apresentadora confirmou sua disposição: “Tenho sede de viver. E, mais do que nunca, vou viver a vida bem vivida”.
A perplexidade logo deu lugar a uma onda de solidariedade entre os paulistanos — pois nenhuma apresentadora de TV se identifica tanto com a cidade quanto Hebe Camargo. Centenas de mensagens de apoio chegaram ao Albert Einstein e à residência da artista, no bairro de Cidade Jardim. Fãs de longa data estão fazendo correntes de oração por sua pronta recuperação. Moradora da Penha, a aposentada Lurdes Rocha, de 71 anos — que acompanha a carreira de Hebe desde 1949 —, cai nas lágrimas ao falar sobre o drama de seu ídolo. “Há dois meses, quando estava para fazer uma cirurgia, comentei com a Hebe que tinha medo da anestesia geral. Ela me tranquilizou e disse que rezaria para as santinhas dela”, afirma (as “santinhas” em questão são Nossa Senhora Aparecida e Nossa Senhora de Fátima, pelas quais a apresentadora tem devoção). Lurdes devolve o carinho de Hebe: “Agora, é a minha vez de orar para as santinhas”. A florista Katia Jannini, que há 23 anos fornece os 100 botões de rosas vermelhas que decoram o cenário do programa de Hebe no SBT, mal vê a hora de a amiga voltar para casa (a alta estava prevista para este fim de semana). Quando isso ocorrer, pretende brindá-la com uma surpresa. “No que depender de mim, ela encontrará todos os vasos — inclusive o das santinhas — repletos de rosas”, diz.
Amigos famosos também prestaram solidariedade. O patrão Silvio Santos, que está em férias na Flórida, e o cantor Roberto Carlos, por quem ela nutre verdadeira veneração, telefonaram na primeira hora. Assim como o vice-presidente José Alencar, que desde 1997 também luta com bravura contra o câncer. “Hebe é uma mulher que presta um serviço muito relevante ao país, pelo seu bom humor e espírito de luta. Estou esperançoso de que ela vai ficar bem”, declarou Alencar a VEJA SÃO PAULO. O governador José Serra foi outro político que se solidarizou. No dia da primeira sessão de quimioterapia, enviou à apresentadora um vaso de orquídeas amarelas com miolo marrom, com um cartão do próprio punho. As flores foram levadas ao hospital por sua chefe de cerimonial, Claudia Matarazzo — já que Serra fazia questão que o presente fosse entregue diretamente a Hebe.
A apresentadora percebeu que algo não ia bem com sua saúde no dia 30 de dezembro, durante a estada em Miami. Começou a sentir dores no abdômen e reclamava de certo inchaço nas pernas. Hospedada na residência de um casal paulistano na cidade, ela não deixou de comparecer à ceia de réveillon no restaurante Gotham Steak, no badalado Hotel Fontainebleau. Hebe retornou de Miami no domingo seguinte. E pediu ao sobrinho, que a acompanhava na viagem, que antecipasse sua volta a São Paulo para encaminhá-la a um médico assim que chegassem (Pessutti pretendia ficar mais uma semana nos Estados Unidos). Ele procurou então pelo especialista em problemas gástricos Antonio Luiz de Vasconcellos Macedo. Mas os desdobramentos dos exames levaram a apresentadora a se cercar de outros quatro médicos — entre os quais o oncologista Sérgio Simon, que tratou de Maria Rita, última mulher de Roberto Carlos (que morreu em decorrência de um câncer em 1999).
Dias antes de embarcar para os Estados Unidos, Hebe reuniu vários amigos num de seus restaurantes prediletos — o Magari, na Rua Amauri — para comemorar a renovação de seu contrato com o SBT. O humorista Carlos Alberto de Nóbrega, colega de crachá na emissora e amigo “há coisa de cinco décadas”, nas contas do próprio, narra que ela estava radiante naquela noite. Hebe riu, tomou vinho e recordou as alegrias de viagens recentes a Dubai e Paris. Foi um momento de alívio depois de um período de angústia profissional inédito na carreira de Hebe desde que seus penteados, roupas exuberantes e conversas de comadre no sofá se tornaram um item indelével da televisão brasileira. A razão disso foi a demora — e o silêncio — do SBT em apresentar uma proposta de renovação do contrato, que venceria em 31 de dezembro.
