Faculdade Zumbi dos Palmares ganha novos recursos
Com 87% de alunos negros, a instituição expande
Um dissabor costuma acompanhar o paulista José Vicente, de 56 anos, nas visitas que faz a teatros e restaurantes da cidade. “Estou acostumado a me darem a chave do carro para eu estacionarou me perguntarem quem eu vim buscar”, conta. Ele não é manobrista nem motorista, mas reitor de uma instituição de ensino superior influente, pela qual já circularam visitantes como Hillary Clinton, secretária de Estado americana, que esteve lá em 2010 para um debate com alunos e professores.
Em atividade há oito anos com a missão de ampliar as oportunidades aos negros, a Faculdade Zumbi dos Palmares, mais conhecida como Unipalmares, contabiliza 1.600 alunos matriculados e 1.400 formados.
A proposta da entidade vai além da imposição do sistema de cotas (a partir da lei sancionada em agosto, as universidades federais precisam reservar até 39% das vagas a negros, pardos e indígenas vindosde escolas públicas). A Unipalmares, que é privada e pertence ao Instituto Afro-Brasileiro de Ensino Superior, destina 50% de seus assentos para essas raças, mas nem seria necessário: 87% dos estudantes declaram ter esse perfil. Na USP, por exemplo, são apenas 15%, ante 37% da população paulistana. Atualmente, a Unipalmares oferece cinco cursos, entre eles direito e pedagogia, com mensalidade de 300 reais em média. Agora, ela se prepara para uma nova fase de expansão. No primeiro semestre do ano que vem, haverá gestão de recursos humanos e gestão financeira.
A partir de 2014, terá duas modalidades de engenharia: a de transporte e de petróleo e gás. O ritmo de crescimento é forte, tendo em conta que, no início de suas atividades, em 2004, havia apenas 200 alunos no bairro da Armênia. Em razão da alta demanda, a Unipalmares rodou pela Luz e pela Barra Funda, até chegar à Ponte Pequena, na Zona Norte, onde ocupa um imóvel dentro do Clube de Regatas Tietê.
A grade curricular inclui temas ligados às bandeiras da instituição, como defesadas minorias e história da África. Todas as salas estampam o nome de negros famosos, a exemplo da apresentadora Oprah Winfrey, do ativista Malcolm X e do humorista Mussum. Sem falar, é claro, de Barack Obama. O presidente reeleito dos Estados Unidos ganhou um retrato gigante na fachada da faculdade e protagoniza uma exposição de fotos no espaço de convivência — seu slogan “Sim, nós podemos!” estampa uma parede em letras garrafais. Nesta semana, será realizada a décima edição do evento de maior visibilidade da Unipalmares.
Na segunda (19), a Sala São Paulo recebe o Troféu Raça Negra, que homenageia personalidades com trajetória inspiradora que ajudaram na causa negra — nomes como o ministro Joaquim Barbosa, o ator Lázaro Ramos e o cantor Milton Nascimento já estiveram entre elas. A apresentadora Glória Maria e ocantor Toni Garrido confirmaram já presença, assim como a ativista americana Bernice King, que falará em um discurso da luta do pai, o pastor Martin LutherKing, assassinado em 1968.
A história pessoal do reitor é também exemplar. Ex-boia-fria de Marília (a 438 quilômetros da capital), José Vicente chegou a São Paulo para atuar como policial militar. Com o salário, pagou os cursos de direito e sociologia e concluiu, na Universidade Metodista de Piracicaba, mestrado em administração e doutorado em educação. “Sempre quis contribuir para a inclusão, a qualificação e a valorização dos jovens negros”, diz. Juntou-se a outros colegas e, em 1997, criou a ONG Afrobras, da qual hoje é o presidente, que serviu como embrião da Unipalmares. Muito do seu êxito se deve a parcerias com grandes empresas, como Itaú e HSBC.
Além de financiarem parte das bolsas, que beneficiam 20% dos alunos, elas abrem programas para estagiários e trainees. Cerca de 260 alunos estão empregados por esses patrocinadores. O potiguar Ednilson Nascimento, de 37 anos, ganhava cerca de 1.000 reais antes de entrar na faculdade, na primeira turma de administração. Em 2006, quando estava no penúltimo ano, ingressou no Citibank e seguiu trabalhando lá depois de formado. Hoje, ocupa no banco o cargo de analista pleno de risco operacional. Saiu do vermelho e fatura o suficiente para manter um apartamento em Santo André e dois carros, enquanto prepara uma boa estrutura para a filha que está por vir. Pretende, no futuro, ser professor da própria faculdade (40% do corpo docente é formado por negros). “Antes, eu só gostava de ser chamado demoreno”, conta. “Na Zumbi, aprendi a assumir minha raça.”
Além das Cotas
Cursos: administração, direito, pedagogia, publicidade e tecnologia em transportes. Oferecerá gestão financeira e de recursos humanos em 2013 e duas modalidades de engenharia em 2014;
Alunos matriculados: 1.600
Alunos formados: 1.400
Mensalidade: de R$ 295,00 a R$ 350,00