Quem é Gegê do Mangue, o número dois do PCC
De pequeno traficante na Zona Oeste a criminoso procurado, bandido é condenado à revelia a 47 anos de prisão
Por volta das 20 horas da última segunda (3), no plenário da 5ª Vara do Júri, no 2º andar do Fórum Criminal da Barra Funda, na Zona Oeste, o juiz Luís Gustavo Esteves Ferreira condenou o traficante Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, a 47 anos de prisão por dois homicídios cometidos em 2004.
Nesse momento, no entanto, o criminoso não estava sentado à sua frente, no banco dos réus, para ouvir a sentença. Nem se encontrava na Vila Madalena, onde fica sua “residência oficial”, declarada à Justiça. Tampouco aguardava na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, no oeste do estado, na qual passou os últimos dez anos, até ser posto em liberdade, em 1º de fevereiro.
Até o fim da semana passada, juízes, promotores, advogados e policiais desconheciam o paradeiro daquele que hoje é considerado o segundo homem mais importante na hierarquia do Primeiro Comando da Capital (PCC), atrás apenas do líder, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola. Segundo filho de uma família de quatro irmãos, Gegê nasceu em 1977, na Rua Fidalga, 1010, no meio do Mangue, favela com cerca de trinta casas encravadas desde os anos 60 na Vila Madalena.
Seus pais, Marlene Jeremias e Ítalo Alfredo de Simone (morto em 1982, ao cair do telhado de casa), ganhavam a vida como artesãos, tecendo almofadas e vendendo-as na rua. Nada na infância do pequeno Rogério parecia indicar seu destino. Tímido e obediente, ele ajudava na faxina da casa da família e foi coroinha na igreja da área.
Na rua, como qualquer criança do entorno, jogava futebol e empinava pipas, invariavelmente feitas com papel de seda do time do coração, o Palmeiras. E tirava boas notas na Escola Estadual Carlos Maximiliano Pereira dos Santos, na Rua Jericó. “Era um garoto inteligente, poderia ter sido excelente profissional em qualquer área”, lembra um parente, que pediu para não ser identificado.
Na adolescência, no início dos anos 90, passou a frequentar bares da Rua Aspicuelta, o extinto Sujinho, na Mourato Coelho, a sede da escola de samba Pérola Negra, na Girassol, e festas de axé, seu ritmo preferido. Não usava drogas nem abusava do álcool. Aos 15, trabalhava como office-boy em empresas do centro, mas percebeu que ganharia mais dinheiro por meio do tráfico.
Passou a distribuir maconha e cocaína a frequentadores de barzinhos da Vila. Acabou influenciando seus irmãos Ronaldo José e Cristiano Jeremias a ingressar no crime no começo da década de 90. Ronaldo, hoje com 48 anos, cumpre pena em Presidente Venceslau II, onde Gegê estava até recentemente. Cristiano morreu em uma troca de tiros com a polícia em 2006.
A irmã caçula, Renata de Simone, é professora e mora perto da mãe, que vive em uma casa de alto padrão no bairro do Rio Pequeno. A primeira prisão de Gegê ocorreu em 1995, quando foi pego em flagrante com drogas na Rua Fidalga. Como era réu primário, ficou menos de um ano preso. Depois, alternou idas e vindas da cadeia, até receber, em 2000, uma condenação: doze anos de reclusão por tráfico e assassinato. Sua trajetória confirma a máxima de que a cadeia no Brasil funciona como uma escola do crime.
Dentro das celas, aproximou-se das lideranças do PCC e aderiu à facção. Começou no posto de “sintonia”, espécie de gerente na estrutura do crime. Entre outras funções, recebia a visita de advogados da quadrilha e repassava aos comparsas as informações vindas de fora do presídio. Em 2003, subiu alguns degraus na hierarquia da bandidagem após tentar enviar para Marcola um bilhete falando da morte do juiz corregedor Antônio Machado Dias. Tido como um dos principais inimigos do PCC nos tribunais, o magistrado foi executado dentro do carro com três tiros, na saída do Fórum de Presidente Prudente.
O tal do bilhete não chegou às mãos do destinatário. A polícia o interceptou antes, o que rendeu a Gegê mais quatro anos de condenação por formação de quadrilha. Marcola, no entanto, ficou sabendo do fato e ordenou a promoção do novato. “Nesse episódio, ele caiu nas graças da quadrilha”, contou a VEJA SÃO PAULO um delegado, que preferiu não ser identificado.
Dois anos depois, durante a onda de ataques do PCC na capital, Gegê teria mandado incendiar ônibus na Vila Madalena. Em dezessete anos de cadeia, o bandido traficou, matou e mandou assassinar, o que lhe acarretou mais onze inquéritos. Mesmo assim, foi posto na rua em fevereiro deste ano, por decisão do juiz Deyvison Heberth dos Reis, da 3ª Vara de Presidente Venceslau.
Segundo o despacho do magistrado, não havia mais nenhuma condenação em definitivo que justificasse sua permanência na cadeia. Assim que deixou a penitenciária, Gegê entrou no carro de um de seus cinco advogados, um Jeep Renegade branco, abraçou a esposa, Andrea de Simone, e rumou para São Paulo.
Os dois estão juntos desde a adolescência, antes da primeira prisão dele, e sonham um dia formalizar a união em uma cerimônia católica. Ela foi criada no Conjunto Residencial Natingui e frequentava as baladas do bairro. “Rogério sempre foi bonitão e assediado pelas mulheres, mas ele só tinha olhos para a Andrea”, conta uma amiga dele.
O relacionamento prosseguiu após a prisão e, das visitas íntimas, vieram dois filhos: um menino, de 11 anos, e uma menina, de 3. Nessa fase fora da cadeia, Gegê passou boa parte do tempo em companhia de sua família em um prédio de luxo na Lapa e, numa escapada de lá, foi ver um jogo do Palmeiras no Allianz Parque. “Ele passou vinte dias em liberdade, mas vivia como se fosse um foragido”, afirma Andrea, por meio de um e-mail enviado por seu advogado a VEJA SÃO PAULO.
A sentença da semana passada se refere a dois assassinatos ocorridos em 2004. Escutas telefônicas autorizadas pela Justiça revelaram que Gegê e um comparsa determinaram a execução de dois bandidos responsáveis pela morte de dois membros do PCC. Um dos defensores de Gegê, Isaac Minichillo, alega que os “grampos” foram ilegais. “Vamos recorrer da sentença”, diz.
Investigações sugeriram que o condenado estaria escondido na Bolívia ou no Paraguai, administrando a rota internacional de tráfico de drogas de sua facção. Se isso for verdade, seria o ponto alto de uma “carreira” iniciada de forma prosaica há mais de vinte anos nas ruas estreitas da Vila Madalena.