Em 2008, assim como fez com outras estrelas de sua emissora, Silvio Santos promoveu um achatamento do salário de Hebe, que baixou de 1,5 milhão para 500 000 reais mensais. Com audiência em queda, ela viu seu programa sair do horário tradicional, por volta das 11 da noite das segundas-feiras, para a faixa das 8 da noite — que não apetecia a seu bastião de público por excelência, as mulheres das classes C, D e E acima dos 40 anos. O programa voltou a seu horário de antigamente em setembro passado — mas nada de o ibope reagir ou de Silvio falar em renovação. Hebe só foi procurada pela filha do empresário e atual gestora do SBT, Daniela Beyruti, na entrada de dezembro. De acordo com Nóbrega, a expectativa da renovação vinha corroendo seu humor. “Ela andou se estressando e até falando um pouco de besteira. Fiquei tão preocupado que tive de lhe dar uma sacudida: ‘Hebe, você não sabe a força que tem’ ”. A angústia se dissipou, ao que parece, com a assinatura do novo contrato, uma semana antes do Natal. Ele tem duração de um ano. E trouxe até um aumentozinho salarial — seu holerite agora é de 650.000 reais por mês.
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A novela da renovação foi só um detalhe, contudo, num ano apoteótico para Hebe Camargo. As comemorações de seus 80 anos, completados em 8 de março de 2009, motivaram uma sucessão de festas. A recepção organizada por Lucilia Diniz na sua casa no Jardim Europa foi um dos eventos mais badalados da sociedade paulistana no ano passado. Entre os 600 convidados, viam-se do cantor espanhol Julio Iglesias a Roberto Carlos, passando pelo governador José Serra. Semanas mais tarde, Hebe levou um grupo de colunáveis-amigos para os Estados Unidos — dessa vez, para uma festança na Disney. “Mesmo para mim, que ando 6 quilômetros por dia, foi difícil acompanhar o ritmo dela. A Hebe não parava um minuto”, lembra Lucilia.
De fato, as pessoas que rodeiam a apresentadora são unânimes em apontar que sua energia é impressionante. “Ela é capaz de sair todas as noites e tomar um tonel de vodca sem ficar com dor de cabeça no dia seguinte”, exagera um pouco uma amiga do peito de sua geração, a atriz Lolita Rodrigues (que também tem 80 anos). Na já citada reunião com Carlos Alberto de Nóbrega e outros amigos depois da renovação de seu contrato com o SBT, Hebe saiu do restaurante quase às 2 da manhã. Detalhe: no dia seguinte teria de estar bem cedo no Aeroporto de Congonhas para pegar um jatinho enviado por Xuxa Meneghel especialmente para levá-la ao Rio de Janeiro. Ela iria participar de um evento de lançamento do último filme de Xuxa, no qual Hebe faz o papel de uma certa Rainha Mãe. Essa disposição inesgotável para o agito fez com que os íntimos, como Lolita, lhe dessem um apelido impublicável.
Hebe usufrui sem pudor, em suma, tudo que a fama e o dinheiro lhe proporcionam — do brilho das roupas e acessórios às baladas de luxo que varam a madrugada. E sempre defendeu, com toda razão, seu direito a esse jeito de ser. “Meu padrão de vida foi conquistado à custa de trabalho. Posso ostentar minhas joias porque paguei por todas elas”, de – clarou em 1994. Para além disso, vale lembrar que Hebe nunca deixou de exercer seu poder de influenciar o público feminino. Em 1997, ela teve uma atitude corajosa ao expor, numa reportagem de capa de VEJA, que fizera um aborto na juventude. Em seu afã de emitir opinião sobre tudo, consagrou-se ainda como uma espécie de rainha do palpite.
Essa alegria de viver já parece se refletir no modo como ela está lidando com a guinada inesperada (e indesejada) em sua vida. Ela deu demonstração, por exemplo, de que sua vaidade feminina continua intacta. Uma das primeiras providências ao sair da terapia semi- intensiva, na terça-feira, foi requisitar a presença de uma cabeleireira do salão que a atende. “Agora, ela está tranquila e feliz”, conta o filho, Marcello (fruto de seu primeiro casamento, com o empresário Décio Capuano — Hebe não teve filhos com o segundo marido, Lélio Ravagnani, que morreu em 2000). E ele dá uma prova inequívoca disso: “De vez em quando, ela passa até um batom”. Na quarta-feira, pediu que o restaurante A Bela Sintra lhe enviasse um marmitex de um de seus pratos favoritos: o polvo à lagareira, feito no forno com azeite, alho laminado e guarnecido de batata ao murro e azeitonas verdes. “Parece que ela pode comer de tudo. Ainda assim, tomei o cuidado de retirar o colorau”, diz Carlos Bettencourt, proprietário da casa. Hebe não está podendo tomar, ainda, seu “blodão” — um bloody mary bem apimentado preparado para ela no restaurante. Todos torcemos para que esse jejum dure pouco.